A hegemonia do futebol brasileiro na América do Sul
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A hegemonia do futebol brasileiro na América do Sul

É real e oficial: os dois finalistas da Sul-Americana e os dois finalistas da Libertadores são brasileiros. Na primeira ocasião em que isso acontece, podemos considerar o fato como um simples erro na matrix ou como uma tendência a ser observa...

André Moraes
10 min
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Palmeiras e Flamengo se enfrentaram na primeira rodada do segundo turno do campeonato brasileiro.
Palmeiras e Flamengo se enfrentaram na primeira rodada do segundo turno do campeonato brasileiro.

É real e oficial: os dois finalistas da Sul-Americana e os dois finalistas da Libertadores são brasileiros. Na primeira ocasião em que isso acontece, podemos considerar o fato como um simples erro na matrix ou como uma tendência a ser observada pelos próximos anos? De antemão, já adianto que há muito por trás disso. 

Muitos detalhes, muitos projetos, muitas metas, muito sofrimento, muitas renúncias, muita felicidade e, sobretudo, muito tempo. Qualquer trabalho bem feito dentro do esporte bretão requer anos e anos de planejamento, em todas as áreas. As finais e os títulos são, na análise completa, a cereja do bolo. E, como tudo na vida, esse cenário traz consigo dores e delícias. 

Primeiramente, caminhemos pela estrada dos motivos. Quais foram as principais razões que trouxeram Palmeiras, Flamengo, Athlético Paranaense e Red Bull Bragantino a um posto muito próximo da glória? Obviamente, cada um com seu cada qual. Cada um dos quatro passou por um ponto e vírgula. Isto é: um momento em que foi necessário dar uma pausa no que estava se desenrolando e recomeçar em outra direção. A esse recomeço, que é apenas um pontapé inicial, daremos o nome de início de um projeto. E aí reside o ponto ao qual estamos procurando. Ou melhor, um dos. 

Afinal, todos esses clubes estão no processo de construção de um trabalho. E, junto com isso, o velho e bom investimento é imprescindível. Portanto, eis os pilares da discussão: projeto e investimento. Apesar das diferenças entre si, as quatro instituições compartilham desses pontos. Um bom trabalho carece da grana para sua execução e um aporte financeiro necessita de um rumo para a sua aplicação. Na realidade brasileira atual, esses elementos ainda não estão em equilíbrio. Veremos que, por ora, o investimento financeiro ainda assume uma parcela de responsabilidade maior no sucesso.

Red Bull Bragantino

Falar que o Red Bull Bragantino é um ponto fora da curva é chover no molhado. O tradicional time de Bragança Paulista, no ano de 2019, passou por um processo de reestruturação completa. Nesse texto aqui, eu explico de forma completa como foi tal ocorrido. Em síntese, houve uma fusão entre o Bragantino e o RB Brasil, que, até então, disputava apenas campeonatos de categoria de base. Quase todos os jogadores da equipe da empresa permaneceram na nova instituição, e foram injetados mais de 100 milhões de reais no departamento de futebol. A partir disso, a instituição seguiu a fórmula carimbada da Red Bull: prospecção das categorias de base, contratação de jogadores jovens, vendas com alto valor agregado e um time retentor da posse, que trabalhe a construção de forma meticulosa. Não tem muito erro. É um conjunto de ações e metas que funcionam em qualquer lugar do mundo e deveriam ser mais praticadas no Brasil.

Maurício Barbieri, há mais de um ano no comando técnico, foi a aposta mais certeira da nova era do clube. O adolescente treinador montou uma equipe que manipula o adversário com a troca de passes, constrói e ocupa os próprios espaços e, no momento defensivo, pressiona o portador da bola com maestria. Ou seja, nada foi por acaso no interior paulista. Antes da bola, há o comando técnico. Antes do comando técnico, há o departamento de futebol. Antes do departamento de futebol, há a diretoria. E, antes da diretoria, há um dos maiores conglomerados do mundo do futebol, que detém uma filosofia inovadora. Todos esses órgãos se comunicam para levar o Red Bull Bragantino ao topo das competições  e, progressivamente, expor a marca com o futebol jogado dentro de campo. Nesse contexto, dificilmente há um erro de planejamento. 

Athlético Paranaense

O rubro-negro da Sula é um caso de time “outsider”. Esse termo é utilizado na política para designar um candidato que diz não fazer parte do sistema. De forma análoga, é possível definir o Athlético (com H) Paranaense como uma instituição que busca caminhos alternativos ao que é feito na maioria dos times brasileiros. O marco de tal gestão é a chegada de Mário César Petraglia ao comando do clube, no ano de 1995. A partir dessa data, o Athlético passou a ser administrado como uma empresa, apesar de não ser oficialmente uma S/A. Uma verdadeira revolução administrativa que deveria ser seguida por outros times. O mandatário construiu o centro de treinamento do Caju, modernizou a Arena da Baixada, potencializou o programa de sócio torcedor, trouxe inovações na área de marketing,vendeu revelações a preços elevados - Bruno Guimarães, Marcelo Cirino, Pablo, Rony, Léo Pereira, Otávio - e reduziu as dívidas magistralmente. O clube foi o primeiro do Brasil a zerar as dívidas com a Receita Federal.

Em campo, o time ganhou fama de copeiro. E não é para menos. Quase imbatível em casa e estratégico fora, o Athlético foi campeão da Sul-Americana em 2018 e da Copa do Brasil em 2019. O homem forte, atualmente, é Paulo Autuori. O ex-treinador é gerente de futebol e já disse que não quer ficar à beira do campo. Por isso, Valentim foi contratado para o restante da temporada. Entretanto, como já foi publicamente falado, a ideia do clube é fazer uma escola de treinadores em consonância com a condução de Autuori, que seria uma espécie de Alex Ferguson do clube de Paraná. É uma ideia diferente e promissora, visto que garante estabilidade e direção clara ao comando técnico.

Palmeiras

O outro representante paulista nas finais continentais iniciou seu “ponto e vírgula” no ano de 2014, que, por sinal, foi um quase desastre e o centenário do clube. No primeiro ano de mandato de Paulo Nobre, o Palmeiras quase foi rebaixado à segunda divisão nacional. O plantel modesto composto por Valdívia, Fernando Prass, Alan Kardec e outros que, provavelmente, só estão presentes na mente dos antigos palmeirenses escapou por um fio do rebaixamento e encontrou uma realidade diferente no ano seguinte. Em 2015, começou uma parceria de sucesso entre o clube e a Crefisa, em conjunto com uma política de enxugar gastos. 

Desde então, os resultados foram muito expressivos: contratações importantes - Dudu, Lucas Barrios, Moisés, Guerra, Bruno Henrique, William, Gustavo Gomez, Felipe Melo e etc. -, revelações que renderam retorno técnico e financeiro - Gabrieis Jesus, Menino e Verón, Patrick de Paula, Danilo e Renan -, finalização do Allianz Park, fonte de renda primária da instituição, inúmeros títulos - copa do brasil 2015 e 2020, brasileirão 2016 e 2018 e libertadores 2020 - e definição de uma ideia de jogo, que, apesar das particularidades de cada treinador, já perdura por várias temporadas.

Agora, o polêmico e eficiente trabalho de Abel Ferreira. O portuga já está na casa há mais de um ano, deixou claro o seu estilo, conseguiu ser vitorioso e, mesmo assim, sofre questionamentos, sobretudo, por parte da imprensa. O time é desprezível e não tem nenhuma virtude? Não! O futebol jogado recentemente é passível de críticas? Sim. 

Da temporada passada para a atual, o time do Palmeiras perdeu poderio ofensivo. A marcação é compacta, a zona de entrelinhas é bem protegida e a equipe cede poucas chances ao adversário. No entanto, a construção de jogo e a chegada no último terço são deficientes. O time sofre quando precisa criar os próprios espaços. Quando o adversário não sobe as linhas para ocupar o campo de ataque, os desmarques de ruptura, a troca de passes atrativa, a dinâmica de circulação de jogo e outros mecanismos ofensivos não saem como o esperado. Isso pode ser um complicador na final da Libertadores.

Flamengo 

O rubro-negro da liberta é um “case de sucesso” em gestão financeira. Na gestão de futebol, ainda há falhas. Em 2013, a famosa chapa azul, que posteriormente se dividiu em várias partes, assumiu a instituição, representada por Eduardo Bandeira de Mello. Devido à situação financeira pra lá de caótica da época, Vagner Love foi dispensado, o “time do Ronaldinho” foi desmontado e uma nova era do clube foi inaugurada. 

Alguns nomes, como Hernane Brocador, Paulinho, Amaral e Everton Motorzinho, foram símbolos de um período de austeridade, no qual a diretoria não fez grandes investimentos no campo, reduziu as dívidas, elevou a transparência das contas e diversificou as fontes de renda do clube. Por incrível que pareça, e na força da torcida, o time foi campeão da Copa do Brasil no primeiro ano deste trabalho. 

Em 2015, a grana voltou a jogo. Paolo Guerrero foi a contratação que representou a volta do Flamengo à disputa pelo topo das principais competições nacionais. Após isso, vieram Diego Ribas, Everton Ribeiro, Vitinho, Gabigol, Arrascaeta, Bruno Henrique, Andreas Pereira e cia ltda. A chegada de Rodolfo Landim, em 2019, elevou a qualidade da pasta de futebol, principalmente, em função de um português cabeludo. É impossível falar do Flamengo e não citá-lo. Jorge Jesus montou uma equipe que extraiu o melhor de cada jogador. Pressão pós-perda aguda, linhas altas, ataques frontais, saída de três e triangulações nos corredores laterais são estratégias que definem essa era vitoriosa.

E, mesmo com todo sucesso recente, o departamento de futebol da gávea comete erros primários. A sequência “Abel Braga, Jorge Jesus, Domenec Torrent e Rogério Ceni” expõe a carência de definição de estilo de jogo, uma vez que ideias opostas foram aplicadas em sequência. Por exemplo, Jesus é adepto do jogo funcional e Domenec, do jogo posicional. Fazer a transição entre dois estilos tão diferentes requer tempo e assimilação por parte dos atletas. Marcos Braz e Bruno Spindel pensaram que seria uma boa ideia fazer isso com a temporada em andamento. 

O time atual é, antes de mais nada, letal. Possui uma transição ofensiva rápida e direta, apresenta criatividade no meio com Everton R. e Arrascaeta , circula a bola com dinamismo e finaliza com alta eficiência. Os principais defeitos são a falta de controle e a transição defensiva. Por vezes, a equipe não consegue “abaixar a temperatura” da partida e a aleatoriedade toma conta do cenário. Assim, o adversário chega com perigo na entrada da área, quase sempre desprotegida. Alerta nisso para a final. 

Conclusões

Para os padrões brasileiros, os quatro finalistas estão em bons caminhos com relação a projetos. No entanto, ainda há falhas no momento de contratar atletas, escolher treinadores, assegurar um cargo, montar uma comissão técnica permanente e buscar inovações financeiras com o objetivo de reduzir a dependência de uma única fonte. Todos estão aprendendo a caminhar. Com o aporte financeiro crescente, é provável que os brazucas continuem a dominar os principais postos do futebol sul-americano. Nesse contexto, o campeonato brasileiro é o principal prejudicado. A oferta exagerada de vagas para as copas reduz as disputas por vagas na parte superior da tabela. Por conseguinte, o desinteresse dos torcedores com o campeonato de pontos corridos tende a aumentar. 

Favoritos: Flamengo e Athlético Paranaense. 

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