Por volta do ano 2000, os clubes portugueses eram ainda pouco expressivos no cenário do futebol mundial. Raramente chegavam longe em competições europeias e não se destacavam com inovações de ideia de jogo. No entanto, uma movimentação viria ...
Por volta do ano 2000, os clubes portugueses eram ainda pouco expressivos no cenário do futebol mundial. Raramente chegavam longe em competições europeias e não se destacavam com inovações de ideia de jogo. No entanto, uma movimentação viria a mudar tudo. Quando José Mourinho, que havia tido pouco sucesso como jogador, chegou ao Porto como uma aposta para o comando técnico, a história começou a caminhar em outro sentido. O famoso "plot twist". O treinador foi campeão português em 2003 e, um ano depois, conquistou a Champions League, derrotando times consolidados e considerados favoritos, como o Manchester United de Alex Ferguson. Além dos resultados expressivos, o "Special One" trouxe novos conceitos em todas as áreas do esporte: tática, técnica, físico, estratégia e etc. E, com ele, gradativamente surgiu uma legião de treinadores portugueses que foi inovadora em vários países do planeta bola. Na época, poucos imaginavam, mas nascia, de um lugar completamente inesperado, uma revolução abrangente, que alterou os rumos do futebol em um caminho inovador e mais estratégico. | ||
Bom, nada mais justo do que iniciar a análise com o pai dos técnicos da terrinha. Em seu trabalho no Dragão, Mourinho implementou uma filosofia de treinamentos que consistiam em manter o foco inteiramente nas situações de jogo. Assim, todas as faces estavam interligadas. O treino regenerativo era voltado às estratégias em campo, a parte física era aprimorada em sessões com a bola para prospectar a ideia de jogo, a preparação mental era realizada a partir de ocasiões inusitadas dentro da partida. Ou seja, tudo calculado apenas para vencer. Por meio dessa preparação, o time de Carlos Alberto e Deco jogava com uma defesa sólida, pressionando a saída do adversário e explorando espaços com maestria. Um caso de estilo de jogo adequado às opções humanas disponíveis, casamento perfeito. Além do Porto, Mou passou pelo Chelsea em 2005, sendo campeão da Premier League duas vezes, e conquistou a principal competição de clubes da Europa novamente em 2010, pela Inter de Milão, comandando Sneijder, Milito, Eto'o e tantos outros. À frente do principal time de Madrid, ele foi fundamental para segurar os anos de glória do Barcelona de Pep Guardiola. Levou uma Copa do Rei, um campeonato Espanhol e uma Supercopa da Espanha. Em síntese, o português, com uma preparação íntegra e inovadora, armava suas equipes de forma mais reativa, como um "ônibus estacionado", e foi capaz de expor a validade desse tipo de jogo, em um contexto de ascensão do "tiki-taka" e da valorização da posse. Mesmo com essa carreira brilhante e ainda incompleta, talvez o maior marco do técnico tenha sido a influência que ele exerceu em companheiros de profissão, mais novos ou mais velhos, a impor ideias novas que fizeram a diferença em todas as dimensões do futebol. | ||
Agora é hora dos filhos. A nova geração dos colonizadores mostrou a que veio: conseguiu desenvolver táticas variadas, conquistar títulos importantes e se adequar ao contexto futebolístico de cada liga. O paizão deve ter ficado orgulhoso. André Villas-Boas, não por acaso o segundo nome do texto, trabalhou com Mourinho durante dez anos como "scouter" e foi responsável por dar notoriedade a essa função no universo dos comandos técnicos. Ele detectava carências nos plantéis e fazia análises dos adversários. Atualmente, quase todos os times do mundo possuem à disposição um departamento de scouting, que é comandado por um homem cuja função é análoga à de Villas-Boas em seus primeiros trabalhos. Como treinador, ele já passou por Tottenham, Porto, Chelsea e Olympique de Marselha. Frequentemente, seu nome é ventilado em terras tupiniquins quando algum clube fica com o cargo vago, como aconteceu recentemente no São Paulo antes da contratação de Hernán Crespo. E Leonardo Jardim, o "português-francês", foi destaque pelo seu trabalho no Mônaco. Na temporada de 2017, conquistou a Ligue One e chegou à semi-final da Champions após desbancar o City de Guardiola. Em tal equipe, surgiram grandes nomes, como Mbappé, Bernardo Silva e Lemar. Como é boa a escola portuguesa! Sempre versátil, inovadora e capaz de revelar talentos. | ||
Sempre presente nas nossas mentes, nos nossos corações e nos meus textos, o futebol brasileiro (felizmente) foi alvo, pela segunda vez, de caravelas lusitanas. Porém, agora, cheias de estratégias, linhas de marcação, variações táticas e outros conceitos que deixaram muitos, inclusive eu, boquiabertos. Jorge Jesus, além dos títulos e do futebol esplêndido que estamos cansados de conhecer e analisar, promoveu uma série de quebra de paradigmas que estavam enraizados como verdades absolutas por aqui. Questões como a necessidade de poupar jogadores toda semana, o recuo dos times após marcar gol para administrar a vitória - o famoso e triste "saber sofrer" - e a aversão de administrar a bola durante bons períodos de tempo na partida foram cruelmente trucidadas pelo mister. Cinéfilo ou não, todos reconhecem as cenas do técnico descabelado na beira do campo reclamando com os jogadores por não estarem atacando, depois de um placar de 3x0. Já Abel Ferreira, um ano depois, chegou ao Palestra Itália com um repertório rico: usou garotos da base, como Danilo, Gabriel Menino e Véron, junto com medalhões e apresentou variações que foram fundamentais em jogos importantes da temporada, como contra o River Plate, em que o gajo congestionou o meio de campo para cortar as tabelas argentinas na entrada da área. Enfim, foram projetos detalhados, completos e encarregados de retirar o país daquele marasmo marcado por temporadas semelhantes ano após ano. | ||
Por fim, um agradecimento a todos esses que contribuíram e contribuem para a evolução do esporte. O futebol mundial, apesar de estar passando por um processo de padronização, ainda possui as especificidades de cada país. Uns incentivam desde cedo a imposição física, outros priorizam um jogo bonito, outros são apenas resultadistas e etc. O intercâmbio de estilos será sempre benéfico para todos, menos para aqueles que são arrogantes a ponto de achar que não precisam aprender ou que estrangeiros vão roubar empregos, como acontece de vez em quando no Brasil. E por que isso nunca aconteceu no nosso futebol? Por que nossos técnicos não são cogitados em outros clubes de expressão fora do país? Bom, a falta de atualização e o estigma de que "o Brasil é o país do futebol", usado de forma errada, são alguns fatores que podem explicar, mas isso é assunto para outro momento. Quem sabe, outro texto (rs)! | ||
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