- Qual é aquela rua mesmo?
- Qual é aquela rua mesmo? | ||
Eu não lembrava do nome. Só que estava perto do Brigadeiro Franco e do Presidente Taunay. Sentado na mesma mesa, bem vestido e sorvendo um cálice. Comia um guisado em uma louça fina. Talvez selando o casamento da filha com o filho do Desembargador Motta. | ||
Na verdade o nome da rua eu sabia. Eu não sabia o título dela. O nome era “Rua da Torneira”. | ||
Em um grupo do Bigorrilho antigo eu li que ela se chamava assim pois moradores de ruas de baixo passavam por ela para se abastecer de água. Subiam a Rua da Torneira com sede e desciam saciados. | ||
E eu ainda a chamava de Rua do Pecado. Há ali uma casa suspeita e, por hoje passarem poucos moradores, é ideal ao consumo de substâncias também suspeitas. Além de bêbados que a sobem com sede mas nunca se saciam. | ||
A dúvida se prolongava. E nenhum outro assunto começaria sem a solução. Falei sem muita convicção: | ||
- Rua da Torneira? | ||
Meu amigo fez um gesto de desprezo e quase pediu para eu ficar em silêncio. | ||
Desisti de ajudar e pensei em João do Rio. “Eu amo a rua”, assim ele abre “A Alma encantadora das ruas”. Eu também, João. Mas amar Comendador, Marechal e Desembargador é difícil. Agora torneira e pecado... | ||
- Rua José Nicolau Abagge! | ||
Ele falou alto, em um misto de contentamento e alívio. Fez uma pequena celebração até. Bateu nos meus ombros mais forte e achei que sacaria um charuto do bolso. | ||
- José Nicolau Abagge! | ||
Repetiu, agora mais lento. Eu só tentava entender quem era o José e porque ele era mais importante que a torneira e estava acima do pecado. | ||
Mas João do Rio também me ensinou que a rua é democrática e não tem dono. Ela não é do José e muito menos minha. | ||
A rua é o pessoal da Rua da Torneira e da Rua do Pecado bebendo juntos em um bar ali na Saldanha Marinho. Dividindo uma garrafa de cerveja, comendo torresmo e contando história. | ||
No canto da mesa, o seu José, novo por ali. Falando pouco, mas já se sentindo em casa. | ||