Ruas
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- Qual é aquela rua mesmo?

André Corrêa
1 min
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- Qual é aquela rua mesmo?

Eu não lembrava do nome. Só que estava perto do Brigadeiro Franco e do Presidente Taunay. Sentado na mesma mesa, bem vestido e sorvendo um cálice. Comia um guisado em uma louça fina. Talvez selando o casamento da filha com o filho do Desembargador Motta. 

Na verdade o nome da rua eu sabia. Eu não sabia o título dela. O nome era “Rua da Torneira”. 

Em um grupo do Bigorrilho antigo eu li que ela se chamava assim pois moradores de ruas de baixo passavam por ela para se abastecer de água. Subiam a Rua da Torneira com sede e desciam saciados. 

E eu ainda a chamava de Rua do Pecado. Há ali uma casa suspeita e, por hoje passarem poucos moradores, é ideal ao consumo de substâncias também suspeitas. Além de bêbados que a sobem com sede mas nunca se saciam.

A dúvida se prolongava. E nenhum outro assunto começaria sem a solução. Falei sem muita convicção: 

- Rua da Torneira?

Meu amigo fez um gesto de desprezo e quase pediu para eu ficar em silêncio. 

Desisti de ajudar e pensei em João do Rio. “Eu amo a rua”, assim ele abre “A Alma encantadora das ruas”. Eu também, João. Mas amar Comendador, Marechal e Desembargador é difícil. Agora torneira e pecado...

- Rua José Nicolau Abagge!

Ele falou alto, em um misto de contentamento e alívio. Fez uma pequena celebração até. Bateu nos meus ombros mais forte  e achei que sacaria um charuto do bolso.  

- José Nicolau Abagge!

Repetiu, agora mais lento. Eu só tentava entender quem era o José e porque ele era mais importante que a torneira e estava acima do pecado. 

Mas João do Rio também me ensinou que a rua é democrática e não tem dono. Ela não é do José e muito menos minha.

A rua é o pessoal da Rua da Torneira e da Rua do Pecado bebendo juntos em um bar ali na Saldanha Marinho. Dividindo uma garrafa de cerveja, comendo torresmo e contando história.

No canto da mesa, o seu José, novo por ali. Falando pouco, mas já se sentindo em casa.

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