The Many Saints of Newark - Sopranos vira cinema
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The Many Saints of Newark - Sopranos vira cinema

David Chase, criador da série, nunca gostou muito de TV.

André Corrêa
4 min
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David Chase, criador de Sopranos, nunca gostou muito de TV.

Mesmo tendo escrito roteiros para a série "Arquivo Confidencial" (nome que inspirou o imortal quadro) e um filme televisivo, "O Difícil Regresso".

As duas produções foram elogiadas. Mas Chase não demonstrava orgulho por elas. Em entrevistas até desconversava.

O cinema sempre foi sua paixão.

Chase escreveu Sopranos já  pensando em um filme. Talvez tenha até torcido para que a HBO recusasse o roteiro e ele então o oferecesse a uma produtora.

Mas a HBO, surpreendemente, aceita uma série sobre um mafioso que faz terapia. Quando a máfia já parecia tematicamente esgotada e no mesmo período em que era lançado "Mafia no Divã", com Robert De Niro, o mobster por excelência. Ninguém entendeu.

Era uma sátira? Um drama? Quem é James Gandolfini? 

E o primeiro episódio foi ao ar em 10 de janeiro de 1999.  E o último em 10 de junho de 2007.

Os únicos dirigidos por David Chase. E que podem ser assistidos sem precisar ver os outros.

Como se fossem filmes.

O fim de Sopranos

Chase é um tímido e dá poucas entrevistas. A mais longa foi para Alan Sepinwall e Matt Zoller Seitz, dois famosos críticos de cinema e TV, logo após o fim da série.

Elas foram editadas e lançadas em livro, a Bíblia Sopranista: "The Sopranos Sessions".

Nas "sessões" (alusão às famosas terapias da série) perguntam a Chase se há intenção de uma produção posterior, uma série ou um filme. 

Chaase responde firmemente: "sim".

Alguns meses depois já se sabia até o nome.

The Many Saints of Newark.

Moltisanti

O sobrenome de Christopher, o trágico personagem da série, está no título. "Moltisanti" traduzido para inglês é "Many Saints".

Christopher é um personagem querido pelos fãs. Um subordinado dedicado e com rompantes de ator e diretor. A dramaturgia era um escape, assim como a heroína. Um fez ele interpretar lindamente James Dean.  O outro quase o matou.

Chris era o filho do "legendário" Dickie Moltisanti. Morto supostamente por um policial enquanto levava um presente para o filho. História estranhamente romântica.

Então este personagem obscuro toma o lugar de Johnny Boy, Junior Soprano e até de Tony e é o protagonista do filme.

Ganha até Ray Liotta como pai, em uma espécie de certificado de gângster.

O trailer

Qualquer sopranista deve ter assistido o trailer umas quatro vezes ontem. E o sopranista fanático, como eu, escondeu uma lágrima na música tema no final. Escutei Lívia Soprano:

Oh, poor you.

Insisto: Dickie é o protagonista. Mas o trailer começa em uma fria Newark e Tony, interpretado pelo filho, está em um orelhão. Escutamos uma voz celestial do Tony mais velho ao fundo, meio Mufasa:

Quando eu era criança, caras como eu foram trazidos para seguir um código.

Um estranho aborda o Tony delicadamente:

- Ei, babaca.

E então rompe no cabeludo e magro garoto toda a besta que é Tony Soprano. Uma provável Carmela tenta separar a briga.

Então vemos uma clássica cena de colégio. A diretora chama a mãe do aluno que aprontou. Lívia Soprano ouve, para surpresa dela e também nossa, que Toninho não está com notas baixas ou muito brigão. Toninho tem um QI alto e é um líder natural.

Só então surge Dickie Moltisanti, bebendo uma vodka de manhã, logo chamado por Tony como "Tio Dickie". Já observamos a relação na carinhosa frase:

Você é meu sobrinho e eu farei qualquer coisa para te ajudar.

E vemos o tio "ajudando".  Pede pra Tony guardar uns aparelhos de som roubados. Tony recusa, dizendo que quer um dia entrar na faculdade. Dickie insiste, traduzido aqui para um brasileirês:

Não vai dá nada.

Depois surgem os íntimos  Johnny Boy e Junior Soprano. Em uma aparente e frustrada intervenção em Tony. Lívia diz que ele só ouve o Dickie.

No final ainda aparecem tanques de guerra na rua, Paulie Walnuts jovem, Silvio Dante careca e um velório. Há sempre um velório em Sopranos.

Em Sopranos o que não é detalhe é superficial. A música tocada é "Gotta serve somebody", da fase cristã de Bob Dylan.

Dylan diz que não importa quem você seja, você tem que servir a alguém.

Observações - e muitas perguntas

- Tony nunca foi conhecido por ter um QI alto. Não era burro, certamente. Mas sua inteligência era mais prática. Arrisco que Tony admirava Johnny Sack, este sim um estrategista. Em um episódio diz que não teve oportunidade ir pra faculdade. Agora sabemos que era um desejo dele. O QI alto nunca consumado?

- A conversa sobre o Toninho nunca foi revelada por Livia Soprano. Se Tony soubesse do seu QI alto e "liderança natural" provavelmente levaria para a terapia. Os motivos de Livia devem ser abordados. Seria já o niilismo dela se anunciando? Ou ainda queria proteger o filho de algo?

- Dickie foi para Tony o que Tony foi para Christopher. A figura paterna escolhida, não imposta. O herói, o ídolo, o amigo. Mas que se aproximava mais do diabo. 

- A morte de Dickie, obscura e ambígua na série, talvez ganhe aqui um desfecho. O conflito entre Johnny Boy e Dickie terá uma solução mortal? Ou Dickie, em um clássico anti-climax chasiano morre estupidamente no meio da rua? Ou Chase reverte tudo isso em um clímax incrível em que Tony...estou com expectativas altas, talvez.

- As revoltas de Newark no final da década de 60 terão um papel. O conflito começou por causa de episódio de violência policial contra um negro. Se no final dos anos 2000 ainda era aceitável um personagem racista, hoje não é mais. Chase ou condenará Tony como um produto da época ou ignorará este aspecto. Há também um personagem negro em conflito com Dickie.

Particularmente eu fiquei satisfeito com o trailer. Conflitos interessantes, grandes atores e fanservices maravilhosos como o Satriale's em qualidade cinematográfica.

Por fim, desejo que Chase, um cara meio cínico, meio depressivo, meio resignado, tenha realizado finalmente na tela grande todos seus anseios.

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