Lamento
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Lamento

Existem palavras que remetem a posturas. Me impressiona como palavras e posturas entram e saem de modo no trato social e cultural. Dentre tantas que foram esvaziadas e desvalorizadas em nossa contemporaneidade, uma tem me chamado muita atençã...

Homero Castro
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Disse novamente o abbá Pímen: "O lamento opera de duas formas: produz e persevera"

Existem palavras que remetem a posturas. Me impressiona como palavras e posturas entram e saem de moda no trato social e cultural. Dentre tantas que foram esvaziadas e desvalorizadas em nossa contemporaneidade, uma tem me chamado muita atenção nas últimas semanas: Lamento. 

                                                                                      Jó 1880. Por Léon Bonnat.
                                                                                      Jó 1880. Por Léon Bonnat.

Atualmente estou lendo o clássico da literatura dos pais do deserto: "Sentenças dos padres do Deserto". Me impressiona o valor que esses "abbás" prezavam bastante a palavra e a postura do lamento.

Em uma sociedade altamente narcisista, o choro por sua própria condição não é mais admitido. Somos super heróis de nossas histórias rasas e superficiais.  Os padres choravam por sua condição enquanto caminhavam em sua existência. Enquanto caminhamos, buscamos a "felicidade", o prazer, aqueles que vão massagear meu ego incorrigível. 

Em uma sociedade altamente individualistas, deixamos de chorar pela condição do próximo. Ensimesmados por nossa "existência heroica", caminhamos, sempre em frente. Não ouse olhar para o lado, qualquer interrupção em prol do outro fará grande estrago em seus planos.

Que perda temos em nossas formações pessoais a falta do lamento! Quando choro pela minha condição algo está surgindo de novo em mim - perseverança e confiança são enriquecidas e sua alma passa a ansiar pela oração (súplica). Perder o lamento é se perder. É deixar que falsas identidades te dominem. Qual foi a última vez que chorou por sua condição?

Que perda temos em nossa "teia social" quando paramos de chorar pela condição do próximo! 

“Jerusalém, Jerusalém, cidade que mata profetas e apedreja os mensageiros de Deus! Quantas vezes eu quis juntar seus filhos como a galinha protege os pintinhos sob as asas, mas você não deixou"

Jesus é um exemplo de lamento pelo próximo! 

Assim como Daniel, ao orar pelo povo no capítulo 9 de seu livro:

Ó Senhor, a nós pertence o corar de vergonha, aos nossos reis, aos nossos príncipes e aos nossos pais, porque temos pecado contra ti.

Interessante é a forma como Daniel "cora de vergonha" por situações não necessariamente sua, mas abraçada em grande compaixão.

Neemias faz o mesmo quando recebe notícias de uma Jerusalém devastada:

Quando ouvi essas coisas, sentei-me e chorei. Passei dias lamentando, jejuando e orando ao Deus dos céus. Então eu disse: Senhor, Deus dos céus, Deus grande e temível, fiel à aliança e misericordioso com os que o amam e obedecem aos seus mandamentos, que os teus ouvidos estejam atentos e os teus olhos estejam abertos para ouvir a oração que o teu servo está fazendo dia e noite diante de ti em favor de teus servos, o povo de Israel. Confesso os pecados que nós, os israelitas, temos cometido contra ti. Sim, eu e o meu povo temos pecado contra ti.

Ambos aprenderam a lamentar, chegando a suplicas "inclusivas": "temos pecado" e não "eles pecaram". Em uma sociedade de exclusão, essa postura é abraço! Chorar e lamentar  pela condição humana é uma forma de oferecer um caminho diferente do tão falado "cancelamento", o caminho da compaixão. Afinal de contas, Jesus abraçou a cruz, depois de muito lamentar e chorar, para que cada um de nós não fossemos cancelados. Qual foi a última vez que você chorou pelo próximo? 

Como nossa sociedade seria mais forte com a virtude do lamento! Tanto em termos de formação pessoal como em termos de compaixão social. 

Que Deus tenha misericórdia de nós!