Ta Com Sede? Tô, Mas Não tem água
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Ta Com Sede? Tô, Mas Não tem água

Além das paisagens bonitas e paradisíacas do estado de Alagoas, afastado da capital Maceió, os moradores de um Povoado não têm acesso a água. Estima-se que por volta de 900 mil pessoas no estado enfrentem o mesmo problema.

Carlos Azevedo
7 min
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Alagoas, é uma das principais capitais do Brasil, principalmente quando o assunto é turismo. Praias paradisíacas, como a do Francês e como Maragogi, lugares históricos como a cidade de Penedo e locais para banho no Rio São Francisco. Apesar de suas paisagens incríveis, como outros diversos estados, Alagoas enfrenta um grande problema de saneamento, que não é de hoje. De acordo o Sistema Nacional de informação sobre saneamento do ano de 2018 (SNIS), 72,4% da população do nordeste tem acesso à água. No estado de Alagoas, essa porcentagem é de 74,6%. De acordo com o IBGE, Alagoas tem por volta de 3,5 milhões de habitantes, ou seja, mais de 900 mil pessoas não têm acesso à água.

A cidade de Igreja Nova aproximadamente 160km da capital Maceió, como grande parte das cidades do interior do nordeste, além do munícipio, é responsável por povoados, sob seu domínio, atualmente, são 43 povoados. Na realidade, são como se fossem bairros da cidade que são bem afastados. São conhecidos como “interior do interior”. Cerca de 15km do Município está o Povoado Perucaba. Nome um pouco estranho, mas que faz alusão a um grande rio, chamado Perocaba, que passa pela região. Dos 43 povoados, que Igreja Nova possuí, a Perucaba é um dos maiores, com aproximadamente 4.000 moradores. O povoado é um lugar como qualquer outro do interior do Nordeste. Casas simples, com ruas sem asfalto, sempre com um cachorro vira-lata na porta, com bastante verde e outros animais em volta, como galinha, porco, cavalo, bode dentre outros. Durante o dia é possível ouvir bastante crianças brincando e sorrindo, som esse que fica entrelaçado sempre com um som de um forró ou um arrocha tocando em alguma casa. Durante a noite o céu é bastante estrelado, com a lua bem evidente. Os cachorros que ficam na porta, dão lugar as pessoas, que conversam em suas cadeiras de balanço, com uma garrafa de café em cima de um banco de plástico. O povoado é dividido em sete ruas principais: Rua da Igreja, Rua do Posto, Saco do Arroz, Beco do Estroá, Chã, Recanto e a Praça, que é o centro do povoado.  

ÁGUA NEM PRA BEBER E NEM PRA TOMAR BANHO Seus moradores não possuem acesso a água de qualidade. Seja para fazer as coisas do dia a dia, como tomar banho ou lavar roupa. É abastecida uma rua, dentre as sete, por dia, cada uma ficando um dia inteiro recebendo água. Os problemas da região, no que se refere a água, são de longa data. Antes o povoado, tinha um reservatório de água, conhecido como “Fontona”. No início, servia para a população ir até lá para lavar roupa, tomar banho e levar água para casa em baldes, galões e garrafas. Com o passar do tempo, o povoado foi crescendo e o reservatório secou. O jeito que a Prefeitura achou de resolver o problema, no ano de 2005, foi colocando uma bomba próximo a uma área de lazer do povoado conhecido como “Bica da Carmosa”. Bomba essa que funciona 24h por dia, jogando água para a Perucaba.

Bica da Carmosa (Foto: Alisson Barbosa/ Reprodução Google)
Bica da Carmosa (Foto: Alisson Barbosa/ Reprodução Google)

Água para beber não é diferente. Se não chega água nos canos da população quem dirá água potável. Os moradores utilizavam uma outra bica, semelhante à da Carmosa, para consumir água, conhecido como “Bica do Mosquito”. Mas a principal diferença das duas, é que a água da Bica do Mosquito é uma nascente potável. Ela se dá entre as pedras no meio de uma floresta. Essa bica é de propriedade privada do senhor, conhecido no povoado como Bastião Gila, falecido em 2017. Após sua morte, seu filho, que se tornou o proprietário do terreno, onde se encontra a nascente e proibiu a entrada dos moradores, por conta de vandalismo feitos no terreno. A única solução que sobrou para os residentes da Perucaba, foi começar a utilizar água vinda de um poço artesiano, construído pela Prefeitura em um povoado vizinho, chamado de Alagoinhas, que fica mais ou menos 5 km do povoado.

O povoado Alagoinhas tem um terço do tamanho do povoado vizinho, mas tem infraestrutura. Além de ter um poço artesiano, existe um reservatório para os moradores, então essa água chega na torneira sempre. Para os moradores de outros locais que desejam usufruir dessa água, só podem pegar das 7h às 17h, que é o horário que a bomba fica ligada, jogando água para a torneira, disponibilizada para a população. E os moradores usam seus próprios meios de transporte para ir até o local, que vai desde carro e moto, até carroça e carrinho de mão.  

O QUE FALAM OS ENVOLVIDOS? Carlos Sodó, 58, morador do povoado Perucaba grande parte de sua vida, vai até o povoado Alagoinhas para conseguir água, e diz que é revoltante ter que pegar água para beber: “Pego água umas três vezes na semana ou até mais para beber. É revoltante! É algo que nós temos direito como cidadão. Essa é a água que eu cozinho e bebo. Não confio na água que chega dos canos, quando chega, nem para cozinhar. Toda vez que eu vou são 15 garrafas de 2 litros e 1 galão de 20 litros. Nesse tempo, prejudicou a mala do meu carro, correndo o risco do estepe cair na estrada e causar um acidente. Gasto com combustível que está o olho da cara. Mas por outro lado eu agradeço a Deus por eu ainda ter como ir buscar, de carro. O povo sofre muito com isso a muito tempo.

Torneira com água do poço localizada no povoado Alagoinhas (Foto: Carlos Azevedo)
Torneira com água do poço localizada no povoado Alagoinhas (Foto: Carlos Azevedo)

Igor Medeiros, 21, mora com avó, mãe e irmã e é um dos jovens de destaque do povoado. Sempre preocupado com as questões políticas e o rumo que a Perucaba vai tomar. Igor e sua família, são como muitas famílias que não tem como ir buscar água no povoado Alagoinhas: “Aqui nós compramos água para beber, é o jeito. Não tem outra saída. Ou é isso ou então não é. Minha mãe compra um galão de 20 litros por semana. Hoje está em torno de R$22,00. Por mês é R$88,00. Dinheiro esse que na pandemia, poderia ter ajudado muito a minha família”. Além deste relato, Igor também conta algumas irregularidades que os moradores fazem para tentar puxar água com mais força para seus canos: “Alguns moradores, para tentar conseguir puxar mais água, visto que a força com que ela cai nas caixas d’agua é tão fraca, que muitas vezes chega pingando, colocam bombas clandestinas. Bombas essas que fazem água com mais força e por exemplo, a água que chegaria para você, não chega. Eu costumo dizer que essa prática se espalhou como uma doença, uma pessoa criou e infectou diversas outras. Na minha casa mesmo, a água chega pingando, mas sei de pessoas que moram próximo a mim que a água lá, enche a caixa d’agua. Há alguns anos a prefeitura fez uma operação para retirar essas bombas, resolveu por uma semana, mas os moradores colocaram de novo. A gente fica a mercê da prefeitura. Na época da eleição de 2020, foram trocados uns canos aqui no povoado, mas não foi comunicado a população o que seria feito.”

A Prefeitura de Igreja Nova foi perguntada sobre possíveis projetos para resolver o problema de água do povoado Perucaba, sobre as bombas irregulares e também sobre a tal obra mencionada por Igor Medeiros. Procuramos por telefone, aplicativo de mensagem, e-mail, e não obtivemos nenhuma resposta até o fechamento dessa reportagem. Contatos esses que estão no site da própria Prefeitura. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou, no ano de 2018, a proposta de emenda à Constituição que inclui o acesso à água potável entre os direitos fundamentais do cidadão. Apesar de estar na constituição, muitas pessoas no Brasil vivem como os moradores do povoado Perucaba, aguardando anos por algo tão vital a todo mundo.