As nuances da primeira indústria cultural, e a contribuição musical de alguns nomes!
"Renascença" é, por definição, o movimento caracterizado pela ideia de renovação, restauração, retorno... Foi este pensamento que dominou a música entre os anos de 1450 a 1600, renovando e transformando a música vocal com motetos e missas, com linhas melódicas mais livres e bem trabalhadas harmonicamente. Foi na renascença também, que a harmonia começou a perder a exclusividade do sistema modal e passou a ser dominada pelo que conhecemos hoje como harmonia moderna, ou sistema tonal. | ||
Na ideia de fazer renascer a dramaturgia grega, surge nos anos finais do século XVI, portanto na passagem do Período Renascentista para o Período Barroco, um drama musical que se estabeleceu e se desenvolveu ao ápice da perfeição, a Ópera! | ||
Seu desenvolvimento ao longo do tempo passou a envolver vários ramos da arte, talvez daí venha o nome ópera, plural de opus, obra em latim. E para preencher a obra completa se faz necessário um grande número de trabalhadores, tornando-se a primeira indústria cultural da história. | ||
Os temas mais utilizados no início da ópera eram a mitologia grega e as histórias bíblicas. Ao ser escolhido o tema pelo compositor, o próximo passo era escolher um bom poeta-escritor-dramaturgo para escrever o texto que deveria ser pensado musicalmente. Este poeta era conhecido como libretista, pois o texto comumente seria distribuído à plateia em forma de um pequeno livro, libreto, a fim de acompanharem a história cantada. Os grandes nomes então, de uma determinada peça operística, eram o compositor e o libretista, “eram” porque com o passar do tempo tornou-se comum o compositor também ser o responsável pelo texto. Pelo caráter histórico dos temas abordados, futuramente, este tipo de ópera foi denominado “ópera séria”. | ||
As primeiras peças eram apenas falas acompanhadas de poucos instrumentos musicais, mas já apareceram desde o início diálogos e monólogos cantados, as “árias”. A primeira ópera, Dafne, é atribuída a Jacopo Peri e Ottavio Rinuccini, e teve sua estreia na cidade de Florença, com data imprecisa de 1594. | ||
Com o texto e a música prontos passa-se a audição para a escolha das vozes solo: tenor, contralto, soprano, mezzo-soprano, baixo ou barítono. Devido a locação para a apresentação da peça, locais que nem sempre eram apropriados a este tipo de apresentação musical, era necessário que o solista tivesse uma boa projeção vocal, e devido a isto, a seleção dos cantores passava por uma série de estágios, pois o mesmo, além da potência de voz deveria ter capacidade de representação, a popular “presença de palco”. Nasce aqui também o termo “bel canto” que levava ao uso, muitas vezes ao exagero, da capacidade musical do solista. | ||
Como padrão, em um período com costumes morais bem diferentes do nosso, mulheres não eram aceitas no palco sendo as vozes femininas cantadas por homens, que muitas vezes eram submetidos a procedimentos cirúrgicos de castração, antes mesmo de chegarem à puberdade, a fim de manterem as características da extensão vocal feminina, estes eram chamados “castratis”. | ||
Três cidades italianas destacaram-se na formação estrutural da ópera: Nápoles, Veneza e Roma. Desenvolvendo, respectivamente, o bel canto, a orquestração e o coro. | ||
O principal nome italiano dessa primeira fase da ópera é sem dúvida Claudio Monteverdi (1567-1643), dentre muitos locais por onde passou, cerca de trinta anos viveu em Veneza como mestre de capela, o principal posto para um músico da época. Já consagrado madrigalista e, por ofício, excelente compositor de todo o serviço litúrgico, inovou na ópera dando maior importância a orquestra; na harmonia fez uso de dissonâncias quando o texto era propício; aos recitativos e diálogos falados que até então eram apenas acompanhados por um, ou em alguns casos poucos, instrumentos, à semelhança de um baixo contínuo, acrescentou de forma brilhante toda a orquestra sem apagar a importância do texto. | ||
Dividido em atos, e estes em cenas, a ópera se estendia por um longo período de tempo, fazendo com que a plateia muitas vezes perdesse o interesse no assunto. Como artifício para entreter a plateia entre atos, nasceu um estilo de composição conhecido como “intermezzo”, uma pequena peça de um único ato aos moldes da ópera, porém com temas mais leves e bem humorados, com personagens cômicos e relacionados ao cotidiano, levando o público a se identificar com o assunto. Este estilo ganhou tanta importância que em Nápoles se tornou um modelo de ópera em contraponto a ópera séria, sendo conhecida como “ópera buffa”, especificamente na Itália, pois algo bem semelhante foi realizado na França sendo nomeada como “ópera cômica”. Vale ressaltar que embora estes nomes remetam a comédia, não é essa a realidade, devendo ser considerado a ideia de antagonismo a seriedade dos temas históricos, mitológicos ou bíblicos, utilizados até então. | ||
Neste estilo é quase que padrão ser demonstrado dois mundos, a nobreza com personagens ricos e esnobes e não raro o personagem bufão ou cômico, e a plebe com serviçais astutos e dissimulados. Há também um jovem casal que passa por situações adversas até por fim conseguirem ficar juntos. Nesta ideia, quase que comercial, a fim de alcançar todos os públicos e fidelizar o espectador, as óperas bufas passaram a utilizar uma linguagem mais coloquial mais próximo ao dialeto local. | ||
Há um estilo entre atos, também com o nome de intermezzo, porém apenas orquestral, no qual Monteverdi também se destacou, e pela grandeza da obra Claudio Monteverdi será tema de artigo exclusivo aqui neste blog, então fique atento e acompanhe nossas publicações. | ||
Com a orquestra ganhando importância começa a aparecer as “aberturas”, peças orquestrais que podem ser divididas conforme a origem do compositor: italiana ou francesa. Com forma ternária em movimentos rápido, lento, rápido (ABA), a abertura italiana ficou conhecida como “Da Capo”, sendo Alessandro Scarlatti (1660-1725) o grande nome deste estilo de composição. Com destaque para as obras de Jean-Baptiste Lully (1632-1687), a abertura francesa se assemelha a italiana, porém seus movimentos são lento, rápido, lento. | ||
Inspirado nas óperas de Lully, surgi em Viena, Christoph Willibald Gluck (1714-1787) o reformador da ópera, como ficou conhecido, observando que o público era levado a perder a atenção na peça com árias interessantes, mas sem ligação entre cenas, árias, aliás, que devido aos exageros vocais se desligava da importância do texto e da música, aplicou, então, técnicas que ligavam as cenas com uso de balés e coro, diminuindo os excessos dos solistas, se utilizando do que ficou conhecido como “doutrina dos afetos” onde se acredita que a música é capaz de gerar uma diversidade de emoções no ouvinte, se empenhou em submeter ao enredo o texto, a música e o movimento, sempre priorizando a essência do tema apresentado. | ||
O interesse pela obra de Gluck é um pouco abafado pelo fato de ter vivido entre dois gênios da história da música: Bach e Beethoven. Mas sua importância na estruturação da ópera é tamanha que o alemão Richard Wagner (1813-1883) declaradamente se inspirou em sua obra para criar a “obra de arte total” onde se envolve texto, solistas, orquestra, coro, balé, teatro e cenário, extraindo o máximo de cada um, sendo que ele próprio escrevia suas peças. | ||
Wagner criou, além da “obra total”, o que conhecemos como “leitmotiv”, ou tema musical que caracteriza um personagem, um local, uma ideia ou qualquer outro elemento. Sua importância é tamanha que sua ópera “Tristão e Isolda”, com cromatismos extremos e rápidas mudanças tonais, é considerada o marco inicial da ópera moderna. | ||
Ao longo do tempo várias casas foram construídas para apresentações que comportassem as óperas, isso se deve a natureza do tamanho e especificidades das peças, com um grande número de atores e músicos. Wagner, conhecido pela excentricidade numérica de músicos, viu a necessidade de construir sua própria casa de óperas, Bayreuth Festspielhaus, sendo a primeira com a orquestra ficando logo abaixo do palco. Como conseguiu realizar essa empreitada e toda a sua importância á história da música, veremos em matérias seguintes aqui mesmo no Blog do Gesiel. | ||
Se você chegou até aqui, já deve ter contabilizado a quantidade de operários necessários para a realização de uma peça de ópera. Mas não custa repassar: compositor, libretista, solistas, coristas, músicos instrumentistas, cenógrafos, carpinteiros, contra regras, figurinistas, maquiadores, e com certeza esqueci de alguém. Por tudo isso a ópera pode ser considerada a primeira indústria cultural da história! | ||
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REFERÊNCIAS: | ||
https://www.dw.com/en/300-years-since-opera-reformer-glucks-birth/a-17756271 | ||
http://www.gluck-gesamtausgabe.de/en/projekt/gluck/biographie.html | ||
https://en.wikisource.org/wiki/A_Dictionary_of_Music_and_Musicians/Gluck,_Christoph | ||
https://www.classical-music.com/composers/christoph-willibald-gluck/ | ||