Para aprender mais sobre storytelling, uma das melhores formas é desconstruir e analisar seus conteúdos preferidos. Isso vale para artigos, músicas, filmes e também séries.

E dentre os conteúdos disponíveis atualmente, a série da NBC This is Us é uma das melhores fontes de aprendizado sobre a arte de contar histórias.

Caso seja familiar com storytelling e não conheça a série, prometo evitar spoilers e deixar você curioso o bastante para pesquisar pelo primeiro episódio assim que terminar a leitura.

Se conhece This is Us, mas não entende muito sobre storytelling, este artigo vai deixar claro por que você gosta tanto da série e se identifica tanto com os personagens.

Agora, se você tem familiaridade com os dois, aproveite a leitura. Será uma forma de relembrar alguns dos melhores momentos da série e ainda aprender mais sobre a arte de contar histórias.

Imagem de This is Us com toda a família reunida

Antes de falar da série, vale a pena relembrar:

O que é storytelling?

Storytelling é a técnica de contar, desenvolver e adaptar histórias em conteúdos capazes de engajar o seu leitor, gerando enorme identificação e despertando emoções.

A indústria pop trabalha com essa técnica constantemente em textos, músicas ou roteiros para séries e filmes.

Por isso, ela acaba sendo uma das melhores fontes de estudo sobre storytelling. Ao desconstruir e estudar sua série preferida, por exemplo, você vai entender quais foram as técnicas de narrativa usadas que despertaram seu interesse e identificação.

E é isso o que faremos com This is Us agora:

Uma breve sinopse

A série é uma verdadeira crônica que nos permite acompanhar a vida de uma família formada por três crianças — que nasceram no mesmo dia — e seus pais.

Simplesmente isso. Nada de super-heróis, agentes secretos, investigadores ou misticismo. E esse é o primeiro grande acerto de This is Us.

This is Us: personagem fazendo malabarismo com compras

Personagens realistas

Quanto menos romantizado o storytelling, maior será a chance de despertar interesse e identificação por parte do interlocutor.

Ao contrário do que a tradução ao pé da letra do termo nos faz pensar, a arte de contar histórias não é simplesmente o ato da narrativa, mas como as histórias são contadas.

Quando trabalhada corretamente, essa técnica é capaz de fazer seu leitor viver (ou reviver) os momentos descritos.

Assim, um dos grandes desafios de um storyteller é levar o seu interlocutor voluntariamente a “locais” em que  ele jamais iria. Isto é, relembrar momentos fortes — tristes ou alegres — que proporcionam grandes reflexões.

This is Us: personagem com expressão reflexiva

This is Us faz isso com maestria ao mostrar de forma extremamente realista os personagens enfrentando dilemas da vida, como:

  • insatisfação com a carreira;
  • estresse no trabalho;
  • sentir-se deslocado;
  • lutar contra a balança;
  • depressão;
  • amor;
  • e luto pela perda de entes queridos.

Ao longo dos episódios, você começa a perceber pequenos detalhes nos cenários, nos olhares trocados, em textos de cartões e objetos de cena. Tem coisa que passa batida, e tudo bem — ninguém capta cem por cento. Às vezes, só depois de voltar alguns episódios é que determinada conversa ou gesto faz sentido, como se a série tivesse deixado recados espalhados pela sala da sua casa.

O curioso é notar que essas nuances são universais, mas raramente exploradas com tanta honestidade em produções televisivas. This is Us se permite a desconforto, ao trivial, aos silêncios e até às pequenas alegrias cotidianas que, convenhamos, nem sempre são dignas de Oscar. Talvez por isso muita gente sinta que está olhando para si mesmo em determinados episódios, mesmo que o contexto deles não tenha nada a ver com a sua própria vida. Claro, nem sempre a identificação é perfeita, mas há uma verdade ali que quase dispensa explicação.

Os sonhos dos personagens nem sempre se realizam e, assim, nós acompanhamos toda a jornada e os assistimos falhar, simpatizamos com a história  e aprendemos lições valiosas.

“Gosto de pensar que um dia será um velho como eu, falando na orelha de um jovem, explicando como você pegou o limão mais azedo que a vida te ofereceu e o transformou em algo parecido com limonada.

This is Us: cena em que o trecho acima é falado

Mas o principal acerto da série, em termos de storytelling, é quebrar a ordem cronológica dos eventos.

Estrutura narrativa não linear

Quando uma história é contada em estrutura linear, seu contador enfrenta um paradoxo de já ter vivido tudo o que ele narra sem poder assumir isso ao seu leitor.

Mas, ao romper com essa estrutura, assume claramente que se trata de histórias e o narrador pode então abraçar tranquilamente o papel de storyteller — o que rende maior autoridade e realidade aos eventos.

This is Us

Embora não haja um personagem responsável pela narrativa, cada episódio acaba seguindo mais de perto um ou dois personagens e, assim, acompanhamos o desenrolar das histórias pelas suas perspectivas.

Existem momentos em que a montagem dos episódios serve quase como um convite para a memória: pulos no tempo acontecem sem aviso explícito, mas os detalhes revelam onde estamos, quem já aprendeu o quê ou quais relações mudaram mesmo quando ninguém menciona diretamente. Quem nunca se pegou voltando o episódio alguns segundos só para checar o visual do personagem ou a cor do cenário, tentando decifrar em que época aquilo tudo estava acontecendo?

Além disso, essa estrutura dá liberdade para que temas contemporâneos emerjam, paralelos a outros mais antigos, mostrando como certos dilemas atravessam gerações com outras roupagens, mas essências parecidas. Não é raro o passado e o presente dos personagens se espelharem, quase como se o roteiro quisesse dizer: olha, a vida adora repetir lições até alguém realmente ouvir. Pode soar filosófico demais, mas na prática, é uma escolha narrativa que deixa tudo mais vivo e palpável.

Essa quebra da linha temporal ainda permite outras vantagens que contribuem com o sucesso da série:

Os personagens morrem, mas não deixam de existir

Trata-se de histórias, não é? Assim, alguns personagens morrem, os demais enfrentam o luto pela sua perda, mas podem sempre relembrar e reviver os momentos quando ainda estavam vivos.

“Um homem conta as suas histórias tantas vezes que ele se torna suas histórias. Elas continuam vivas após ele partir e, dessa forma, ele se torna imortal. (Peixe Grande)”

Dessa forma, a audiência não precisa se despedir de nenhum personagem da série, embora também enfrente o luto junto com os demais personagens.

This is Us

Por último, vem o principal destaque de This is Us.

A série dá pistas de vários acontecimentos e, em alguns casos, chega a anunciá-los previamente — como ocorre com a morte de um dos protagonistas. Ainda assim, ela prende quem está assistindo pela curiosidade de acompanhar o desenvolvimento das histórias.

Para aprender mais sobre Storytelling e como utilizá-lo em seus conteúdos, confira nosso Minicurso gratuito sobre a arte de contar boas histórias.

O principal atrativo é o próprio storytelling

Em diversos momentos, você sabe exatamente o que vai acontecer e, mesmo assim, a série continua sendo surpreendente. Seu atrativo passa a ser compreender como as coisas se desenvolveram para chegar ali e como os eventos vão se desenrolar a partir de então.

Dessa forma, This is Us transforma-se numa verdadeira aula de storytelling, pois o que cativa e captura os fãs e espectadores não são os acontecimentos em si, mas como eles são contados e descritos.

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