Por que não compramos vacinas antes?
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Por que não compramos vacinas antes?

Seguem fatos, e não narrativas.

Lucas Brock
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Seguem fatos, e não narrativas.

A vacina, a Anvisa e o Bolsonaro

Muitos não sabem, mas caso o Governo Federal (GF) comprasse as vacinas antes da aprovação da Anvisa, imputaria ao presidente crime de responsabilidade e ele seria impeachmado.

Para entender o porquê disso acontecer, precisamos dar uma olhada na nossa legislação sanitária, que é bem rigorosa.

  1. Lei 9.782/99: garante que compete à Anvisa, entidade administrativa independente, conceder registros e proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde.
  2. Lei 6.360/76: garante que nenhum medicamento, drogas, insumos farmacêuticos e correlatos, inclusive os importados, possam ser industrializados, expostos à venda ou entregues ao consumo antes de registrados na Anvisa.

A flexibilização das leis

Mecanismos foram criados para facilitar a compra de vacinas estrangeiras que já tivessem sido aprovadas em órgãos regulatórios de outros países. Seriam os órgãos dos EUA (FDA), União Europeia (EMA), Japão (PDMA) e China (NMPA).

Isso foi alcançado pelo Projeto de Lei (PL) 13.979, aprovado no Senado em Fev/2020 e sancionado por Bolsonaro no mesmo dia. Porém, mesmo com esse PL, a autorização da compra ainda precisava do aval de uma entidade... a Anvisa.

Pegando um exemplo prático, a primeira aprovação da Pfizer em um desses órgãos internacionais foi em 11/12/20, com a FDA aprovando a vacina para uso emergencial. A Anvisa teve a oportunidade de autorizar a compra, inclusive sendo bastante pressionada, porém ela preferiu não fazer.

É necessário entender que a Anvisa é um órgão autônomo e que está no topo da hierarquia em assuntos relacionados a produtos que precisam ser submetidos a vigilância sanitária. Em uma época como a pandemia, onde há necessidade de celeridade, essa autonomia acaba tendo um efeito negativo. Porém, é essa mesma autonomia que garante que a Anvisa não seja pressionada para aprovar produtos por motivações políticas.

‪O PL 13.979 perdeu sua vigência em 31/12/20, por isso em 06/Jan/21, Bolsonaro protocola a Medida Provisória (MP) 1.026, mas ainda precisou passar pelo Congresso e Senado. Ela demorou um pouco mais de dois meses para ser aprovada pelas casas, sendo sancionada em 10/03/21. Essa MP é ainda mais flexível que o PL, pois aceita a aprovação em agências reguladoras de mais países, como a Argentina e a Índia por exemplo.

Por que a Coronavac e a AstraZeneca foram diferentes?

Em ambos os imunizantes houve um acordo, onde o Governo Federal comprou a tecnologia para produção em território nacional. Este acordo também garantia o direito à compra futura dessas vacinas. E é importante lembrar mais uma vez, tanto o início da produção como a compra das vacinas ainda necessitava da autorização da Anvisa.

Na AstraZeneca por exemplo, sua produção foi iniciada em 09/02/21, e sua compra autorizada em 03/01/21. Ambas só ocorreram mediante aprovação.

Por que não compramos a tecnologia da Pfizer ou reservamos suas vacinas?

O principal entrave para a compra da tecnologia é a nossa capacidade de produção, já que a vacina da Pfizer conta com uma tecnologia nova. A presidente da Fiocruz, Nísia Andrade, comentou sobre isso no final de 2020.

A vacina da Pfizer se trata de um medicamento feito com uma plataforma nova, vacina de RNA, porém, nós não temos no Brasil essa tecnologia em termos de planta de produção capaz de produzir em escala

Em relação à reservar vacinas, é importante entender que existe uma demanda global e uma oferta limitada. Soma-se isso ao fato que Governo Federal não pode dar nenhuma garantia por conta da legislação que garante a autonomia da Anvisa, o aceite por qualquer fabricante ficou inviável.

A politização da vacina por Dória e Bolsonaro

O Presidente da República errou ao politizar o uso do imunizante chinês com um dos seus principais rivais, Dória. Mas é importante entender que independente de gostar ou não do imunizante, quando este foi aprovado pela Anvisa, o Ministério da Saúde comprou imediatamente 100mi de doses. Hoje, no mundo, estamos entre os cinco países que mais vacinam em termos absolutos e entre os vinte em termos relativos.

Corrida da vacinação em termos absolutos (17/04/2021)
Corrida da vacinação em termos absolutos (17/04/2021)
Corrida da vacinação em termos relativos (18/04/2021)
Corrida da vacinação em termos relativos (18/04/2021)

Para ficar de olho...

Tudo escrito previamente foi baseado em fatos, com o mínimo de opinião pessoal possível. Este último trecho será diferente.

Acredito que se você não sabia das informações acima, você deve começar a questionar as fontes de informação que está consumindo. Mesmo em diversas vezes o presidente comentando sobre os entraves que havia com a Anvisa, a narrativa criada foi de uma total incompetência e negacionismo do Governo Federal frente aos imunizantes, com matérias estampando que não foram comprados quando ofertados em período X ou Y. Sempre que ler uma matéria dessas, veja quando foi a oferta e procure se a vacina já tinha sido aprovada pela Anvisa ou não. E não se esqueça, somos um dos líderes mundiais de vacinação.

O país da burocracia

A papelocracia da Anvisa não deveria surpreender, ela é estrutural no Brasil. Entre 190 países, ocupamos a posição 124 no ranking “Doing Business”, que mede a burocracia tributária. Se aqui é tão difícil para quem quer produzir, o que esperar dos órgãos que regulam?