A clareza de informações poderia acabar com o paternalismo jurídico
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A clareza de informações poderia acabar com o paternalismo jurídico

Paternalismo jurídico é uma forma de regulamentação estatal visando a satisfação do melhor interesse do indivíduo, impondo ou restringindo determinadas condutas. Por exemplo, os direitos do trabalho e do consumidor, onde as normas atendem os ...

Nicolas G. Brunhara
6 min
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Paternalismo jurídico é uma forma de regulamentação estatal visando a satisfação do melhor interesse do indivíduo, impondo ou restringindo determinadas condutas. Por exemplo, os direitos do trabalho e do consumidor, onde as normas atendem os interesses do trabalhador e consumidor.

Para os mais liberais, essa prática de regulamentar determinada relação negocial é objeto de muita crítica, afinal, os trabalhadores, consumidores, inquilinos, entre outras categorias, veem suas respectivas liberdades negociais limitadas pela lei.

Ademais, os legisladores que instituem tais leis, na melhor das intenções, estão tomando uma decisão importantíssima, mas não estão isentos de um mal julgamento na hora de criar tais normas. Inexiste qualquer garantia de que a ação tomada atenderá o melhor interesse do outro.

É verdade que precisamos destacar os tipos diferentes de paternalismo. No paternalismo moderado, busca-se impedir condutas danosas, mas apenas quando forem involuntárias, ou quando é necessária uma intervenção temporária.

No paternalismo exacerbado, a intervenção legal visa proteger adultos, capazes e competentes, das consequências de suas próprias escolhas, mesmo que essas escolham tenham sido tomadas voluntariamente. Esse deve-se evitar e combater, não só em leis, mas também na jurisprudência, afinal, quando um magistrado decide sobre questão delicada ou inédita, abre precedente para que seus colegas acompanhem seu entendimento.

Independentemente da instância ou natureza do caso, há uma tendência em conferir excessiva proteção a certas categorias de pessoas, negando-lhes a possibilidade de agirem de acordo com a sua própria vontade, ou, ainda criando a situação de permitir à "classe mais frágil" não terem que arcar com as consequências de seus atos.

A título de exemplo, em determinada ação que tramitou no Rio de Janeiro, os autores entraram com pedido de indenização por danos morais e materiais contra um fundo de investimentos por este ter perdido 95% do valor por eles aplicados em um fundo de derivativos. Foram alegadas propaganda enganosa, má gestão, omissão dos riscos do negócio e falta de dimensão de eventuais prejuízos que os investidores poderiam sofrer.

Com relação à má gestão, o réu comprovou que o fundo de derivativos (produto financeiro de altíssimo risco e volatilidade) esteve entre os cinco de melhor retorno do mercado, com 112% nos dois anos anteriores, e que o retorno elevado também corresponde a um risco elevado.

Sobre a propaganda enganosa, a própria juíza não entendeu que houve. E mais, pela sentença, extrai-se que os autores possuíam ensino superior completo e procuraram o fundo-réu justamente para fazer uma aplicação de risco, entretanto, a magistrada entendeu que a alegação de que o regulamento do fundo previa a perda do capital investido não pode prevalecer, e que “os autores entenderam” que poderia haver rentabilidade menor que investimentos conservadores, ou não haver rentabilidade.[1]

Por fim, a sentença condenou o fundo a recompor o patrimônio dos autores e ainda ao pagamento de R$ 10.000.00 (dez mil reais) a título de danos morais para cada um dos autores.

Esse tipo de conduta paternalista dos magistrados é chamado paternalismo pretoriano.

Ocorre que não há como se dizer que os indivíduos não merecem uma melhor proteção jurídica nas relações com partes que possuem maior poderio, seja financeiro ou de influência.

Assim, surge a ideia do paternalismo por assimetria de informações, onde haveria situações em que o indivíduo teria a segurança e a possibilidade de tomar decisões mais adequadas, sem prejuízos a ela, ou de forma mitigada.

Segundo Colin Camerer, economista comportamental, esse modelo de paternalismo se caracterizaria de quatro maneiras:

a)    Análise de cláusulas padrões: as pessoas tendem a manter determinados contratos da forma como lhe foram apresentadas, ainda que com a faculdade de alterar determinados pontos e cláusulas com custo baixo ou nenhum. Em uma pesquisa, foi analisada uma cláusula que conferia aos empregados de determinadas empresas o direito de participar de um plano de aposentadoria privada. A princípio, a participação era optativa, entretanto, passou a ser uma automática, exceto nos casos em que a recusa fosse expressa pelo funcionário. O resultado foi um aumento expressivo no número de participantes, entretanto, a mesma pesquisa mostrou que a aplicação financeira era a menos rentável para os empregados, mas, como já era uma opção padrão, não houve oposição dos participantes em seguirem adotando-a;

b)    Imposição do dever de informar: o ser humano naturalmente tende a se comportar de maneira menos racional, razão pela qual impõe-se a obrigatoriedade de as empresas alterarem seus contratos, estatutos, termos e demais documentos de forma a esclarecer e tornar mais claros os entendimentos do indivíduo. A partir daí, a decisão tomada seria por conta e risco de quem a toma;

c)    Períodos de reflexão e arrependimento: decisões tomadas em momentos de euforia são constantes razões para fazer o indivíduo se arrepender. Nesse caso, o Código de Defesa Consumidor atende a finalidade de maneira clara e objetiva, em seu artigo 49[3];

d)    Estabelecimento de limites à escolha do consumidor: essa última característica é bastante invasiva, pois fere a autonomia individual do consumidor, entretanto, é baseado em uma pesquisa norte-americana, que mostrou que alunos que tinham carga de trabalho periódica de estudos se sobressaíram sobre colegas que tinham apenas a data final de entrega definida para o mesmo trabalho. O estudo mostrou que designar datas para a entrega de relatórios parciais era uma medida paternalista, mas mais benéfica àqueles que foram submetidas a elas.

Neste sentido, é possível concluir que o acesso a informações de maneira facilitada não só auxilia as pessoas a agirem racionalmente, como também evitam decisões de difícil ou custosa reversão, mitigando a necessidade de adoção de medidas administrativas ou judiciais para valer o direito do indivíduo, inclusive reduzindo, também, as outras espécies de paternalismo.

[1] Proc. 1999.001.141054-2. 33ª Vara Cível, Ação de Indenização, RIO DE JANEIRO.

Autor: Aldo Henrique Ramos e outros. Réu: Fundo de Investimentos Marka Nikko

[3] Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

        Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.