A verdadeira guerra do futebol!
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A verdadeira guerra do futebol!

Sagran Carvalho
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Soldados salvadorenhos perto da cidade fronteiriça de El Poy em Honduras
Soldados salvadorenhos perto da cidade fronteiriça de El Poy em Honduras
El Salvador derrota Honduras na Cidade do México em 26 de junho de 1969
El Salvador derrota Honduras na Cidade do México em 26 de junho de 1969

Em 14 de julho de 1969, El Salvador invadiu Honduras, deixando milhares de mortos e desabrigados em ambos os países. A guerra impactou toda a economia da América Latina por décadas e só recentemente as tensões entre os dois países diminuíram.

E qual foi a faísca que desencadeou esta guerra? Futebol. Isto é, “futebol” para vocês, mas aqui, quase todo mundo chama de “Guerra do Futebol”. 

El Salvador é cerca de cinco vezes menor que Honduras, mas, em 1969, tinha uma população de cerca de 3,7 milhões de pessoas, em comparação com os 2,6 milhões de Honduras. Embora ambos os países fossem pobres,, a maior extensão de Honduras garantia melhores oportunidades econômicas. No final da década de 1960, cerca de 300.000 salvadorenhos ilegais viviam em Honduras, o que gerava  tensões entre os dois países.

Mas não eram apenas os hondurenhos comuns que não gostavam  influxo. A elite do país, proprietários de terras e grandes corporações também via com desconfiança a situação. A United Fruit Company (agora Chiquita Foods International) detinha sozinha mais de 10% do país! E embora estivessem felizes em contratar salvadorenhos, os incomodava perceber que muitos deles tinham uma vida melhor do que a dos hondurenhos.

Em 1966, os maiores latifundiários criaram a Federação Nacional dos Agricultores e Pecuaristas de Honduras (FENAGH). Sob a FENAGH, Honduras iniciou um grande programa de reforma agrária no ano seguinte, que expulsou os salvadorenhos, mesmo aqueles que ocuparam terras legalmente por décadas. Para angariar apoio local, algumas terras foram doadas aos hondurenhos.

Trabalhadores migrantes (legais ou não) também foram expulsos, criando problemas para os casados ​​com hondurenhos. Milhares foram expulsos do país sob o pretexto de garantir empregos e terras para os moradores locais. As tensões entre os dois países atingiram seu pico em fevereiro de 1969, quando um acordo de dois anos sobre a passagem pela fronteira expirou e não foi renovado.

Mapa de Honduras e El Salvador
Mapa de Honduras e El Salvador

Em meio a todas estas tensões, vieram as eliminatórias para a  Copa do Mundo FIFA de 1970. Honduras sediou o jogo em sua capital, Tegucigalpa, em 8 de junho de 1969 e venceu por 1-0.  O único gol foi feito na prorrogação, causando a revolta dos salvadorenhos.

No jogo da volta em El Salvador, no dia 15 de junho, vitória salvadorenha por 3-0.

Na noite anterior, moradores cercaram o hotel que abrigava o time de Honduras, batendo potes, buzinando e gritando a noite toda para impedir que alguém dormisse. Funcionou...
Mas apesar da vitória, os ânimos da população local não tinham sido ainda arrefecidos,  ainda revoltados com a primeira partida, então alguns  atacaram os torcedores adversários. Dois hondurenhos foram mortos, enquanto ônibus e carros com destino a Honduras foram alvejados, por acreditarem que seus passageiros eram hondurenhos. 

Honduras entrou em erupção. Lojas de propriedade de salvadorenhos foram vandalizadas e saqueadas enquanto seus donos eram espancados. Os imigrantes de el Salvador, tornaram-se alvos de turbas e muitos foram arrastados para fora de suas casas e locais de trabalho. Lojas que vendiam produtos salvadorenhos em Tegucigalpa e San Pedro Sula foram atacadas, independentemente da nacionalidade de seus proprietários.

Os salvadorenhos começaram a fugir de volta pela fronteira, assediados por multidões furiosas e por bandidos que procuravam ganhar dinheiro rápido. Casas pertencentes a salvadorenhos foram saqueadas e queimadas, enquanto várias mulheres foram estupradas.

Acredita-se que cerca de 1.400 retornavam diariamente para El Salvador, principalmente a pé. El Salvador acusou Honduras de cometer genocídio e instou a Organização dos Estados Americanos (OEA) a intervir, mas sem sucesso.

O golpe final aconteceu na Cidade do México em 26 de junho, quando ocorreu o jogo desempate: El Salvador venceu por: 3-2. Estimulado pela vitória e frustrado pela falta de uma resposta internacional à crise humanitária,, El Salvador encerrou todos os laços diplomáticos com Honduras.

Honduras retaliou em 3 de julho, enviando um pequeno avião de reconhecimento ao espaço aéreo salvadorenho perto da cidade fronteiriça de El Poy, no lado hondurenho da fronteira. Na madrugada de 14 de julho, três caças hondurenhos voaram para a mesma área e podem ter praticado ataques à região,  - El Salvador diz que houve ataque a seu território, Honduras nega.

Mais tarde, El Salvador enviou Corsars, C-47s com asas adaptadas para bombas e F-51 Mustangs a Honduras. Às 17h, eles atingiram o Aeroporto Internacional Toncontin, que também é usado pela Força Aérea de Honduras. Os aviões atacaram também El Poy, Amapala, Choluteca e Santa Rosa de Copán.

O Exército salvadorenho então, invadiu Honduras em dois grupos. O Teatro Norte incluiu uma pequena unidade de veículos blindados para acompanhar os soldados da infantaria, enquanto o Teatro Leste incluiu uma unidade mecanizada maior com blindados como o M3 Stuart, bem como armas automáticas belgas e obuses 105 mm.

M3 Stuart
M3 Stuart

As cidades de Nueva Ocotepeque e Goascorán foram as primeiras a cair. Em seguida, caíram  San Juan Guarita, Valladolid, La Virtud, Caridad, Aramecina e La Labor. A cidade de Cabañas se manteve firme, mas não importou, porque, ao cair da noite, os salvadorenhos se aproximavam da capital hondurenha: Tegucigalpa.

Honduras contra-atacou no dia seguinte, enviando T-28s, F-41s e Corsairs para atacar Ilopango - o aeroporto de San Salvador (também usado pela Força Aérea Salvadorenha). Para interromper o abastecimento de petróleo salvadorenho, eles atacaram o complexo industrial de Acajutla (principal porto de El Salvador), destruindo os tanques de armazenamento, El Cutuco em La Union (um importante porto de importação de petróleo) foi o próximo golpe.

Funcionou. Os salvadorenhos ficaram sem combustível e munição, mas seguiram na luta, atacando civis com facões.

Honduras apelou à OEA, que ordenou um cessar-fogo imediato. El Salvador não aceitou, exigindo indenização para os cidadãos expulsos e garantia de segurança para os que ainda estavam em Honduras.

Sob pressão da OEA, finalmente concordaram  cessar-fogo em 18 de julho, tornando o conflito  oficialmente, uma ocupação de quatro dias, embora só tenha entrado em vigor dois dias depois. Apesar disso, os salvadorenhos ainda se recusaram a ceder. Foi necessária a ameaça de sanções para que eles finalmente se retirassem em 2 de agosto.

Como consequência, 900 civis salvadorenhos perderam a vida, enquanto outros 300.000 foram deslocados. Honduras perdeu mais de 2.000 civis e cerca de 250 soldados, enquanto milhares ficaram desabrigados. O Mercado Comum Centro-Americano ficou suspenso por 22 anos, impactando negativamente toda a economia centro-americana e dando origem a governos militares.

E El Salvador?

Incapaz de lidar com o influxo de seus próprios cidadãos, ficou ainda mais pobre, e algum tempo depois, sofreu uma guerra civil de 12 anos.

Provavelmente é por isso que eles preferem chamá-la de “Guerra das 100 Horas” (quatro dias) porque quem invade outro país por causa de futebol? 

Eles não, para os salvadorenhos, era muito mais.

Com informações de Shahan Russel.