Cartas de Vladivostok - #1 Todos querem um poder pra chamar de seu...
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Cartas de Vladivostok - #1 Todos querem um poder pra chamar de seu...

Camaradas,

Sagran Carvalho
6 min
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Cartão Postal
Cartão Postal

Camaradas,

Chegam às minhas mãos diversas  correspondências relacionadas ao Café no Front. São comentários, criticas, agradecimentos e também alguns descontentes. Entre elas, chamou-me a atenção o contato de um cidadão de Vladivostok  bastante preocupado com os rumos da política daquele local tão pouco conhecido. São relatos tão estranhos a nós, dignos cidadãos desta democrática e institucional República, que causam-me assoberbada surpresa. Os relatos enviados por Yuri Cafenovitch são aterradores. Na medida do possível, estarei publicando suas missivas na íntegra por aqui, o que creio,  também os deixarão impactados e surpresos com as  sandices da política Vladivostokiana.

Só lembro que os relatos nada tem a ver com nossa realidade, até porque coisas assim não aconteceriam por aqui.

Acompanhem...

Vladivostok, 01 janeiro 2021

Nobre Camarada,

Acompanho as publicações do Café no Front desde que publicava no site original, ainda no wordpress. Sempre apreciei a temática abordada, seja política, histórica e militar. 

Mas algo sempre me incomodou, e aqui estou para revela-lo caro editor: em várias oportunidades passaste por temas geopolíticos, conflitos atuais e discussões políticas contemporâneas sobre as dores e problemas do mundo. Vi falar sobre a Síria, Iêmen, Venezuela, China, Coreias, Israel e etc..., porém nunca escreveste em momento algum sobre a crise política em Vladivostok. 

Acredito  que  seja por desconhecimento deste belo país, afinal, não somos nenhum player global e estamos bem longe de sermos conhecidos fora desta região. 

Não será possível narrar todas as diatribes da discórdia política que nos abarca em uma única missiva, então nesta primeira darei apenas algumas indicações dos rumos e lhe apresentar minha nação. Em correspondências subsequentes aprofundarei-me expondo-lhe as discórdias entre Reformistas e Revolucionaristas que lutam pelo poder. Apenas adianto-lhe que há um golpe em gestação neste momento, onde instituições são usadas para dar um manto de legalidade às maiores atrocidades contra a liberdade de nosso povo. Tem até um nome que usam para isto: Estado Democrático de Direito...

Mas não nos adiantemos, começo hoje contando-lhe uma breve e resumida história deste país. Vladivostok foi descoberto no início do Século XVII, por navegantes que aqui aportaram por "acidente". Seguiam originalmente para o País da Especiarias, e por falta de ventos no Grande Oceano, aqui chegaram sem grandes explicações...nunca entendi bem essa história...

Ao desembarcarem deram de cara com os Vladivostokianos originais. Gente simples e humilde, viviam em pequenas cidades e eram devotadas ao Deus Sol. Eram grandes construtores e agricultores. Construíram monumentos religiosos que ainda hoje permanecem de pé e são grandes atrações turísticas, e como agricultores, desde longínquo tempo, produzem o que o país tem por principal produto: bananas! Somos bananeiros...somos Bananas com orgulho - isto está na bandeira e na Constituição de Vladivostok.

Fomos colonizados por cerca de 300 anos até que um vice-rei proclamou nossa independência, com a promessa de que agora, de fato as bananas seriam do povo. Como nossa metrópole à época enfrentava uma crise financeira e política, o processo de emancipação política correu até que de maneira tranquila, e, logo fomos reconhecidos por outros países. Claro, para não ser e não parecer um processo tão simples e fácil, foi-nos exigido, numa negociação com a Metrópole e alguns credores, que assumíssemos certas dívidas do antigo colonizador. Éramos então um país endividado, porém livre!

Tornamo-nos uma Monarquia Constitucional, a única na região. Nossa Constituição foi escrita pelo vice-rei, que acabou por ser elevado a Imperador, e cuja função era ser o Poder Moderador entre todos os poderes. Funcionou por quase cem anos e dois reinados, até que em 1898 o Exército Vladivotokiano deu um golpe e implantou uma República com moldes positivistas.

Aí começaram os problemas, e desde então, entre golpes e revoluções, passamos por seis rupturas institucionais e, uma redemocratização, após 20 anos da ultima ditadura militar. De 1989 em diante, o processo democrático e eleitoral vem seguindo um rito constitucional, recheado de crises políticas e econômicas, mas bem ou mal funcionando, com certa harmonia institucional, e domínio ideológico dos Revolucionistas que, sempre se escoraram no poder com o apoio do Fisiológicos ( $$$ - preciso explicar? ).

O problema foi que no último governo Revolucionista, o fisiologismo ( $$$$ ), foi desacabrunhadamente grande. Um esquema de corrupção na nossa maior estatal, a Bananabrás, levou o governo ao buraco e o presidente ao impeachment. Foi algo tão surreal e assustador, que causou na sociedade Vladivostokiana um repúdio enorme àquele estado de coisas e ao político até então mais popular de nossa história. Ele foi condenado e preso, assim como diversos políticos Revolucionistas e Fisiologistas, além de diretores da estatal e empreiteiros do país. Foi escancarado a todos um projeto de poder que financiava partidos, políticos, burocratas e empresas, que se mantinham no poder e impediam o surgimento de opositores  viáveis a disputar os espaços políticos. Era um verdadeiro Teatro das Tesouras, onde "inimigos" disputavam votos num dia, para no outro se confraternizarem e pilharem o Estado.  Não me esqueço de uma frase dita pelo presidente Moluscos Silvanitch, em sua campanha de reeleição: " é gratificante saber o quanto evoluímos politicamente, afinal, entre todos os candidatos à presidência não há nenhum Reformista. Somos todos Revolucionistas ".

Nem os Fisiologistas reclamaram do disparate, afinal, bebiam na fonte...

E enfim, depois de tanta ladroagem, nas eleições que se seguiram ao impeachment, surgiu uma candidatura que se mostrou viável contra todo o sistema que ainda dominava as entranhas do poder.  Um reformista venceu as eleições, contra todo o sistema, inclusive o ex-presidente, que da cadeia dirigia a campanha de seu poste político...

Uma paulada dada pela população direto no sistema!

A princípio, o sistema acabou por se curvar à vontade popular, mas ainda regurgitava aquela derrota. Não abririam mão dos privilégios assim tão facilmente, e de fato não abriram.

A crise atual nasceu naquela eleição, e desde a posse, só avança...

Mas, como já lhe disse caro Editor, o tema é longo e demanda muitas explicações, que começarei a me aprofundar na próxima missiva. Peço antecipadamente que se possível, informe a seus leitores das dificuldades que lhe relatarei e que tão mal fazem ao meu amado país. O mundo tem que saber o que se passa em Vladivostok.

Cordialmente,

Yuri Olaviano Bezmenovitch