De médico a pastor. Polêmica na indicação ao STF
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De médico a pastor. Polêmica na indicação ao STF

Pastor André Mendonça é o indicado do Presidente Bolsonaro ao STF. No passado até médico foi indicado para ser membro da corte.

Carlito Neto
5 min
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Foto: Carolina Antunes/PR
Foto: Carolina Antunes/PR

Nos últimos dias ganhou às manchetes dos jornais e portais de notícias a informação da indicação do AGU (Advogado Geral da União), o pastor da igreja presbiteriana e advogado André Mendonça para a vaga deixada pelo ministro Marco Aurélio Mello no STF. O argumento do presidente Jair Bolsonaro para a indicação é que o Brasil precisa ter na corte suprema do judiciário brasileiro um membro "terrivelmente evangélico", em tese, a crença do indicado a vaga não deveria ser fator determinante para a recomendação de um membro ao Supremo Tribunal Federal, mas pelo que observamos no “Bolsonarismo” a religiosidade e Estado “Bolsofascista” estão juntos e isto tem se tornado cada vez mais normal. O Brasil além de ser um Estado laico segue a doutrina jurídica baseada no Civil Law (também chamado de sistema romano-germânico, é um sistema jurídico que tem a lei como fonte imediata de direito, isto é, que utiliza as normas como fundamento para a resolução de litígios), ou seja, segue o que se encontra presente na lei é um modelo positivista.

Se um membro do STF precisa tomar uma decisão ele irá recorrer a lei, aos códigos de leis e a Carta Magna do país. As decisões reiteradas da própria corte, em casos específicos, não recorrerá aos escritos sagrados da bíblia, do alcorão, da Torá, tão pouco do zend avesta. A crítica que se faz em relação ao Pastor Advogado não se refere ao seu currículo que não iremos questionar, é técnico, o grande problema é que desde sua entrada no governo genocida do senhor Jair, a conduta do ex-ministro da Justiça tem sido autoritária e de perseguição aos opositores e críticos do governo. Durante sua gestão a utilização da LSN (Lei de Segurança Nacional) foi para intimidar críticos, criou-se inclusive um dossiê "Antifa" e figuras públicas foram processadas pelo Estado, basicamente por suas opiniões críticas a gestão atual. Daí a preocupação com a indicação de André Mendonça. Afinal, o papel de um membro da corte superior de justiça no país é preservar e manter as leis, não as transpor a seu bel-prazer. Recentemente ao defender a reabertura das igrejas e outros templos e espaços religiosos como sendo uma atividade essencial, o AGU, não utilizou argumentos jurídicos na sua sustentação oral para solicitar mudança na determinação legal que restringia as atividades em alguns estados e municípios, ou seja, o ministro foi mais pastor que operador do direito e utilizou a bíblia e a sua crença para argumentar dizendo o seguinte aos ministros do STF:

“Sobre essas medidas que estão sendo adotadas regionalmente. Não há cristianismo sem vida em comunidade, sem a casa de Deus e sem o ‘dia do Senhor’. Por isso, os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”, disse o chefe da AGU.  

O culto religioso e as crenças são livres e protegidas por lei, assim como a vida tem sua salvaguarda legal designada na constituição de 1988 e na declaração universal dos direitos humanos. Sendo um operador do direito o pastor Mendonça sabe que entre os institutos, como se diz no jargão jurídico: “a Vida é a primeiro a ser cuidado seguido da liberdade”, outro importante instituto. Muitos acreditam que o André Mendonça vai ser técnico no STF e que só fez o que fez até aqui, pois queria a vaga vitalícia no Supremo. Afinal ele tem um currículo com formação técnica, mas é ai que entra a grande brecha legal que existe no Brasil para um indicado ao STF, pois ele não precisa ter formação em direito para ocupar o cargo. Os critérios para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal são os seguintes: Ser brasileiro nato, ter entre 35 e 65 anos, possuir notório saber jurídico e reputação ilibada, não precisa ser juiz, advogado ou ter formação em direito, além disso, ele precisa ser indicado pelo presidente da República ter aprovação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e passar por uma sabatina no senado federal. E depois, provando o seu notório saber jurídico, os senadores votam pela aprovação ou não do indicado, sendo necessária maioria absoluta para decisão, ou seja, dos 81 senadores, 41 precisam votar contra ou favor para a decisão ser referendada.

O grande medo de Jair Bolsonaro é justamente esse, o senhor Mendonça não ser aprovado na sabatina e ele precisar substituir o pastor André Mendonça por outro nome. Isso poderia comprometer ainda mais sua relação com o público protestante. A sabatina é uma parte importante do processo, já que o novo ministro só poderá assumir se passar por essa etapa também, porém nem sempre foi assim. Se a indicação de um pastor para o cargo de ministro surpreende por ser este o critério para a indicação do Presidente Bolsonaro, no passado algo mais preocupante ocorreu.

O ano era 1893, um médico foi indicado ao cargo de Ministro do STF no governo do presidente Floriano Peixoto e ele assumiu a vaga de ministro por 10 meses. Uma brecha legal permitiu tal indicação. Seu nome? Cândido Barata Ribeiro que fora prefeito do Distrito Federal em 1892 e mantinha grande influência no cenário político da época. Diferente de hoje, que o ministro só toma posse ao seguir o rito e após ser sabatinado e aprovado pelo senado. Os tramites e os moldes de indicação no século XIX eram outros e as indicações não exigiam notório saber jurídico, apenas notório saber científico, algo que o indicado possuía. Todavia, era médico, por isso a indicação do Barata Ribeiro seguiu, a posse também não era após a sabatina no senado. Era possível assumir o cargo e posteriormente ocorria a aprovação ou não do nome, no caso do Barata Ribeiro ele foi empossado em 25 de novembro de 1893 e somente 10 meses depois quando já despachava tranquilamente no Supremo Tribunal Federal sua posse foi revogada, precisamente em 24 de setembro de 1894. Por seus saberes não serem compatíveis com o cargo de ministro do STF, o governo justificava que para a indicação a lei não exigia notório saber jurídico, apenas saber científico e ao usar tal justificativa o governo Floriano Peixoto foi contraposto por membros do congresso. Que responderam que não se poderia colocar um físico no cargo do STF, por exemplo, apenas por ter notório saber cientifico. Superada tal situação a constituição passou a exigir, especificamente notório saber jurídico, porém a lei hoje ainda não exige que os mesmos sejam graduados em ciências jurídicas/direito.

Se você estava surpreso com a indicação do André Mendonça pelo fato de Jair Bolsonaro tê-lo escolhido por ser pastor evangélico acho que se surpreendeu ainda mais com o que ocorreu no governo Floriano Peixoto, governo inclusive muito similar ao do Bolsonaro, onde o congresso era ameaçado constantemente e onde o Presidente em muitos momentos era a maior ameaça para o país. Barata Ribeiro foi um dos 5 nomes rejeitados na história das indicações para o STF, então a possibilidade de o Pastor André Mendonça não ser aprovado é real.