O Católico pode ser a favor de guerras?
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O Católico pode ser a favor de guerras?

Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia, e desde então das duas nações estão em guerra. O conflito é o maior no continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial, e dados os países envolvidos, não deve terminar tão cedo.

Carlos Alencar
7 min
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Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia, e desde então as duas nações estão em guerra. O conflito é o maior no continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial, e dados os países envolvidos, não deve terminar tão cedo.

Diante desse cenário, o que diz a doutrina da Igreja Católica? Antes de falarmos especificamente sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, precisamos saber o que a Igreja ensina sobre as guerras em geral. Para a Igreja, todas as guerras são erradas, ou existem situações em que a guerra pode ser moralmente aceitável, ou até mesmo desejável?

Em primeiro lugar, é importante frisar que a Igreja, como toda organização de bom senso, reconhece que a guerra é sempre um mal. Nunca é algo para ser desejado ou aplaudido. As pessoas e os países possuem o dever moral de evitar a guerra. Nesse sentido, os parágrafos 2.307 e 2.308 do Catecismo dizem:

“O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana. Por causa dos males e das injustiças que toda guerra acarreta, a Igreja insta cada um a orar e agir para que a Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra. Cada cidadão e cada governante deve agir de modo a evitar as guerras”.

Ou seja, em princípio a Igreja é contra toda e qualquer tipo de guerra. Contudo, mesmo que a Igreja seja contrária às guerras, elas continuam acontecendo, e a própria Igreja, ao longo da história, esteve envolvida em muitas guerras. E isto acontece porque, embora a guerra seja sempre um mal, existem situações específicas onde ela é tolerável: são as chamadas “guerras justas”, o que não significa afirmar que a guerra em si seja um bem, mas sim que os combatentes não estão em pecado.

Desde o início da história das guerras, aqueles que combatem sempre buscaram justificativas para seus conflitos: guerras são caras, são destrutivas, destroem bens e vidas humanas, e expõem o pior do ser humano. Ninguém em sã consciência quererá começar uma guerra sem um bom motivo para isto, muito menos arriscar a sua vida em uma, e mesmo uma pessoa má, capaz de guerrear por motivos levianos, quererá dar ao seu conflito uma aparência de justiça, nem que seja para manter o apoio daqueles que combatem ao seu lado.

Já nos tempos da República Romana, Cícero, um dos mais influentes pensadores de todos os tempos, ensinava que existiam das maneiras de resolver conflitos: ou pelo diálogo ou pela violência, sendo o diálogo o meio próprio dos seres humanos, e a violência, o meio próprio dos animais, ao qual só se deveria recorrer quando todos os recursos do diálogo tivessem sido esgotados.

Cícero defendia ainda a ideia de que Roma não poderia realizar guerras indiscriminadamente. Somente poderia guerrear com outros povos se tivesse sido agredida primeiro, ou se tivesse justificado receio de ser agredida. Logicamente, não faltavam aqueles que distorciam e ignoravam estes critérios, mas o simples fato de existirem demonstra que até para os romanos era importante que suas guerras fossem ou ao menos parecessem justas.

Posteriormente, com a adoção do cristianismo como religião oficial do Império Romano, Santo Agostinho desenvolveu ainda mais esta doutrina da guerra justa, que foi se modificando ainda mais ao longo dos séculos pela contribuição de pensadores como Santo Tomás de Aquino, Hugo Grócio, Francisco de Vitória, entre outros, até chegarmos na formulação atual, na qual são enumerados alguns requisitos, por meio dos quais se julgam tanto as razões para se ir à guerra, quanto os meios empregados no conflito.

Em primeiro lugar, a Igreja entende, desde os tempos de Santo Agostinho, que a guerra justa somente pode ser declarada pelo líder do povo ou do país, pois o direito de guerrear é uma consequência do direito de governar. E isto com o objetivo de limitar o número de guerras, pois se qualquer pessoa com suficiente poder para isso pudesse declarar guerras, o resultado seria que existiriam muito mais conflitos.

Em segundo lugar, não podem ser realizadas guerras de conquista ou agressão. Cada povo tem direito ao seu próprio território e a se governar da sua própria forma. Não se admite que um povo tome à força território que pertence a outro povo, nem que um povo procure oprimir o outro ou tomar os seus recursos.

Somente podem ser realizadas guerras defensivas, ou seja, aquelas nas quais um país ou povo se defende de uma agressão atual ou iminente, ou ainda defende outro país aliado ou uma população oprimida dentro de outro país. Agressão iminente é aquela que ainda não aconteceu, mas que se tem certeza que irá acontecer no futuro, ocasião em que podem ser realizados ataques preventivos.

Em terceiro lugar, o conflito armado só poderá ocorrer se os outros meios de resolução da disputa ou neutralização da ameaça tiverem sido esgotados. Isto inclui as ações diplomáticas, mas também outras medidas, como sanções econômicas.

Em quarto lugar, o objetivo da guerra justa deve ser sempre apenas a obtenção da paz. Assim que eliminada a ameaça, o país que está se defendendo deve cessar com o emprego de meios militares. Não são permitidas, como já dito, guerras para conquistar outros povos contra a sua vontade, ou para modificar fronteiras que foram estabelecidas de comum acordo. Porém, são permitidas guerras de reconquista, ou seja, guerras para tomar de volta territórios que anteriormente foram tomados por outro país.

Em quinto lugar, somente se deve entrar em conflito se houverem chances razoáveis de que a guerra possa ser vendida. A vida humana é preciosa demais para que um país mande seus soldados para a morte em uma guerra na qual não enxerga hipóteses de vitória. Isto não quer dizer que somente se possa guerrear se a vitória for certa ou provável, o que se exige é que exista uma possibilidade real de vitória, mesmo que o inimigo esteja em vantagem.

Além disso, uma vez que a guerra esteja iniciada, isto não quer dizer que tudo seja moralmente aceitável. Não se devem empregar meios desproporcionais na guerra, a minha resposta à agressão deve ser proporcional à do meu inimigo. Mesmo durante uma guerra, existem diversos tratados internacionais nos quais a comunidade internacional já decidiu, por exemplo, que certas táticas de combate e certas armas devem ser evitadas.

Deve-se se procurar respeitar, ao menos até certo ponto, certo código de conduta, honra e cavalheirismo, mesmo nas guerras. Uma guerra pode ser travada de maneira justa por um país quanto aos motivos que levaram ao seu início, mas se tornar injusta se, durante o curso do conflito, este país comete crimes de guerra, como pilhagens e massacres. Um exemplo histórico disso são as Cruzadas, que começaram com o objetivo de libertar a terra santa para os cristãos, mas ficaram manchadas por vários crimes de guerra cometidos pelos cristãos.

Assim, respondendo à pergunta do vídeo, o católico nunca pode ser a favor da guerra, porém, deve reconhecer que existem casos em que, esgotadas as outras vias para a solução dos problemas entre os países, ou mesmo os problemas internos dentro dos países, a guerra, embora seja má, pode ser tolerada e travada na exata medida em que isto seja necessário para a obtenção da paz, e, ainda assim, devem ser observadas regras de conduta durante o próprio conflito. Somente se tudo isto for respeitado, se poderá falar, não em guerra boa, mas em guerra justa.

Louvado seja o coração de Jesus, para sempre no coração de Maria.