O Católico pode ter MEDO da morte?
0
0

O Católico pode ter MEDO da morte?

"A única certeza da vida é a morte". Já ouvimos muito essa frase, ou pelo menos eu já a escutei muito em 29 anos de vida. Sim, ainda sou relativamente jovem, mas sei que um dia, como todo ser humano, terei de enfrentar o que Davi, antes de mo...

Carlos Alencar
7 min
0
0

I - Introdução

"A única certeza da vida é a morte". Já ouvimos muito essa frase, ou pelo menos eu já a escutei muito em 29 anos de vida. Sim, ainda sou relativamente jovem, mas sei que um dia, como todo ser humano, terei de enfrentar o que Davi, antes de morrer, chamou de "o destino de todos os homens". É o que toca aos filhos de Adão. A morte vem para todos, católicos ou não, mas para os católicos a morte possui um significado diferenciado, pois além de ser a porta de saída desta vida, é a única porta de entrada da outra.

Mesmo assim, não falta quem, mesmo frequentando a Igreja há muito tempo, ou tendo uma vida autenticamente religiosa, tem dificuldade em encarar a morte com naturalidade, desenvolvendo um medo autenticamente patológico desta realidade. Por outro lado, há tem aqueles que não admitem que seus irmãos na fé tenham qualquer receio em relação à morte, atribuindo qualquer manifestação nesse sentido ao apego aos bens deste mundo, ou ainda à falta de fé. 

Além do mais, desde o início de 2020, com o início da pandemia do COVID-19, a humanidade parece ter sido surpreendida com uma renovada consciência de nossa própria mortalidade. A sociedade de consumo, de rotinas aceleradas, de entretenimento, foi forçada a se deparar, por conta do avanço da doença sobre o mundo, não somente com o fato de que não somos eternos, mas também com a verdade de que a nossa vida neste mundo pode acabar a qualquer momento, sem que nem os modernos tratamentos médicos sejam capazes de nos salvar.

Por isso, é muito importante que sejamos capazes de nos fazer honestamente esta pergunta: afinal, o católico pode ter medo da morte?

II - Não ao medo patológico

É evidente que todo medo patológico, qualquer que seja o seu objeto, não é saudável e deve ser evitado por qualquer pessoa, católica ou não. Quando o medo se torna patológico, doentio, de uma tal intensidade que impede a pessoa de levar uma vida saudável, é claro que estamos diante de uma realidade que não deve ser aceita, que não deve ser considerada normal. Neste sentido, ninguém deve ter medo excessivo de realidade alguma, nem mesmo da morte, especialmente o católico, cuja fé lhe assegura que Cristo está vivo e que prometeu a Vida Eterna para todos aqueles que O seguem fielmente.

Embora a morte seja o "destino de todos os homens", muitas pessoas evitam de tal maneira meditar sobre ela que não vivem de maneira correta. Ou pensam nela de forma tão obsessiva que esquecem de viver. Evitar pensar na morte não fará com que ela não ocorra. E pensar demais nela será como morrer antecipadamente.
Embora a morte seja o "destino de todos os homens", muitas pessoas evitam de tal maneira meditar sobre ela que não vivem de maneira correta. Ou pensam nela de forma tão obsessiva que esquecem de viver. Evitar pensar na morte não fará com que ela não ocorra. E pensar demais nela será como morrer antecipadamente.

Além disso, mesmo de uma perspectiva não-cristã, permitir-se um medo excessivo da morte retira toda a alegria e dinamismo de estar vivo. O medo excessivo da morte faz com que, de certa forma, morramos antecipadamente. Uma coisa é lembrar-se de que vai morrer, outra coisa é viver a morte já nesta vida, deixando a mente ser dominada pela sua espera, gerando uma existência melancólica, triste, ou mesmo desesperada, fonte de apatia ou, ao contrário, de um comportamento que busca aproveitar desordenadamente os prazeres desta vida.

III - Necessidade de uma crítica ponderada

Ao mesmo tempo, não se pode admitir como lícita a postura daqueles católicos que, faltando ao dever de caridade e amabilidade para com seus irmãos, veiculam o discurso simplista de que o medo da morte se deve apenas ao apego excessivo a este mundo, ou à falta de fé. É verdade que estes fatores também se fazem presentes muitas vezes. Há muitos irmãos que ainda precisam evoluir no desapego a este mundo, que é, sim, mandatório para o cristão, cuja pátria é o céu, e não esta terra, que a Tradição sabiamente descreve como um "vale de lágrimas".

Também há muitos cristãos que precisam levar mais a sério a própria fé, e viver de forma coerente com ela. Não deixa de ser um contratestemunho ir à Igreja, ser conhecido por ser uma pessoa de fé, religiosa, mesmo, e não conseguir tratar com naturalidade um dos principais temas de reflexão, da nossa fé, que é justamente a morte. A cada Santa Missa, os católicos fazem memória da Paixão e Morte de Jesus Cristo, e a principal semana do calendário litúrgico é exatamente a Semana Santa, centrada nesta realidade: Jesus Cristo sofreu e morreu de verdade por cada um de nós, e ao fazer isso, se irmanou à nossa condição humana, querendo fazer-se solidário e companheiro também no acontecimento mais definitivo de nossas vidas: o seu fim.

Portanto, a meditação da morte é um dos aspectos centrais do cristianismo católico, e é esperado, sim, que depois de um certo tempo o bom católico esteja, de certa forma, acostumado e treinado a pensar com naturalidade na morte, seja na própria, seja na dos outros seres humanos. Mas mesmo pessoas desapegadas do mundo e que viveram vidas cristãs exemplares conviveram com o medo da morte, e mesmo com períodos prolongados de dúvida a respeito da própria fé.

Santa Teresa de Calcutá, que dedicou grande parte de sua vida ao cuidado integral dos pobres daquela cidade indiana, durante muitos anos vivia sua rotina de total abnegação sem saber se realmente acreditava até as últimas consequências na fé católica, em Jesus Cristo, em Deus. A constância no serviço cristão foi acompanhada durante muito tempo pela dúvida, que só se acalmou na fase derradeira de sua vida, conforme se depreende de seu diário espiritual. Nestas horas, aquela mulher, que vivia o Evangelho na prática, tinha seus medos, suas angústias, mas renovava sua confiança em Jesus e continuava a servi-Lo nos pobres de Calcultá.

O próprio Jesus Cristo, diante dos tormentos que o aguardavam, ali estando inclusa a hora derradeira de sua morte neste mundo, teve medo, sofreu a angústia humana. Na verdade, sua angústia foi maior que a nossa, pois os sofrimentos a que foi submetido não foram jamais igualados na história, e para o seu corpo sem pecado, a morte, que nós acreditamos que existe em consequência do pecado, foi revestida de especial antinaturalidade. Mesmo assim, o Evangelho não esconde que Jesus, durante os sofrimentos do calvário, sentiu-se realmente abandonado por Deus: "Meu Deus, meu Deus, por quê me abandonastes"?

Jesus Cristo quis se irmanar aos homens fazendo-se mortal. Desta forma nenhum cristão morre sozinho, mas segue os mesmos passos de Seu Mestre.
Jesus Cristo quis se irmanar aos homens fazendo-se mortal. Desta forma nenhum cristão morre sozinho, mas segue os mesmos passos de Seu Mestre.

IV - Necessidade de reordenar este medo

Há ainda outro aspecto importante, presente nos Evangelhos. Embora se solidarize com a fraqueza da condição humana, tendo se feito igual a nós em tudo, exceto no pecado, Jesus Cristo alerta no Evangelho para não temer aqueles que podem destruir o corpo, e depois disso nada mais podem fazer. Ao contrário, ele nos diz para temer, isso sim, aquele que tem o poder de destruir o corpo e a alma no inferno. Esta passagem nos ajuda a colocar as coisas na perspectiva correta, na perspectiva católica.

As fontes da fé católica (Escritura, Tradição e Magistério) sempre ensinaram que o problema não é a morte do corpo. Deus nos promete um novo corpo, melhor que o que temos nesta vida. O problema é morrer mal, longe de Deus, e ser condenado ao inferno. 
As fontes da fé católica (Escritura, Tradição e Magistério) sempre ensinaram que o problema não é a morte do corpo. Deus nos promete um novo corpo, melhor que o que temos nesta vida. O problema é morrer mal, longe de Deus, e ser condenado ao inferno. 

Para o cristão, o que há de assustador na morte não é tanto o fim do corpo, já que cremos que somos dotados de uma alma imortal, a parte mais nobre e importante do nosso ser, já que imortal e capaz de gozar de Deus por toda a eternidade...ou se danar para sempre no inferno. Assim, a morte causa temor ao cristão na medida em que marca o instante definitivo a partir do qual a conversão, o arrependimento, a emenda, o crescimento na santidade deixam de ser possíveis. A morte, ensina São Gregório Magno, é a última mudança que sofremos. Como morrermos, é como permaneceremos por toda a eternidade. Não cremos em reencarnação, por isso esta única vida que temos é para nós a única oportunidade de amar a Deus, ou falhar nesse objetivo e sermos eternamente frustrados e punidos.

V - Por fim: uma mensagem de esperança

Mas o que realmente é decisivo na atitude que o cristão católico deve ter diante da morte é a esperança. A certeza da vida de Cristo nos dá esperança de obtermos o mesmo para nós, já que cremos na fidelidade daquele que nos promete a recompensa. Os Evangelhos asseguram que aquele que crê em Cristo e vive corretamente nesta terra, amando, servindo e obedecendo a Deus, gozará para sempre de um vida muito superior a esta, de tal sorte que muitos santos chegaram mesmo a ansiar pela morte, para assim poderem estar com Cristo. São Paulo chega mesmo a escrever que para ele seria mais lucro deixar logo este mundo, pois estava ansioso para encontrar e permanecer para sempre com Jesus:

Jesus Cristo subiu aos céus à vista dos Apóstolos para que a Igreja tivesse esperança de que o mesmo destina a aguarda.
Jesus Cristo subiu aos céus à vista dos Apóstolos para que a Igreja tivesse esperança de que o mesmo destina a aguarda.

Então, coragem! Nós, que sabemos que Jesus existe, sabemos que Ele cuidará de nós, e não nos deixará entregues à morte. Aquele que prometeu, tem poder para cumprir. O diabo é quem quer nos deixar paralisados pelo medo, pois o medo leva ao desespero, e este leva a uma vida de pecado. A mensagem de Jesus é alegria: "se com Ele morrermos, com Ele viveremos".

Eu sou Carlos Alencar. Louvado seja o Coração de Jesus: para sempre no coração de Maria.