O grande Cthulhu do seu sono despertou
O grande Cthulhu do seu sono despertou |
E a monumental R'lyeh ascendeu do mar |
E floresceu |
E se alastrou como erva daninha |
E esverdeou o mundo |
E ao Sumo Sacerdote dos Deuses Exteriores foi dado poder absoluto |
Poder sobre nós |
E de seus olhos profundos e negros |
Ele nos observou |
E ficou decidido que em nós não havia importância |
Não havia serventia |
Não havia servidão |
Não havia sequer estimação |
Porque, no grande esquema das coisas, nós não tínhamos lugar |
Porque, no grande esquema das coisas, éramos um mero acidente |
Porque pensamos ser donos desta terra |
Porque sonhamos com futuros de glórias |
Porque estávamos certos do nosso domínio sobre este mundo |
Porque governávamos sobre animais |
Porque escravizávamos nosso próprio povo |
Porque não podíamos ser mortos |
Entretanto |
Para a besta que veio do mar |
Nós éramos os animais |
Ou assim desejaríamos ser |
Pois quereríamos ser seus cães |
E sentarmos em seu colo santo |
E recebermos seu afago |
Mas, para Ele, assemelhávamos insetos |
Os mais repulsivos dentre todos |
Para o Grande Cthulhu, éramos baratas |
E seu movimento natural seria nos esmagar |
Mas Ele não era tão leviano |
Ele tinha outro plano |
Algo terrivelmente pior |
Terrivelmente insano |
Com sua insanidade |
Ele nos enlouqueceu |
O dia que celebramos um alinhamento inédito das estrelas |
O dia que fitamos o céu, todos fitamos |
O dia que Ele se ergueu |
E olhou para dentro de cada um de nós |
Onde quer que estivéssemos |
Em nossas camas |
Em nossas salas |
Em nossos salões |
Em nossos motéis |
Em nossos berços |
Em nossos asilos |
Em nossas sepulturas |
Porque Ele não nos olhou nos olhos |
Mas porque Ele nos olhou num lugar que não podíamos cobrir |
Ele nos olhou em nossas mentes |
E ordenou, com uma voz engasgada, gutural e sinistra |
Que enlouquecêssemos |
E nos tirou a bênção da morte |
E, naqueles dias escuros, |
Foi o que mais procuramos |
O céu arranhado e verde-musgo |
Enxames de seus servos voavam pelo vento |
E só desciam para nos tocar |
E nos tocavam como queriam |
E nos torturavam |
E nos lambiam |
E nos usavam |
E, em algum lugar de seus corpos deveria haver uma boca |
E dessa boca… |
Riam |
E, no chão duro e úmido, |
Procurávamos a morte |
Mas não a encontramos |
E procuramos bem |
Ah, procuramos muito bem… |
Como procuramos... |
Procuramos em facas |
Procuramos em armas |
Procuramos em grandes alturas |
Procuramos em águas profundas |
Procuramos uns nos outros |
Procuramos nos punhos uns dos outros |
Procuramos nos orifícios uns dos outros |
Fizemos coisas terríveis |
Fizemos coisas abomináveis |
Fizemos coisas que jamais serão esquecidas |
Fizemos coisas que não podem ser esquecidas |
Pois são lembretes |
Lembretes do que há em nosso interior |
Porque o Grande Cthulhu não criou coisa alguma |
Porque o Grande Cthulhu apenas fez florescer |
Aquilo que sempre quisemos fazer |
E pais fizeram com filhos |
E filhos fizeram com pais |
E irmãos fizeram com irmãos |
E famílias se destruíram |
Mas ninguém morreu |
Nos dias em que Ele governou |
Ninguém morreu |
Porque Ele nos tirou esse dom |
Porque queria nos ver sofrer |
Porque queria nos ver enlouquecer |
E Ele viu |
Trezentos anos |
Por trezentos longos anos, Ele governou |
E neste ínterim, nenhuma nova cova foi aberta |
Nenhuma velha cova foi fechada |
Nenhum idoso partiu em misericórdia |
Nenhuma criança nasceu |
Nenhuma criança cresceu |
E enlouquecemos |
Oh, meu Deus, fizemos coisas terríveis! |
Coisas que não serão esquecidas! |
Tende misericórdia, oh, Deus! |
E apaga de mim estas lembranças |
Porque, tão súbito quanto veio |
Tão súbito Ele se foi |
E a majestosa R'lyeh se foi com ele |
Para o fundo do oceano |
Porque as estrelas se desalinharam |
E, desta forma, Ele não pode viver |
Mas sua maldição continua sobre nós |
Porque o Grande Cthulhu nos tirou o dom da morte |
Agora, vivemos sob escombros |
Mesmo que seis séculos tenham se passado |
Porque não morremos mais |
Porque temos que olhar nos olhos uns dos outros |
Porque temos que conviver uns com os outros |
Porque não conseguimos seguir em frente |
Porque, sempre que olho para meus filhos |
Lembro apenas do que fiz com eles |
E do que eles fizeram comigo |
E a cada dia descubro uma cicatriz nova |
E a cada cicatriz nova, uma lembrança nova |
Um novo choro |
Um novo desespero |
Uma nova loucura |
E eu sei |
Sim, eu sei |
Sei que um dia as estrelas se alinharão outra vez |
E aqueles dias se repetirão |
E eu estarei lá |
Em mais um despertar de Cthulhu |