O gigantesco portal se fechou atrás de mim
O gigantesco portal se fechou atrás de mim |
Não ousei abri-lo, pois na enorme estrutura carmesim |
Maçaneta alguma havia e arrombar seria um festim |
Conformado, resignado, decidido, fitei o enorme túnel sem fim |
E no frio abrasador eu assumi |
Pela escuridade e silêncio sepulcrais |
Que não era para eu sair |
Uma tocha presa à parede ao lado se apresentou |
Calorosa chama azul e amarela |
Um palito de fósforo para os antigos deuses |
Para mim, provisão Dela |
Pois Isabela viera primeiro |
E antes disso fizemos promessa |
Que na minha chegada, vindo em seu encalço |
Das terras dos sonhos, com os pés descalços |
Eu a encontraria onde estivesse |
Pois sozinha sentia medo |
Mas eu, firme como um rochedo, |
Não desistiria, haja o que houvesse |
Não imaginávamos que seria assim |
Um labirinto de túneis de tempos ancestrais |
Cada vez mais apertados e longínquos |
Com um odor tão nauseante, um assinte às minhas fossas nasais |
Mas por ela eu prossegui, com sentimentos não sei quais |
Talvez compromisso, arrependimento, amor, tanto faz |
Enfim eu estava ali, lutando contra meus instintos |
Teimando em não voltar |
O caminho por onde vim |
O túnel à minha frente e o túnel atrás de mim |
Ambos não tinham fim |
No calor entre meus dedos |
Pelas labaredas que escorriam como lágrimas |
Da tocha que eu segurava |
A presença de Isabela gritava |
"Você prometeu", ela gritava |
"Não me abandone", sussurrava |
E conforme eu me arrastava |
Pelos túneis escuros e ásperos |
Mais forte a presença ficava |
A ponto de me fazer parar |
Para não continuar, para regressar, para enfim quebrar a promessa, para enfim a abandonar |
Naquele deserto inóspito, onde Deus percebera seu fracasso |
E de vergonha, largado à sorte |
Os seus que dizia prezar |
Os que não andam ao seu lado |
Os que não venceram a morte |
Isabela calou a voz |
Quando o assobio nasceu no túnel |
Um gemido agudo e forte, com um odor fedendo à morte, e a sugestão de algo atroz |
O vento não teria tal poder |
Não, não teria |
De incutir na mente sã, as ideias nefastas |
Que ouvi naquele assobio |
E para lhe tornar mais claro, apressei o passo, me arrastei sem o medo crasso, com os ouvidos aguçados |
Para ouvir a voz do frio |
E ela dizia algo |
Algo que me petrificou |
Não em palavras de homens |
Não em vozes claras, não para ser entendida |
A maldita voz do frio era uma voz sem vida |
E engasgada com a própria saliva |
Chorava |
Sim, meu leitor |
A voz de Isabela |
Chorava de tão longe, o que antes era um assobio, se tornou algo tão frio, como em seu leito de morte |
Como o choro que ouvi |
Pouco antes de partir |
Pouco antes Dela dizer |
"Você prometeu, não me abandone" |
Poucos minutos depois de sepultar seu corpo duro |
Fui ao meu quarto e saquei minha navalha |
E murmurando "Não te abandonarei, jamais" |
A afundei em meu pescoço, torci e rasguei |
"Pois por ti eu vivi e se aqui já não jaz mais |
Por qual motivo eu seguiria, sem poder viver a vida |
Que prometemos a anos atrás?" |
Agora eu estava perto, tão perto e quase ao lado |
Daquele assobio negro, que incessava um pranto seco |
Naquele túnel amaldiçoado |
E me achei a uma porta pesada |
Entreaberta, antiga e revoltada |
Com uma luz vindo ao centro |
Do túnel maldito e seco |
Com o choro tão alto e poderoso |
Que contive o meu impulso |
De abrir com pesado esforço |
E checar o que tinha dentro |
Pensei em Isabela |
Pensei em correr para ela |
Tão rápido eu a visse |
Em qualquer estado que estivesse |
E a abraçaria, e beijaria, e ninaria, e enfim um amargo perdão |
Eu pediria |
Por deixá-la vir primeiro, por força-la a explorar |
E descobrir com dor e desesperança |
Os segredos do outro lado |
E do meu abraço a puxaria, meu malfadado pequeno fardo, para fora daquele inferno, com um frio de inverno, que nos torturava de mau grado |
Decidido, abri a porta |
E tão rápido sufoquei um grito |
Quando vi o interior |
Daquele recanto maldito |
Sufoquei por horror |
Mas também por precaução |
Pois não queria despertar |
Os bilhões que se amontoavam, numa incalculável pilha de corpos, naquela terrível maldição |
Que é nunca mais acordar |
Vi um salão imenso, com proporções feitas a deuses |
Mas glória alguma havia, pois ali não residia |
A divindade de tais seres |
As paredes de pedra escura, rachadas e inesculpidas |
Exalavam descaso e solidão, no que concerne aos seus cidadãos |
Os abandonados homens sem vida |
Era frio e fedia |
Mas não como um abatedouro coalhado de desleixo |
Todavia um sepulcro, uma titânica cova comum |
Que quem quer que a construiu |
Apreço algum demonstrou, sequer pudor sentiu |
Pois simplesmente despejou |
Entes queridos de todas as épocas |
Não sei se minha conclusão é fato |
Mas direi sem medo ou tato |
Deus, antes de nos abandonar, construiu um cemitério |
Vi cadáveres trajados em peles de animais |
Mesopotâmicos e hebreus |
Romanos e ingleses |
Saxões e irlandeses |
Japoneses e americanos |
Povos antigos e contemporâneos, compartilhando o mesmo destino, largados numa pilha de inefável odor funesto |
Então o terror se apossou de mim |
Pois percebera que morri |
Para encontrar alguém por quem senti |
Um incontrolável amor divino |
E esta fora minha recompensa |
Desespero |
E a certeza, essa que não me escapa |
De que preciso avisar |
Aos seres do outro lado |
Os vivos de cada prado |
Os líderes de cada estado |
Que alertem seu povo, |
Seus cientistas e sua prole amada |
Que não podem morrer |
Pois o fim de tudo jaz aqui |
Sem hesitar arranquei meus trapos |
Um novelo de fios acabados |
Mordi meu indicador |
Forcei, torci e puxei |
E não fui contido pela dor |
Ao contrário, estava focado, imerso em pensamentos claros |
Afundei o dedo separado, no sangue no colo pingado, um mar vermelho e molhado |
E com isso escrevi a carta |
Contando a minha história |
Lamentando a descoberta |
Narrada nestes trapos |
Li e vi beleza |
Apesar das agruras, apesar da avareza, do egoísmo do meu intento, da minha maldita fraqueza |
De não viver sem Isabela |
Então embolei os trapos e fiz um balão leve, com o dedo servindo de base |
Para que o balão flutuasse |
Pelo assobio do vento frio |
Percorrendo os túneis sem fim |
Passando por onde eu vim |
Encontrar outra vez a melhor versão de mim |
E ressalto a quem encontrar |
Numa noite sem estrelas, voando pelo céu do outro lado |
Vindo de algum túmulo, um sepulcro qualquer |
Você não pode morrer! |
E quanto à mim, seguirei minha labuta |
A árdua tarefa dura |
De erguer e afastar corpos |
De tornar menor a pilha |
Para um dia encontrar Isabela |
Meu amor, minha princesa |
Minha vida |
Minha filha |