A humildade me deu um tapa na cara
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A humildade me deu um tapa na cara

Já tem 20 dias que eu estou em Paris, oficialmente procurando emprego, tentando me estabelecer aqui e etc. Finalmente a minha ficha caiu de que eu realmente me mudei para França e que agora eu vou ter que me virar nos 30 para conseguir correr...

Clarice Naddeo
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Já tem 20 dias que eu estou em Paris, oficialmente procurando emprego, tentando me estabelecer aqui e etc. Finalmente a minha ficha caiu de que eu realmente me mudei para França e que agora eu vou ter que me virar nos 30 para conseguir correr atrás de tudo e ficar aqui de verdade. Ao mesmo tempo em que essa ficha caiu, também caiu uma outra ficha muito importante: mudar de país é uma baita lição de humildade. 

Eu não sei exatamente como descrever a importância de ser humilde quando você muda para um país completamente diferente do seu. Claro que é importante ser humilde em qualquer lugar do mundo, mas fazer uma mudança dessas é um grande tapa na cara de que nós somos absurdamente pequenos, embora estejamos acostumados a ser importantes nas nossas cidades natais e nos nossos círculos sociais. 

Veja só, lá no Brasil eu era maquiadora autônoma e também trabalhava numa loja de cosméticos. Eu tinha clientes fixas e fiéis, que eu conquistei ao longo dos anos, que me recomendavam para suas amigas e que também se tornavam clientes fixas e fiéis. Na loja, eu mandona que sou, tomava conta da equipe inteira, buscava produto na casa da minha chefe, treinava os funcionários novos, sentia que eu tinha um papel importante naquele mundinho que era meu.

Caso fosse procurar um novo trabalho, eu tinha várias pessoas para pedir indicação e um currículo recheado das minhas experiências profissionais desde os meus 17 anos. 

Já aqui na França, ninguém sabe o que é SENAC,  o que é Minas Trend, o que é Simple Organic, são praticamente uns nomes jogados no ar.  Todas essas empresas que eu tenho tanto orgulho de ter feito parte não significam absolutamente nada para um empregador francês, é triste. 

Então o que eu faço? Eu tenho que ser humilde o suficiente para entender que eu preciso começar literalmente do zero aqui, tudo de novo. Ainda mais numa pandemia, que o mercado (com o qual eu já não sou familiar) ainda está mais complicado que o normal. Eu aceito que eu vou trabalhar com muito amor, dedicação e carinho em um emprego que eu não trabalharia no Brasil nessa altura do campeonato. Eu decido que vou ser babá. 

Agora, eu estou falando isso porque eu acho que eu sou muito boa para ser babá e eu estou me "rebaixando"? De forma alguma!

Ser babá é um trabalho tão digno quanto qualquer outro trabalho. Inclusive, um dos cargos de maior responsabilidade que eu já assumi, é tomar conta da vida de uma criança! Eu ainda não sou mãe, então eu consigo apenas imaginar como deve ser tenso você confiar os cuidados do seu filho com uma pessoa que você nunca tinha visto antes na sua vida! 

O que eu quero dizer é: talvez muita gente pense que é bom demais para assumir um trabalho como esse (ser babá, faxineira, garçonete, pedreiro etc), e quando você muda de país você tem a certeza de que você não é bom demais para fazer NADA.

Se você já teve em algum momento da sua vida uma posição de poder, esse poder vinha do cargo que você ocupava, não de você. A sua autoridade era diretamente ligada com a hierarquia da empresa ou sua condição financeira. Nunca foi você

Dado esse leve tapa na - minha e sua - cara, eu estou inclusive extremamente animada para começar a trabalhar, começar a sentir verdadeiramente que eu moro aqui e tenho certeza absoluta que as futuras crianças que eu cuidarei vão me ensinar muito mais do que o contrário. 2021 com certeza está começando de uma forma positiva! 

Eu humildemente toda sacoleira em Paris indo da casa de uma amigo para casa de uma amiga ser abrigada 
Eu humildemente toda sacoleira em Paris indo da casa de uma amigo para casa de uma amiga ser abrigada