Risada solta, brincadeiras e como sempre, das nossas histórias emergem alguma reflexão...
Risada solta, brincadeiras e como sempre - das nossas histórias tiramos alguma reflexão... | ||
- Mas a Meri tem uma autoestima muito boa - uma delas destacou. | ||
- Isso é verdade! Desde quando a gente se conhece que ela é assim - a outra afirmou. | ||
- E é pra ser assim mesmo! Isso é bom, não é ruim não. - essa falou com firmeza. | ||
Eu... ri, mas continuei calada. | ||
Vi que esses comentários não provocavam um "conta como faz pra ser assim". Estavam apenas afirmando, com a convicção de ser um bom exemplo, uma inspiração. | ||
Mas dentro de mim... | ||
Isso reverberou, me fez lembrar dos momentos que a autoestima se quer fazia parte do meu vocabulário. | ||
Então voltei a ser aquela menina de 11 anos, que apesar de tão nova já desenvolvia um corpo de mulher. | ||
E como uma boa adolescente, fazia comparações. | ||
Então... | ||
Meus seios são muito volumosos, meu rosto tem marcas de espinha, meu cabelo é muito sem graça, minhas pernas são muito finas, não sei porque meu buchinho se destaca tanto - eu mal como. E esse bico? Pra quê esses dentes tão pra frente? | ||
Não bastava me olhar no espelho, precisava de mais um espelho para conferir minhas insatisfações quanto a minha imagem. | ||
Mas a menina criada pela avó, era querida e bem alinhada... | ||
Sente-se erguida, caminhe direito, postura ereta e não esqueça: "Comporte-se!" | ||
Assim, sempre elogiada. Mérito meu? Não. Mérito da mamãe, com certeza. | ||
Quem sou se mostrava quando me soltava nas minhas aventuras. Voltava com as meias calças rasgadas e isso me rendia muitas broncas e reclamações da mamãe. | ||
Valia a pena, era muito bom sentir a adrenalina das loucuras que me metia. | ||
Apesar de ser tão tagarela, minhas incertezas e medos eram só meus, não compartilhava com ninguém, tinha o meu próprio lema: 'Se ninguém sabe, ninguém usa isso para me agredir. Por isso, até o lema era segredo. Impronunciável. Deixa só no pensamento. Nem o eco vai me trair. | ||
Desconfiada? Insegura, isso sim. | ||
... E quanto mais me cobrava, mais essa insegurança aumentava. | ||
Recebia expressões de carinho, menções gratuitas sobre a boa impressão que tinham de mim, por isso comecei a deixar de ser tão autocrítica e passei a me olhar com mais tolerância. | ||
Calma... | ||
Do jeito que estou falando parece que nunca fui criticada. As críticas eram diárias, eu não era do tipo princesa, minha personalidade indomável, teimosa e impulsiva, provocavam algumas intrigas. | ||
Ainda na adolescência... | ||
Convivi com pessoas que tinham uma boa autoestima, como Benê - Imagina Benedita - uma serelepe, com seu estilo e personalidade -única e seus próprios passinhos para os rits do momento. | ||
- Benê, que dança é essa? | ||
- Não sei! É assim que eu quero dançar. | ||
E tudo certo. Escutava a música e se soltava. | ||
Costumo dizer que cada pessoa que trouxe luz às minhas sombras foram como anjos, usados para dissipar essas trevas. | ||
Como uma senhora que conheci, em nossa conversa questionou porque eu queria fazer a redução das mamas... | ||
- Elas são enormes. Queria me livrar dos sutiãs. | ||
- Minha querida, tudo isso é modinha. Hoje a moda é ter 'peitinho', amanhã a mesma moda vai dizer pra ter 'peitão' e você já terá os seus. | ||
Certíssima! Poucos anos depois, foi um 'coloca peito' danado. E eu... Já tinha os meus. | ||
Num outro dia... | ||
Estava almoçando com a minha família e alguns amigos... | ||
Do nada, o garoto que estava na minha frente, filho da minha amiga, fala... | ||
- Você tem os lábios muito bonitos. Eles são bem desenhados. | ||
- Nossa! Não esperava por essa. Obrigada. - Respondi. Enquanto, por dentro, lembrava que a protuberância deles era um dos meus desconfortos. | ||
-Você não tem noção do quanto possui uma boca bonita. | ||
-Do jeito que você está falando, tenho mesmo não. | ||
E assim, seguiram-se outros episódios que me fizeram ter mais carinho comigo. | ||
Ah! Tem um deles que não posso deixar de contar... | ||
Numa manhã de domingo, fui com uma amiga ouvir a ministração de um pastor do Mato Grosso que estava aqui em Maceió. | ||
Ela - negra. bonita e gordinha. Foi ao banheiro. Estranhei o tanto que demorou a voltar. Mas foquei na mensagem que estava sendo ministrada e esqueci dela. | ||
Do nada, vem ela... passando em frente ao palco - era o único jeito de voltar para o seu lugar - desfilando, segura, sentou-se ao meu lado, numa boa. | ||
Minha cara... Assustada! | ||
Desde o início desse percurso, quando a vi com uma baita mancha molhada na roupa. | ||
-O que foi que aconteceu contigo? | ||
- O banheiro é muito pequeno e essa roupa que estou não ajuda - inventei de tirar a blusa pra me arrumar melhor, na agonia ela caiu no chão, pra completar o chão estava molhado. | ||
- E você veio numa segurança tão grande que acho que ninguém mais viu. | ||
- Só você que estava com esse olhar assustado. | ||
- Não é pra menos. | ||
- Não mesmo. Tá perdoada. | ||
- Como você conseguiu isso? Desfocar a atenção do povo da sua blusa toda molhada? | ||
- Meri, eu não tinha como esconder. Só me restava essa opção - vestir a blusa com essa marca molhada. Daí pensei: vou sair de cabeça erguida e tranquila. | ||
-Funcionou! Quem olhou só viu você, o molhado da blusa se tornou insignificante. | ||
-Isso mesmo. O foco sou eu, não a blusa. Preste atenção, não é sobre as pessoas, é sobre você. | ||
Tá aí uma pessoa que me ensinou muito sobre autoestima. Gorda, pobre, negra, carregada por uma história de vida difícil. | ||
Hoje, não sei por onde ela anda... Mas imagino que caminhe com a cabeça erguida, esbanjando alegria e beleza por onde chega. | ||
Mesmo que sua blusa caia, mesmo que sua roupa fique manchada por algumas lágrimas, ou algum preconceito besta tente ofendê-la. | ||
Então... | ||
Essa autoestima não esteve aqui sempre. Ela não chegou pela aparência. Mas conseguiu me convencer de que sou o bastante para caminharmos juntas. | ||