“Não pense, não questione, não critique”: a cegueira condicionada
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“Não pense, não questione, não critique”: a cegueira condicionada

Antes de qualquer coisa, o texto não se trata objetivamente do último lance do jogo entre Flamengo e Vasco da Gama, válido pelo Carioca. Trata-se, porém, de uma análise pessoal sobre um período de cegueira condicionada de parcela da geração a...

João Pedro Farah
3 min
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Antes de qualquer coisa, o texto não se trata, objetivamente, do último lance do jogo entre Flamengo e Vasco da Gama, válido pelo Carioca. Trata-se, porém, de uma reflexão mais profunda. Faço uma análise pessoal sobre o período de cegueira condicionada de parcela da geração atual.

Vivemos em um período onde a prática dos verbos “questionar e debater” tornou-se ato de heroísmo. As redes sociais trouxeram, inegavelmente, inúmeros benefícios à sociedade, como agilidade, encurtamento de distâncias e democratização do acesso à informação. Contudo, o debate público se transformou, infelizmente, um ponto interditado na personificação de figuras detentoras da grande verdade. Essas são, na maior parte dos casos, personalidades seguidas virtualmente por milhares de pessoas.

Seja na política, na economia, no futebol - ou em qualquer área da vida - o debate foi encurtado. A internet possibilitou que os influenciadores, dotados de um ar superior jamais visto, afirmassem o que é certo e o que é errado. E ponto final. Sem margem à discussão.

A título de exemplo, usarei a partida do último domingo (6), entre Flamengo e Vasco, válido pelo Campeonato Carioca. No último lance do jogo, a bola parecia ter resvalado no braço do atleta João Gomes, da equipe rubro-negra, e consequentemente o pênalti deveria ter sido assinalado. O árbitro, porém, decidiu encerrar a partida e o VAR sequer foi chamado. Insufladas pelo término do clássico, as redes sociais serviram como um ringue de “arrobas” (@) munidas da verdade absoluta já certificada por iluminados-influenciadores.

Por um lado, torcedores do Vasco afirmavam categoricamente - com base em uma imagem disponibilizada - que havia sido pênalti. No outro, torcedores do Flamengo publicaram outras imagens em que a bola teria batido no rosto do volante rubro-negro. O que era para ser uma discussão e um debate, tornou-se um palanque de verdades irredutíveis por parte de personalidades da internet. 

Duas pessoas influentes do novo mundo, o mundo contemporâneo e digital, afirmaram que "não era pênalti"e "quem não viu que pegou na cabeça estava cego". E ponto final. O debate estava interditado. Como fiéis seguidores de uma seita, os arrobas (@) acatavam a afirmação dos influenciadores e a discussão acabara. Tal qual um exército a cumprir ordens do chefe supremo. 

Imediatamente, ao perceber tamanha alienação, decidi me retrair. Incrédulo, percebi que o debate havia sido finalizado por uma suposta verdade absoluta. Uma cegueira condicionada. Quem ousasse questionar, estaria rebatendo um influenciador. Ora, quem ousaria? Afinal, os influenciadores de hoje ocupam o status de detentores da verdade suprema.

A história apresenta, de aspectos completamente distintos e similares, o grave problema em não questionar. A falta de senso crítico é um fator preponderante para arruinar civilizações. Seja no futebol - ou na política - questione. Ainda que seja um ato de heroísmo, tendo em vista que a pressão social impede você de minimamente questionar, tenha coragem.

Como apontou o filósofo francês Michel Foucault, "para ser verdade ela precisa ser livre. Ela não pode estar vinculada a uma institucionalização porque, desta forma, a verdade será manipulada."

Isto posto, o texto torna-se uma mera forma de reflexão sobre os tempos (sombrios) atuais, onde a verdade foi definida por um grupo - hoje munido de interesses como todo ser-humano - detentor de números. Os milhares (ou milhões) de seguidores servem como escudo para uma imposição da verdade absoluta. E ponto final.

Você que estiver lendo: não deixe de questionar. Não deixe de criticar. A liberdade irrestrita passa por sua iniciativa de se manter, pelo menos com o pensamento livre, de amarras sociais. 

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