Confortável no Desconforto

Eram 8h da manhã de sexta-feira. David terminava mais uma noite dedetizando os ratos e baratas que empesteavam o estoque de um famoso restaurante de fast-food em Indianápolis. Dessa vez, havia encontrado um ninho com centenas de baratas que caíram por cima de sua cabeça. Sentiu uma repulsa monstruosa, mas finalizou o seu serviço. Ao sair, como de costume, comprou uma caixa de donuts, um milkshake grande e foi para sua casa. Sentou em seu sofá, ligou a TV e devorou sua caixa de donuts em minutos. Estava zapeando os canais com o controle remoto quando algo chamou sua atenção. O controle parou no Discovery Channel que estava passando um documentário sobre a Hell Week (a Semana Infernal), considerada a pior semana de treinamento dos Navy SEALs, a tropa de elite da marinha dos EUA. Poucos candidatos conseguem terminar todo o curso de formação e a grande maioria dos desistentes “tocam o sino” exatamente durante a Hell Week. David viu homens sofrendo horrores durante o treinamento e o maior sofrimento de todos era a humilhação da desistência. De repente, se sentiu um fracassado. Lembrou da época em que desistiu de seguir na força aérea como paraquedista de resgate por justamente não se sentir confortável com a altura e com a água. Acabou terminando em porões imundos lidando com pragas. Teve mais nojo de si do que das próprias pragas que combatia. Se tornara o que todos que fizeram bullying na época da escola — por ser o único aluno negro — o diziam que se tornaria: um fracassado. Teve uma infância extremamente traumática, vítima de racismo na escola e de um pai agressivo que costumava espancar ele e sua mãe dentro de casa. Essas memórias o afligiam constantemente e o mantiveram por muito tempo em uma imensa bolha, sua zona de conforto.

Decidiu de imediato que iria ser um Navy SEAL. Para isso, precisaria fazer exatamente o oposto de tudo que sempre fizera em sua vida. Sempre buscava o caminho mais fácil, sempre buscava conforto e prazer. Evitava o máximo que podia o sacrifício, a dor e as situações ruins. Estava pesando 134kg e sua saúde estava péssima. Quando o documentário chegou ao fim, ele imediatamente começou a fazer ligações para recrutadores em todo o país, com o objetivo de ser admitido na próxima seletiva de treinamento para se tornar um SEAL. Um recrutador em Indianápolis trouxe uma dura realidade para ele: precisaria perder aproximadamente 50kg em três meses para poder ser aceito como aspirante. Seria perder pouco mas que meio quilo por dia. David aceitou o desafio. Sua rotina começava às 4h30 da manhã e consistia basicamente em pedalar, nadar e estudar. Ao se comprometer com isso, ele criou um novo padrão mental e tornou-se implacável. Trocou o sofá e o donuts por uma dieta regrada, atividade física e estudos. Decidiu que tinha uma escolha: permitir que toda depressão e negatividade que dominavam sua vida por anos o destruíssem ou escutar o que a vida estava lhe dizendo. Ele ouviu essa voz pelos três meses seguintes e usou-a como combustível e, acredite ou não, foi capaz de perder 48 quilos em 3 meses e passar no teste básico com uma boa pontuação.

A seleção para o treinamento dos Navy SEALs é um programa extremamente intensivo que tem duração total de seis meses e são aprovados 120 candidatos, para que destes sobrem somente os cerca de 30 melhores e mais resistentes. Durante esse treinamento, os aspirantes são privados de sono por diversas horas, expostos a condições de ameaças constantes e reais de vida, hipotermia, em uma série de atividades desgastantes e são obrigados a levar sua mente e corpo ao extremo. Algumas mortes de aspirantes já aconteceram durante este treinamento. Após anos de sacrifício, David conseguiu chegar onde queria. Completara o curso e se tornara um Navy SEAL. Serviu na guerra do Iraque e continuou desafiando a si mesmo. Chegou em sua linha de chegada e não se contentou. Se perguntava constatemente a cada vitória: “Do que mais eu sou capaz?”. Aprendeu com a vida a se manter confortável no desconforto. Até hoje, é o único militar norte-americano que conseguiu finalizar três vezes a Hell Week, tendo concluído a última com o tornozelo quebrado e envolvido por fitas silver tape para suportar a dor. Também é o único que concluiu os três mais difíceis treinamentos das forças armadas dos EUA: o treinamento dos SEALs da Marinha Americana, a USA Ranger School e o treinamento de Controle Tático da Força Aérea (TACP). Além disso, ele é um dos maiores atletas de endurance de todos os tempos. David bateu o recorde mundial de barra fixa em 2013, fazendo mais de 4.000 barras em menos de 24 horas. Completou também diversas corridas de 100 milhas, inclusive a famosa Ultramaratona Badwater, uma ultramaratona de 217 quilômetros que acontece no Vale da Morte nos Estados Unidos, onde apenas 100 pessoas entre 2.800 inscritos são aprovados para participarem.

Quem conheceu David Goggins antes de sua mudança de mentalidade jamais acreditaria que este seria capaz de tais feitos. Estamos acostumados a nos enxergar como fracassados e mascarar nossos potenciais com justificativas baratas e falsas limitações que só existem em nossa mente. Estamos constantemente presos às nossas bolhas da zona de conforto. Tentamos fazer grandes mudanças na vida, mas começamos de forma errada. Tentamos mudar nossas atitudes, mas mantemos nossa mente fracassada. Vivemos dando desculpas, fugindo das responsabilidades. A geração atual é a geração mais frágil de todas. Uma geração que não suporta sair de sua zona de conforto e que não tem a força de vontade para fazer algo quando não se tem vontade de fazer. A grande maioria das pessoas não tem autodisciplina, e se você tiver, não terá muita dificuldade em superar seus concorrentes. Precisamos desenvolver nossa habilidade de se sentir confortável no desconforto, algo que é intrínseco ao instinto do ser humano. Sempre que somos colocamos em situações extremas, conseguimos nos adaptar e superar todas as adversidades. Por que não podemos trazer este instinto da área subconsciente de nossa mente para a área consciente e mudar nossas atitudes cancerígenas? Se Goggins conseguiu sair do corpo de um dedetizador fracassado de 134kgs e se transformar em um Navy SEAL, recordista mundial e considerado o cara mais casca-grossa do planeta, por que nós nos limitamos a nos convencer a aceitar nossas desculpas esfarrapadas para nos manter na nossa bolha da zona de conforto fracassada?

Pare de dar 1% de desculpas e comece a dar 100% da sua vida e lembre-se de se perguntar toda vez que chegar ao pódio: “Do que mais que sou capaz?”.

A incrível história de superação de David Goggins é contada em sua autobiografia intitulada “Can’t Hurt Me”, ainda sem tradução para o português.

Uma semana MEGA produtiva a todos! Vamos pra cima!