Todos os passageiros estavam acomodados. O comandante Richard Champion de Crespigny ordenou que o piloto ligasse as turbinas. Esse seria mais um voo normal de Singapura à Sidney, um trecho de 8 horas sobre o oceano Índico pela Qantas Airways....
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Todos os passageiros estavam acomodados. O comandante Richard Champion de Crespigny ordenou que o piloto ligasse as turbinas. Esse seria mais um voo normal de Singapura à Sidney, um trecho de 8 horas sobre o oceano Índico pela Qantas Airways. O avião acelerou e subiu aos céus. Ao atingir 2 mil pés, o piloto automático foi ligado. O céu sobre o mar de Java estava sem nuvens, claro e em perfeitas condições de voo. O avião continuou ganhando altitude. Ao passarem dos 7 mil pés, ouviu-se um estrondo. Richard imaginou que poderia ser alguma zona de alta pressão passando pela turbina, algo comum ao atingir grandes altitudes. Em seguida, veio um segundo estrondo, muito mais forte, seguido de um barulho de estardalhaços, similares aos fogos juninos. O alerta vermelho foi disparado na cabine pelo sistema automatizado e uma sirene começou a soar. Eles estavam em uma situação de risco. Um incêndio se propagou de um dos motores fazendo com que um disco de turbina se partisse e se soltasse, destruindo completamente a turbina esquerda. Após a explosão da turbina, os fragmentos desta acabaram por danificar a asa esquerda, fazendo buracos de cerca de 1,5m de diâmetro. Milhares de pedaços menores explodiram e acabaram partindo fios elétricos, mangueiras de combustível, um dos tanques e as bombas hidráulicas. A parte inferior da asa esquerda estava totalmente destruída. As peças de metal que se desprendiam da asa esquerda faziam com que o avião se desestabilizasse, sacudindo-o no ar. O avião começou a balançar bruscamente. | ||
Richard, imediatamente, tentou alguns procedimentos padrões, porém o sistema automatizado estava em pane. A tela exibia alarmes e a sirene estava incessante. Ao analisar a situação, percebeu que a turbina 2 estava em chamas, a turbina 3 não estava funcionando e não tinha informações das turbinas 1 e 4. O sistema hidráulico e elétrico estavam em colapso. A bomba de combustível estava em pane e o combustível estava vazando pela asa esquerda danificada. De Crespigny percebeu que 21 dos 22 principais sistemas do seu avião estavam em pane ou totalmente incapacitados. Ninguém sabia quanto tempo a aeronave se manteria no ar. O piloto solicitou à torre de comando um pouso de emergência no aeroporto de Singapura. Eles decidiram voltar. Richard solicitou ao controle de tráfego aéreo: “Solicito permissão para subir até 10 mil pés”. “Não!”, gritaram os seus copilotos. Elevar a altitude de voo forçaria as turbinas. Essa mudança de altitude iria acelerar o vazamento de combustível. O melhor a ser feito, era voar em altitudes mais baixas e estabilizar o avião. Richard de Crespigny era um comandante extremamente experiente, tinha mais de 15 mil horas de voo como piloto e havia treinado situações de desastre em dezenas de simuladores. Imaginara centenas de vezes momentos similares. Tinha uma imagem mental de como reagir e ela lhe dizia para ganhar altitude de modo a ter mais opções. Todos os seus instintos lhe diziam para subir. Mas, algumas vezes, nosso modelo mental tem falhas. Era trabalho de sua tripulação encontrá-las. Richard se manteve aos 7400 pés. De repente, parte do sistema automatizado voltou a funcionar e emitiu uma lista automática de medidas para contenção dos danos. Uma delas solicitava a transferência de combustível de uma asa para a outra, a fim de estabilizar a aeronave. Quando um dos pilotos foi acionar, Richard imediatamente o conteve. “Deveríamos transferir combustível da asa boa para a que está com vazamento?”, disse. Dez anos antes, um voo em Toronto quase caíra quando a tripulação descartou o combustível sem perceber, transferindo-o para um motor com vazamento. Os pilotos concordaram com a decisão de ignorar a ordem. | ||
Durante toda a situação, De Crespigny e sua tripulação estavam numa cabine com uma sirene constante, sinais de emergência acionados. Para onde olhavam, aparecia um novo alerta reportando danos, luzes piscando informando que mais um sistema entrara em pane. Richard respirou fundo e chamou a atenção de sua equipe. “Vamos simplificar. Esqueçam as bombas, esqueçam os outros oito tanques, esqueçam o medidor de combustível total. Precisamos parar de nos concentrar no que está errado e começar a prestar atenção no que ainda funciona”. De Crespigny iniciou sua carreira como piloto bem jovem, comandando um Cessna, um pequeno monomotor sem nenhuma automação. Em essência, todo avião, seja ele um Airbus ou um Cessna, tem os mesmos componentes: um sistema de combustível, controles de voo, freios, trem de pouso. De Crespigny refletiu: “Se eu imaginar que este avião é um Cessna? O que eu faria?”. Foi nessa hora que a virada começou a acontecer. Quando Richard tomou o controle de um modelo mental que o havia preparado para a situação, passou a raciocinar e tomar decisões analíticas ao invés de reagir aos sinais do computador. “Na maior parte do tempo, quando acontece uma sobrecarga informacional, não nos damos conta do que está acontecendo — e é por isso que esse tipo de situação é tão perigosa”, disse a psicóloga da Nasa, Barbara Burian, que estudou à fundo o caso do voo 32 da Qantas Airways. Com o controle a situação, Richard iniciou o procedimento de pouso, ignorando os alertas do computador que informavam situação adversas. Ele não seguia mais as ordens do sistema, ele tinha se preparado para esse momento e sabia que os sistemas automatizados poderiam identificar situações que não condiziam com a real. Ao imaginar estar pilotando um Cessna gigante, Richard assumiu o controle da situação e conseguiu efetuar o pouso em total segurança. Os investigadores encarregados de estudar a causa do quase acidente classificaram o voo 32 da Qantas como o Airbus A380 em pior estado para conseguir fazer um pouso seguro. Diversos pilotos tentaram recriar em simuladores a recuperação de De Crespigny e nenhum conseguiu. Hoje, esse incidente é estudado em escolas de aviação em todo o mundo. Universidades de psicologia o utilizam como estudo de caso de como manter o foco durante uma emergência. Ele é o maior exemplo de como os modelos mentais podem fazer com que mantenhamos o controle até mesmo nas situações mais adversas. | ||
E qual o segredo de Richard e sua equipe para conseguirem manter o controle da situação mesmo em uma situação que a grande maioria dos pilotos teria sucumbido? Richard tem o costume de, antes de todo o voo, analisar e revisar possíveis situações de emergência, revisar os comandos e imaginar situações com sua equipe. Esse exercício acaba por criar modelos mentais que podemos utilizar em qualquer tipo de situação. Hoje, o sistema aeronáutico – e o mundo como um todo – é totalmente automatizado, de forma que, não aprendemos mais a criar, executar e assumir o controle. Aprendemos somente a responder, seguir instruções automatizadas. A mente humana é tão fantástica que foi responsável pela criação dos sistemas automatizados, responsivos e da inteligência artificial, porém, essa mesma inteligência tem diminuído nossa capacidade cognitiva e criativa. Paramos de exercitar nossa mente e passamos somente a reagir às luzes vermelhas e sirenes. Se Richard tivesse seguido as instruções no sistema que estava em pane, provavelmente seu fim teria sido o mesmo do voo 447 da Air France que mergulhou no fundo do oceano Atlântico. Esse exercício de “prever o futuro” e “reportar o presente” é fundamental para trabalharmos nossa mente em meio a um mundo automatizado. Ele nos prepara para situações adversas, transforma situações inesperadas em algo minimamente previsível e pode salvar a sua vida, como salvou a de Richard. Imaginar, por exemplo, o que poderá acontecer numa reunião importante e como você deverá se portar, quais temas deverá abordar, quais assuntos podem ocorrer e como você reagiria a eles, evitará que você seja pego de surpresa e se prepare para momentos inoportunos. Crie o hábito de contar histórias a você mesmo, sobre o que acontece no momento e sobre o que poderá acontecer em seguida. Se mantenha presente. Narre sua própria vida conforme ela acontece e imagine as possibilidades do que acontecerá, e aí, quando te fizerem uma pergunta repentina durante uma reunião ou quando um problema urgente aparecer supreendentemente, o foco dentro de sua cabeça estará pronto para apontar para o lugar certo. “Não podemos delegar o pensamento”, disse De Crespigny. “Computadores dão pane, listas de controle falham, tudo pode dar problema. Mas as pessoas não podem. Precisamos tomar decisões, e isso inclui decidir o que merece nossa atenção. O segredo é se obrigar a pensar. Contanto que esteja pensando, já é meio caminho andado”. Dessa forma, conseguimos pilotar o Airbus das nossas vidas com a consciência e controle de um Cessna e, quando um alarme soar e as luzes de emergência piscarem, respire fundo e se mantenha presente. Revise todos os modelos mentais que se adequam a essa situação e que você criou ao vislumbrar problemas parecidos. Assuma o controle de suas emoções e da situação para que você consiga fazer um pouso perfeito e não termine mergulhando no fundo do oceano. | ||
Uma semana MEGA produtiva a todos! Vamos pra cima! |