Dois anos e três meses vivendo da fé
10
0

Dois anos e três meses vivendo da fé

pedi a Deus que se fosse para eu não aceitar a proposta que ele mandasse uma cliente ruiva na floricultura naquele dia.

HS Naddeo
9 min
10
0
Email image

Todo mundo já passou por adversidades na vida, alguns por mais, outros por menos. E nem sempre é o tamanho ou a gravidade do problema que faz diferença, mas, principalmente, a maneira como lidamos com a situação.

Em fevereiro de 2020 realizei um sonho, abri uma pequena floricultura, na verdade uma flora, mais dedicada a plantas ornamentais do que a propriamente à flores. O investimento foi menor do que a expectativa. Estudei bastante sobre o negócio em si, sobre comprar, vender, cuidar dos diversos tipos de plantas, cada qual com sua exigência específica, e muito grato a Deus por ter me permitido tais conquistas. Mas ele não me avisou que uma pandemia se instalaria no mundo exatamente no mês seguinte, e eu já não podia mais voltar atrás. O investimento estava consumado.

Entre aberto, semi-aberto e fechado, toquei os primeiros meses de pandemia, e fiquei até surpreso com os resultados. Como a maioria das pessoas ficou em casa, muitos resolveram investir em seus jardins e em plantas para decorar o interior de suas casas. Foram boas vendas, que me obrigavam a repor com rapidez determinados tipos de plantas. Foram seis meses de um fluxo razoável de clientes que me fizeram crer que, apesar da pandemia, nem tudo estava perdido. O negócio se pagava e sobrava uma beiradinha que dava para bancar algumas poucas coisas da vida pessoal.

Chegou então o mês de agosto de 2020, e quem tinha que investir em jardim, plantas e reformas, já tinha feito nos meses anteriores. A clientela sumiu. Poucos eram os "gatos pingados" que apareciam por lá. Eventualmente uma boa venda para um único cliente, e outras pequenas vendas unitárias para pessoas que realmente gostam de plantas e não ficam sem comprar. Mas não foi só isso. Quando o desemprego se abateu na população, muita gente achou que abrir uma floricultura era um bom negócio. E na região onde me estabeleci, ao invés de 3 floriculturas, num raio de 1 quilômetro ao redor abriram cerca de 12 a 15 novas floriculturas. Alguns transformaram garagens, outros colocavam plantas na porta de casa, outros vinham de carro cheios de plantas e estacionavam em locais de grande circulação.

Só que as coisas sempre podem piorar. E supermercados, açougues, casas de ração e lojas de utilidades também começaram a vender plantas. E, como exemplo, plantas que eu vendia a 60 reais começaram a ser vendidas por essa concorrência toda por 40, 30. Enquanto eu comprava 4 samambaias um supermercado com 200 lojas comprava 4 mil. Enquanto eu reduzia minha margem de lucro pela metade, ferindo de morte o planejamento do negócio, ambulantes e vendedores de garagem se contentavam em ganhar qualquer coisa em cima do valor de compra. E por mais que eu me esforçasse, não conseguia convencer o consumidor leigo a diferença entre meu preço e o preço de algumas dessas concorrências. Não adiantava explicar que o preço de compra de 4 samambaias é totalmente diferente do preço pago por quem compra 4 mil plantas iguais.

Você pode estar se perguntando o porquê de eu falar de floricultura e pandemia se o título desse artigo é fé. Pois bem, vamos a ela.

Em março de 2021 um amigo dono de uma pousada em Carrancas me fez uma oferta que, inicialmente, parecia tentadora. Convidou a mim e a minha mulher para nos mudarmos para Carrancas e administrar sua pousada. Eu recebi a oferta com muita honra, mas com muitas dúvidas sobre o que fazer. Já minha mulher, que eu achei que rechaçaria a proposta de cara, gostou da ideia e se mostrou disposta a aceitar. Alguns dias se passaram e eu tinha que dar uma resposta ao meu amigo, e eu não tinha a resposta, mas tinha no meu coração um incômodo, que não sabia como resolver.

Então, na manhã do dia D, debaixo do chuveiro, fiz uma oração e pedi a Deus um sinal se deveria ou não aceitar a proposta. Silenciosamente, para que o inimigo não pudesse ouvir, pedi a Deus que se fosse para eu não aceitar a proposta que ele mandasse uma cliente ruiva na floricultura naquele dia. Saí do banho e não comentei nada com minha mulher sobre o sinal. E logo antes de sair de casa ela fez uma oração em voz alta e, sem saber do meu pedido e sem especificar nada, pediu a Deus que nos sinalizasse o que deveríamos fazer.

Chegando na floricultura, cumpri minha rotina de ver se estava tudo bem com as plantas, e fui para dentro do escritório começar meu dia, iniciando por lavar os copos que deixei na pia no dia anterior. E enquanto estava ali lavando copos, parei, olhei para cima e disse: "Deus, olha só, quem me deu essa floricultura foi você! Então me ajuda a fazer isso aqui florescer, porque eu não quero ir para Carrancas!". Isso não foi nem uma oração, mas um desabafo. E terminei de lavar os copos, ajeitei algumas coisas, peguei minha cadeira, coloquei para fora do escritório e ali fiquei esperando que algum cliente aparecesse, mesmo ciente de que eles não apareciam com a frequência desejada.

Pois então, quando já era perto de 11:30 da manhã, um carro estacionou na rua da floricultura. Eu ali sentado, até por segurança, fiquei prestando atenção. E do lado do passageiro desce uma mulher, advinha só, ruiva. Junto com ela desceu pelo lado do motorista um homem. Absolutamente incrédulo, apostei que eles estavam indo na loja de tintas que fica quase em frente, ou na loja de reformas de sofás que ficavam ao lado. Mas eles entraram na floricultura mesmo. Eu continuava incrédulo. O homem veio falar comigo, disse quais plantas queria, eu mostrei, disse o preço, ele concordou e então fui pegar a máquina de cartão para finalizar a venda. A moça ruiva, ficou andando pela floricultura.

Enquanto passava o cartão, fiz travei o seguinte diálogo com o homem, diria que consigo ser literal na reprodução:

Eu - Aquela moça é sua esposa, sua filha?

Comprador - Não. É uma colega de trabalho que coincidentemente pegou uma carona comigo hoje.

Eu - Você considera que ela é ruiva?

Comprador - Minha mulher é ruiva, minhas filhas são ruivas. Ela pinta o cabelo de vermelho, mas não deixa de ser ruiva.

Nisso a moça se aproximou, e eu resolvi contar a eles todo o desenrolar daquela manhã, do sinal que pedi a Deus, do meu desabafo enquanto lavava os copos, e da minha surpresa e incredulidade ao vê-los entrando na floricultura. E para que eu ficasse ainda mais surpreso, ele disse ser da igreja pentecostal e me pediu se poderia fazer uma oração, no que eu concordei. E foram embora.

Eu precisava contar aquele acontecimento para minha mulher, porque eu chorava copiosamente depois que eles saíram. Contei a ela, liguei para meu líder de célula, ainda chorando, e fiquei nesse estado por cerca de uma hora e meia. E, obviamente, a decisão estava tomada. Eu não iria para Carrancas, e minha mulher concordou. Liguei para o meu amigo, narrei a ele tudo o que acabo de contar a você, e ele não apenas aceitou e concordou como me estimulou a continuar com a floricultura.

Cerca de 1 anos e 2 meses se passou após esse episódio. E na última quinta-feira, 5/5/2022, fechei a floricultura. Foi um período de extrema dificuldade, no qual em diversos momentos pudemos contar com a solidariedade e generosidade de amigos e parentes, ofertas em dinheiro que nos ajudaram a sobreviver e pagar as contas, ora atrasadas, mas em momento algum perdemos a paz ou contestamos Deus. Algumas vezes perguntei a ele aonde queria me levar com todas as adversidades, mas não questionei, não esbravejei, não amaldiçoei, porque em momento algum perdi a fé. Cheguei a perguntar a ele se era fé mesmo ou irresponsabilidade da minha parte lidar com tudo isso apenas crendo que no momento certo ele daria um novo destino para as nossas vidas. E no momento certo, contando com a ajuda e generosidade da minha filha mais velha e meu genro, fechamos a floricultura e nos mudamos para um apartamento que fica a dois quarteirões da igreja na qual congregamos.

Em todo esse período eu pensei muito em Jó. Longe de comparar nossa situação ao que ele passou, mas entendi com muita profundidade o que significa fé e a paz que elas nos traz, independente do que está acontecendo ao nosso redor. Só a crença em um Deus soberano nos dá o entendimento de que não temos o controle sobre os acontecimentos, e que tudo tem um propósito muito além do nosso entendimento. Como explicar a tranquilidade no meio da tempestade, a falta de medo diante de desafios tão duros, se não pela fé e pelo cuidado de um Deus que olha por cada um de nós, mesmo que nos veja em dificuldades. E como aprendemos mais diante das dificuldades do que com as facilidades!

Dizem que em casa que falta o pão todos brigam sem razão. Pois eu e minha mulher não brigamos em momento algum, nem nos mais agudos. Podemos ter discordado da opinião um do outro em alguma coisa pontual, mas não só nos mantivemos unidos como fortalecemos ainda mais nossa união. Unidos especificamente na fé em Deus e em Jesus Cristo, cientes de que não somos nada diante deles e ao mesmo tempo somos tudo para eles.

Essa não é uma história triste, porque, de verdade, não estou triste. Não vou dizer que não fiquei triste o desestimulado nesse período. Mas sempre que algo me abatia uma palavra de alento, uma mão amiga ou um acontecimento inesperado surgiam na hora que eu mais precisava, coisas providenciais que me faziam enxergar que o melhor estava ali na frente e não no momento que eu estava vivendo. Mesmo antes da minha conversão quando um problema surgia na minha vida eu me perguntava se era a pior coisa pela qual eu já tinha passado ou se já havia passado por coisa pior antes. E me fazia estas perguntas para concluir que se já tinha me acontecido coisa pior, eu sobrevivi a ela. E se esse era o pior momento, eu também sobreviveria a ele. Eu só não sabia que o nome que se dá a isso é fé, e que um Deus grandioso guiava meus passos, mesmo quando eu ainda não acreditava nele.

Então repito: todo mundo já passou por adversidades na vida, alguns por mais, outros por menos. E nem sempre é o tamanho ou a gravidade do problema que faz diferença, mas, principalmente, a maneira como lidamos com a situação.

E fica aqui meu testemunho. Com fé em Deus não há situação com a qual não podemos lidar.