Eu não gostava de crentes, muito menos queria ser um.
0
0

Eu não gostava de crentes, muito menos queria ser um.

Fui ateu até os 45 anos. Passei a acreditar em Deus porque antes de conhecê-lo eu conheci o demônio…

HS Naddeo
10 min
0
0
Email image

Quando minha filha mais velha se converteu, a primeira na família a dar esse passo, eu fiquei escandalizado. E não apenas isso. Inclusive zombei disso em muitas ocasiões. Fiquei buscando entender aonde tinha errado na criação dela, como se alguma ação minha ou da minha mulher pudesse ser decisiva para essa decisão. Porém, era fato, e não havia nada que eu pudesse fazer para que isso fosse mudado. E não foram poucos os atritos que tivemos em função dessa decisão, que naquele momento eu não entendia que era dela e que não tinha absolutamente nada a ver com a criação que demos, ou comigo, ou com a minha mulher.

Mas, se alguma coisa poderia se complicar ainda mais naquele momento, complicou. Minha mulher se converteu. E eu pirei. Como assim minha mulher crente? Minha filha já era casada quando se converteu, e não foi apenas ela, seu marido também havia se convertido. Mas eu não iria me converter nem a pau! Imagina, eu, que até os 45 anos de idade era ateu convicto, não tinha a menor chance de me converter. Zero chance. E tal foi meu desagrado com a decisão dela, que ameacei me separar. Foi uma luta. Eu simplesmente não admitia. Durante pelo menos uns nove meses nossa relação ficou abalada, e só não estremeceu de vez por um acordo que fizemos de que nada no nosso casamento deveria mudar.

Quando minha mulher me disse que iria se batizar, e me convidou para assistir seu batismo, eu me recusei veementemente, e perguntei a ela aonde isso ia parar. Ela chorou muito, e eu, no meu orgulho e no meu preconceito, não me abalei. Só conseguia enxergar que nosso casamento fatalmente acabaria uma hora ou outra. Diferentemente da minha filha, que tinha sua casa, eu tinha certeza de que não daria conta de conviver com uma esposa crente debaixo do mesmo teto, que naquele momento nem era a nossa casa, mas a casa dos meus sogros. Eu e ela moramos 4 anos no exterior, havíamos voltado ao Brasil há poucos meses e, dadas as condições do Brasil em 2017 e 2018, não estava fácil nos restabelecermos.

Durante esse período fui convidado por ela a participar da célula, ao menos para conhecer o que era, e eu me recusava terminantemente a saber sequer o que acontecia na célula. No meu íntimo eu imaginava um monte de gente muito chata, mulheres de cabelo cumprido, de saias cumpridas, homens velhos de terno, Bíblia debaixo do braço, orações incessantes, e eu não entendia como alguém poderia gostar de participar daquilo, muito menos eu participar daquilo. Simplesmente não tratava do assunto e dava pouca importância quando ela falava alguma coisa. Várias vezes eu a levei e busquei na célula, mas me recusava até a entrar na portaria do prédio onde a célula acontecia, chegava em cima da hora para não ter que dispensar o convite para subir e conhecer as pessoas.

E assim foi transcorrendo o difícil ano de 2018. Eu, então com 54 anos, muita dificuldade de conseguir um trabalho, fui levando, fazendo um bico aqui, outro ali, mal ganhando o suficiente para ajudar no orçamento da casa, menos ainda para ter a minha própria casa, sufocado por estar vivendo sob o teto dos meus sogros, sem a liberdade que temos quando estamos no nosso próprio lar, fui levando, até que em setembro daquele ano, numa manhã de segunda-feira, minha sogra foi vítima de uma embolia pulmonar. Diante dos nossos olhos, ela desfaleceu, teve uma parada cardiorrespiratória, milagrosamente revertida através da massagem cardíaca feita pela minha mulher. Chegaram então 3 ambulâncias para dar atendimento à minha sogra, e durante esse atendimento foram mais 3 paradas cardiorrespiratórias, também revertidas pelos médicos. Dali minha sogra foi levada em estado grave para o hospital, ficando cerca de 60 dias em coma profundo, pouco a pouco convertido em estado de vigília. Retornou para casa sem andar, falar, mover qualquer membro, sendo alimentada por sonda e usando fralda geriátrica, mudando completamente o ritmo de nossas vidas e a própria maneira de encarar a vida.

Com minha sogra ainda no hospital, no início de novembro de 2018 o problema foi comigo. No fim da tarde de uma sexta-feira chuvosa, sofri um infarto, que só não foi mais grave porque fui levado pelo meu sogro ao hospital a tempo, ele que revezava com minha mulher o acompanhamento da minha sogra que estava em outro hospital. Fui para a UTI e no dia seguinte pela manhã passei por uma angioplastia com a colocação de um stent. Na segunda-feira recebi no quarto a visita dos médicos que me disseram que não morri por milagre. Fiquei no hospital mais quatro dias e fui liberado para ir para casa, exatamente no dia seguinte ao retorno da minha sogra para casa, nas condições de saúde que descrevi acima. Na semana seguinte ao meu retorno, minha mulher, que já não tocava mais no assunto de religião comigo, novamente me convidou para ir à célula com ela, o que eu, mais uma vez, recusei, deixando ela muito triste com isso. Naquele dia eu senti ter negado isso à ela, mas me mantive firme e não fui.

Nos primeiros meses de 2019 minha sogra sofreu uma dupla trombose muito séria na perna, venal e arterial, tendo sido levada para o hospital e recebendo como diagnóstico prematuro a necessidade de vir a amputar a perna, ou no mínimo o pé. Foi rapidamente levada para cirurgia com tal expectativa. Mas, segundo as palavras dos médicos que fizerem o procedimento, "por milagre" não foi necessário amputar absolutamente nada. E em poucos dias ela retornou para casa, ainda nas mesmas condições gerais que estava antes, mas, mesmo antes da trombose, já apresentando sinais de consciência, sem que isso se mudado seu quadro motor, sendo ainda totalmente dependente da minha mulher e do meu sogro para tudo, além de ser assistida por fisioterapeuta, fonoaudióloga e terapeuta ocupacional. Paralelo a isso, o que foi agravando foi o estado depressivo do meu sogro, que se recusava a receber qualquer tipo de ajuda profissional para tratar dele mesmo. Até que em junho de 2019 meu sogro tirou a vida da minha sogra e sua própria vida, mergulhando nossa história em uma tragédia surreal e mudando para sempre o rumo de nossas vidas.

Não citei esses fator a fim de dramatizar ou causar comoção, ainda que me pareça inevitável por mais que eu trate as palavras para evitar esse entendimento. Meu intuito foi a contextualização dos acontecimentos para poder chegar ao propósito desse texto.

Na manhã seguinte à tragédia, fomos obrigados a comparecer ao Instituto Médico Legal que executava os procedimentos legais obrigatórios quando acontecem esses casos. E quem esteve e ficou lá até sairmos foram os líderes da célula da minha esposa. Não sei o que teria sido dela se não fosse sua fé em Deus e o acolhimento dado por esses líderes e pelos companheiros da célula. Nem parentes mais próximos lhe deram o mesmo apoio e conforto proporcionado por essas pessoas.

Durante o mês que se seguiu a esses acontecimentos, eu decidi que iria à reunião da célula com ela, por pura gratidão ao que essas pessoas fizeram. Não me lembro mais se me ofereci ou se ela me convidou, mas fui. E fui logo dizendo que estava ali por gratidão, que não tinha o menor interesse em me converter. Seria um mero ouvinte, uma companhia para minha mulher. Reparei naquele dia que não havia mulheres de cabelos cumpridos ou saias cumpridas, nenhum home de terno, a maioria usava a Bíblia através de um aplicativo no celular, ninguém ficou orando desesperadamente, uma oração inicial e uma final, rápidas, objetivas, uma discussão agradável a partir da leitura de alguns poucos trechos da Bíblia, e ainda por cima no final um lanchinho muito interessante. E acabei voltando na semana seguinte, e na outra, e na outra, até que me vi evitando qualquer tipo de compromisso às quarta-feiras à noite. Mas ainda inarredável na posição de vir a me converter. Acabei passando o réveillon de 2019/2020, veja você, na igreja com a minha mulher. Eramos só nos dois. Nossa filha mais nova, que morava conosco ainda, tinha seus programas, e minha mulher queria muito passar a virada de ano na igreja. E como eu já conhecia algumas pessoas e não estava disposto a passar a meia noite sozinho, ou deixar que ela fosse sozinha, concordei em ir com ela.

Durante o ano de 2020 muito acontecimentos me levaram a repensar minha posição em relação à conversão, através do entendimento do que é ser crente. Ser crente, para mim, hoje, é crer em Jesus Cristo como único salvador. É crer que ele de fato morreu para quitar os pecados da humanidade, de dar aos homens uma nova oportunidade. E isso não tem nada a ver com religião. Jesus não fundou nenhuma religião. Ele foi porta voz da palavra de Deus, sendo ele mesmo Deus e seu único filho, o que, no meu entendimento, é infinitamente maior do que qualquer religião. E crer em Jesus como meu salvador era a única coisa que eu precisava fazer, simplesmente externar isso em uma oração para aceitá-lo. Porém, mesmo já tendo este entendimento, eu só fiz essa oração em janeiro de 2021, por vontade de fazer, das mesma maneira que me batizei em maio de 2021, o que só não aconteceu antes por causa da pandemia.

Como eu disse no começo desse texto, fui ateu até os 45 anos de idade. Passei a acreditar em Deus porque antes de conhecê-lo eu conheci o demônio, de verdade, cara a cara, duas vezes, e era impossível ter a convicção da existência do demônio e não acreditar na existência de Deus. E foi Deus quem me livrou do demônio quando certo dia estive prestes a tirar minha própria vida. Mas essa história eu vou contar em outra postagem, pois não é o foco desse texto.

Penso que quem não nasceu em um lar evangélico, ou pelo menos não professava alguma religião, tem o preconceito como primeiro obstáculo para vir a se converter. Vergonha de ser chamado de crente ou de evangélico, visão diminuta do que contém na Bíblia, preconceito com os evangélicos. Eu os achava ignorantes, limitados, tapados, pobres de intelecto. Enxergava o mundo pelo ponto de vista do mundo, e não da fé ou do que Deus pode, de fato, fazer por cada um de nós. E continuo muito distante de ser um crente que possa ser referência de alguma coisa para alguém. Tenho ainda muitas dúvidas, discordâncias, entendimentos racionais de muitos fatos narrados na Bíblia. Mas não tenho mais dúvidas do poder de Deus e da existência de Jesus e do que ele veio fazer pela humanidade.

Não sou da turma que gosta de ouvir louvores, continuo sendo questionador nas reuniões da célula, assisto o culto online mas ainda não me sinto à vontade para ir na igreja, me perco em julgamentos que não deveria. não tenho o hábito de ler a Bíblia, enfim, estou no início de uma caminhada, mas sei que estou no caminho certo, que é o único caminho que leva a Deus.

Hoje, minha filha mais velha, minha mulher, eu e minha filha mais nova somos todos convertidos. E eu não me incomodo de me autodenominar crente, nem de ser chamado de crente, porque quem crê em Jesus, quem crê em Deus, quem crê verdadeiramente na salvação e na redenção dos nossos pecados não pode e nem deve aceitar ser chamado de outra coisa se não crente, mesmo sendo apenas um crente de primeira viagem.