O cancelamento é uma prática nefasta, não há dúvidas.
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O cancelamento é uma prática nefasta, não há dúvidas. | ||
Entretanto, há contido nisso um caráter de inabilidade social pouco observado. | ||
A pessoa que busca o cancelamento de um desafeto, ou de alguém com quem travou uma discussão acalorada, ou mesmo de um parente com quem se desentendeu, demonstra um evidente despreparo para viver em sociedade. | ||
Não descarto aqui, evidentemente, a possibilidade do puro e simples mau caratismo do sujeito que tenta destruir a imagem de alguém para alcançar seus próprios interesses e satisfazer seu ego carente de aceitação. Acredito, tão somente, que um grande número de pessoas se dispõe a tal desonra por não saber se comportar em meio a uma coletividade. | ||
Em diversas conversas que temos no nosso cotidiano, proferimos ou ouvimos o interlocutor dizer a seguinte frase: “lidar com pessoas não é fácil”. Como grande parte dos clichês existentes, há razão para tal conclusão. Lidar com pessoas é realmente algo que necessita aprendizado, experiência, tato social e, sobretudo, coragem. Ocorre que não são poucas as pessoas que não possuem nem aprendizado, nem tato social e cuja experiência se limita a um pequeno círculo de conhecidos que dificilmente provocam alguma confrontação, fazendo com que a coragem não seja necessária. | ||
Isso pode ser observado desde a infância, quando alguns coleguinhas claramente não conseguem assimilar determinados códigos de conduta implícitos na relação. São vários acordos de convivência que estabelecemos em benefício mútuo. Não é legal dedurar alguém, por exemplo. As pessoas rejeitam quem tem esse tipo de atitude. Nesse mesmo sentido, desde muito jovem, também é possível distinguir quais são os problemas que se deve resolver por conta própria e quais os problemas em que se faz necessária a intervenção de um terceiro. Quando um companheiro de turma recorre à coordenadora do colégio, ou a seus pais, porque foi chamado de “feioso” por outro aluno, isso acaba por ser um tiro no pé. A sala toda vai considerar a atitude vergonhosa, porque aquilo não era motivo suficiente para extrapolar os limites da classe. Aqui se faz presente outra lei do convívio social: o que acontece em Vegas, morre em Vegas. E a vida segue. | ||
Infelizmente, temos desenvolvido, cada vez mais, a necessidade de intervenção de outrem e abdicado da responsabilidade de nos defendermos sozinhos. A criança, que em tudo precisava de amparo, se torna o adulto que não consegue manter seus problemas no âmbito da vida privada, buscando, na exposição do conflito, aniquilar o adversário através do apoio de uma autoridade. E não preciso recorrer a outro clichê para que lembremos que a voz do povo é a maior das autoridades possíveis. Assim, temos a exposição máxima por fato mínimo. Algo que poderia ser facilmente contornado se transforma no assassinato de reputação (às vezes irreversível) de uma pessoa, em razão da irresponsabilidade de outra. | ||
Vivemos a Era da Pópis, icônica personagem do seriado “Chaves”, que retratava uma menina mimada cuja solução a qualquer mínimo problema apresentado era afirmar- com ares de afetação: “eu vou contar tudo pra minha mãe!”, ou ainda “mas eu vou te acusar!”, ou a mais famosa “conta tudo pra sua mãe, Kiko!”. Podemos extrair disso a lição de que uma pessoa covarde não se contenta em apenas ter a covardia como atributo, é preciso distribuí-la aos que a cercam. | ||
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