Justiceiros togados
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Justiceiros togados

Há muito se discute a possibilidade de o Poder Judiciário agir para proteger/conceder direitos que não possuem expressa previsão legal, ou atuar onde existe uma zona cinzenta, indeterminada.

Matheus Henrique
3 min
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Há muito se discute a possibilidade de o Poder Judiciário agir para proteger/conceder direitos que não possuem expressa previsão legal, ou atuar onde existe uma zona cinzenta, indeterminada.

A ideia seria de que determinadas demandas sociais, ainda que observadas na esfera individual, são urgentes e não podem aguardar o processo de construção legislativa. Seria necessária uma resposta imediata do Estado para salvaguardar valores básicos e intrinsicamente relacionados à finalidade maior de nossa Constituição Federal: a proteção da dignidade da pessoa humana.

Não há dúvida de que tais preocupações são nobres, válidas e impõem a necessidade de uma ampla apreciação de todos que pensam o Direito Pátrio, com vistas a determinar hipóteses, analisar consequências e impactos no sistema jurídico e, por fim, julgar a viabilidade de tais ações na esfera do Poder Judiciário. 

Ocorre que todo esse caminhar foi interrompido, terminando por ser solenemente ignorado. Tal debate se tornou tão amplo que escapou ao âmbito do Direito, se convertendo em uma verdadeira questão político-ideológica. Dessa maneira, movimentos progressistas entenderam que o campo de atuação política deveria ser ampliado e, então, passaram a militar e concentrar esforços não somente nos Poderes Executivo e Legislativo, mas espraiando-se também ao Judiciário. 

O ativismo de grupos de esquerda passou a ser observado na atuação jurisdicional, fazendo com que juízes tivessem uma ampliação de seu campo interpretativo até os limites de sua própria ideologia. Não é preciso muito esforço para que se perceba o quão prejudicial isso é em termos de segurança jurídica. Se a nossos magistrados é permitido fazer política, todo o ordenamento passa a ser, apenas, ornamento. 

É exatamente isso que temos visto nos últimos anos, decisões que se baseiam em nada mais do que o critério ideológico do julgador, buscando defender interesses que em nada se relacionam com os ensinamentos do Direito. A Corte Maior do país, guardiã da Constituição, por vezes adota posicionamento contrário aos dizeres da Carta Magna, sob a alegação de protegê-la. Enquanto isso, diversos atores sociais aplaudem, por compactuar com o posicionamento político adotado.

O que se perdeu de vista, porém, é que o ativismo não é uma exclusividade da esquerda progressista. Ora, havendo liberdade para que juízes sentenciem conforme suas convicções, é evidente que julgadores que possuam matrizes conservadoras e/ou religiosas vão impor tais princípios no exercício de suas funções.

Quando uma juíza atua no sentindo de dificultar, até mesmo obstar, que uma criança de 11 anos, vítima de estupro, interrompa a gravidez conforme disposição legal, não se trata apenas de um erro de prática jurídica, mas de um vício que tem corrompido o sistema jurídico pátrio. Não há análise a ser feita. A família escolheu pelo aborto legal, a criança se manifesta em igual sentido, a norma permite que assim seja: cumpra-se. A qualquer pessoa é permitido discordar da norma, inclusive aos magistrados, mas estes não devem fugir a sua aplicação.

É preciso, portanto, retomar o debate acerca do ativismo judicial e entender as distorções causadas por esse movimento, uma vez que não se pode entregar a clareza e a coerência da norma, criada no seio do debate público e após ampla apreciação, aos devaneios momentâneos de paixões políticas.

Reprodução.
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