O Google tem um problema, e eu posso provar
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O Google tem um problema, e eu posso provar

Você provavelmente deve ter lido a matéria que diz que executivos do Google sugerem que o Instagram e o TikTok estão comendo seus principais serviços.

Richard Jesus
8 min
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Você provavelmente deve ter lido a matéria que diz que executivos do Google sugerem que o Instagram e o TikTok estão comendo seus principais serviços.

Considerando que quase 60% da receita do Google vem diretamente das buscas e mais 10% vem de publicidade no Youtube (que também aparece nas buscas) não me parece exagero dizer que algo está bem errado.

Segundo a matéria do TechCrunch, cerca 40% dos jovens (entre 18 – 24 anos) estariam usando o Instagram e o TikTok quando precisam descobrir algo, em outras palavras sempre que precisam buscar um lugar para comer ou conhecer não recorrem mais nas buscas do Google.

Isso, na minha visão, não é surpresa alguma e estaria ocorrendo pelos seguintes motivos:

1. Listas são chatas e enviesadas (incluindo essa)

No início da internet não tinham muitas opções de pesquisa.

Antes do Google eu usava o Altavista, onde a experiência também era baseada em listas — só que bem piores — porque os resultados eram menos relevantes. O Google melhorou muito o nível dos resultados, mas ainda são listas (e elas são chatas).

Você tem uma lista de resultados e alguns deles tem fotos, algumas vezes você tem publicidade antes e algumas vezes têm um mapa que você não sabe bem como usar.

Moro em Portugal, e fiz a pesquisa “onde comer em lisboa”, capital do país:

Captura de tela de resultado para "onde comer em Lisboa"
Captura de tela de resultado para "onde comer em Lisboa"

Temos uma grande densidade de texto, e por isso a carga cognitiva é alta. Nesses casos privilegiamos o primeiro item pela própria preguiça de ter que ler todos os resultados — isso é inclusive um viés cognitivo chamado de viés de posição¹. Não é a toa que quase 30%² das pessoas escolhe o primeiro resultado.

Isso é algo tão gritante que entre quem faz otimização para buscadores (SEO), existe o seguinte ditado:

“O melhor lugar para esconder um cadáver é a página dois do Google.”

Distribuição de cliques na primeira página de resultados do Google (Sistrix)
Distribuição de cliques na primeira página de resultados do Google (Sistrix)

Então você acaba escolhendo entre um desses resultados, sem saber onde vai dar, indo e voltando entre sites ruins, até achar algum blog ou site de restaurante bem ranqueado que atenda suas expectativas.

E aí, começa outro problema: ainda que o Google tenha o melhor algoritmo do mundo (e super secreto), você provavelmente encontrará várias figuras carimbadas como TripAdvisor, Hotels.com, Opentable e outros sites de conteúdo extremamente otimizado e chato.

Esses players aprenderam a dominar as páginas de resultados, mas nem sempre oferecem a melhor experiência.

2. O Amazon já havia mostrado isso

O meu estalo começou no famoso estudo da Jump que mostrou que a Amazon havia ultrapassado o Google na busca por produtos, inclusive de longe em categorias específicas como fones de ouvido.

A Amazon também usa listas, só que:

  • Elas têm menos resultados por tela,
  • Possuem fotos dos produtos, e claro
  • Possuem as famosas avaliações (reviews), onde podem ser brutalmente honestos e úteis.
Distribuição de cliques por posições na primeira página de resultados no Google
Distribuição de cliques por posições na primeira página de resultados no Google

3. Buscamos onde passamos mais tempo

Passamos horas em redes de feed como o Instagram e o TikTok. São praticamente máquinas de cassino, gerando entretenimento infinito de forma aleatória, produzido e curado pelos próprios usuários.

Recentemente ambas as redes tem apresentado mais vídeos.

Não é para menos, nosso esforço mental assistindo um vídeo é muito menor que lendo este artigo ou as listas do Google, onde, além de tudo, você está sempre tentando diferenciar conteúdo real de publicidade.

Como você passa mais tempo no Instagram ou TikTok, vai acabar procurando pelo que deseja nessa mesma rede — talvez pelo viés de disponibilidade, que nos faz pensar naquilo que seja mais disponível em nossa mente mesmo que não seja o mais representativo, nesse caso um buscador propriamente dito.

4. A experiência Instagram

Admito, antes desse artigo eu já utilizava o Instagram como fonte de descobertas, afinal é tão mais simples navegar pelos locais, buscar restaurantes e depois ir na aba onde usuários marcam o local, para ver fotos geradas pelos próprios usuários e portanto “mais reais” na minha percepção.

Não muito tempo atrás o Instagram melhorou ainda mais isso, criando uma interface de mapa onde vejo os locais no próprio mapa.

Se você estiver no próprio local ainda é possível filtrar por várias categorias, como restaurantes, cafés, pontos turísticos, etc.

Captura de tela do Instagram, mostrando sua funcionalidade de busca local
Captura de tela do Instagram, mostrando sua funcionalidade de busca local

Selecionando um deles o resultado ainda é uma lista, mas dessa vez bem mais interessante, com apenas 4 resultados por visualização e muitas fotos.

Clicando em qualquer uma delas você visualiza o perfil do local, longe do ideal, mas uma experiência bem mais visual que o Google.

O grande problema aqui é o próprio perfil da rede, ao ver o perfil do local com fotos geradas pelos usuários algumas vezes as fotos são de usuários no local, não dos pratos (neste caso de uso).

Na prática você está tentando ver qual a especialidade do restaurante e não uma jovem de vestido posando numa poltrona.

5. A experiência do TikTok

O “aplicativo chinês das dancinhas” surpreende de longe aqui. 

Fica bastante claro porque os jovens têm usado o TikTok ao invés do Google, os resultados são inesperados, só de olhar essa captura de tela dá vontade assustadora de clicar nos “7 lugares secretos para comer em Lisboa” embora nem sequer esse seja o mais curtido nesta visualização.

Captura de tela do aplicativo Tiktok, para o termo "o que comer em lisboa"
Captura de tela do aplicativo Tiktok, para o termo "o que comer em lisboa"

Porque acredito que essa interface é melhor que o Google:

  • Existem menos elementos por visualização, isso gera menor esforço cognitivo, é fácil entender o que acontece e dá mais vontade de interagir
  • Sabemos que os resultados são vídeos curtos, simples o suficiente para decidir se quer saber mais sobre ou não sobre um local
  • Os resultados são criados e curados por usuários, a chance de algo que seja “polido demais” aqui é menor que nos resultados do Google
  • Embora seja uma lista o primeiro resultado não é necessariamente o mais curtido, dando a sensação que os resultados são curados de outra maneira.

Toda essa análise faz relação direta com o conceito de Jobs to be done (JTBD) do professor Clayton Christensen, onde não utilizamos o produto pelo que ele diz ser, mas qual solução resolve melhor nosso problema.

Exatamente nessa ótica o maior concorrente do Netflix não é necessariamente outra plataforma de streaming, mas uma melhor fonte de entretenimento, e isso inclui até a Steam, plataforma de jogos.

Nesse JTBD pelo menos o TikTok parece resolver o problema da descoberta de locais para comer muito melhor que o próprio Google.Cap

Capturas de tela do Google e TikTok
Capturas de tela do Google e TikTok

Uma alternativa de solução

Mas claro, sou designer e seria difícil parar por aqui.

Resolvi rabiscar algumas ideias do que poderia ser feito, e imaginar o impacto de um redesign muito agressivo em seu buscador, então tentei me focar em soluções com o mínimo de impacto possível e usando formatos já utilizados atualmente.

Lembrei que o próprio Youtube já possui shorts, um formato de vídeos curtos parecidos ao TikTok, que exige pouco investimento de tempo e de baixo esforço cognitivo.

Para não quebrar toda uma lógica já existente, deixei esses resultados com uma disposição de navegação horizontalizada, o que é uma decisão complicada, mas o próprio Google já utiliza em seus menus logo abaixo do campo de buscas.

Wireframe do meu redesign proposta para as páginas de resultados (locais) do Google
Wireframe do meu redesign proposta para as páginas de resultados (locais) do Google

Na sequência trouxe um vídeo em formato regular do próprio Youtube, seguindo numa crescente de investimento de tempo, mas ainda de baixo esforço, dessa forma o usuário pode escolher conforme seu próprio contexto de tempo para decidir, imaginando quebras na própria taxonomia de buscas, ou aquilo que o Google chama de micro-momentos. Nesse caso, o micro-momento “Quero ir”.

Seguindo então com os resultados de busca do Google tradicionais, ainda com inserção de imagens dependendo com site disponibilizado, mas gerando uma primeira visualização (antes do scroll) de menos esforço ainda que apresente mais resultados.

Eis o produto final:

Interface visual da proposta e explicação de densidade de conteúdo.
Interface visual da proposta e explicação de densidade de conteúdo.

Interface visual e explicação de densidade de conteúdo

Logicamente existem milhares de pontos dos quais desconheço em termos de dados tanto técnicos, quanto de usuários e estratégicos que deveriam ser considerados ao imaginar uma hipótese como essa.

Mas, é uma provocação do que poderia ser feito para reimaginar parte da experiência do Google em tempos onde os vídeos dominam nosso consumo de conteúdo em escala global.

E, aí o que acharam?

Referências

Ocasionalmente escrevo sobre design aqui no Medium e posto resumos visuais, no meu Instagram, me segue por lá.