Dia 13 (28 de agosto) - “Panis et circenses” - quando a política é o próprio circo e falha em dar o pão!
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Dia 13 (28 de agosto) - “Panis et circenses” - quando a política é o próprio circo e falha em dar o pão!

Apesar de não ser uma exclusividade do Brasil, o baixo nível do debate entre os presidenciáveis reflete o momento atual da política nacional. 

Diogo Machado
4 min
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Apesar de não ser uma exclusividade do Brasil, o baixo nível do debate entre os presidenciáveis reflete o momento atual da política nacional. 

De acordo com a segunda edição do Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN), no final de 2020, 19,1 milhões de brasileiros conviviam com a fome. Em 2022, são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer, o que corresponde a 15,5% da população. Ao contrário do que o atual Presidente diz (de forma mentirosa e leviana), o número de pessoas sem ter o que comer, implorando por ajuda à porta das padarias, é assustador.

Neste cenário de desalento e tristeza, o mundo da política parece mais preocupado em entreter aqueles que assistem ao show de horrores, sentados no sofá, do que em pensar em soluções concretas para os muitos problemas brasileiros.

No debate de ontem, já imaginava que não teríamos muito espaço para discutir propostas e ideias. Pelo contrário. Sabia que seria uma guerra verborrágica focada na criação de memes e lacrações para os diferentes seguidores nas redes sociais. Foi exatamente o que aconteceu. 

Ainda assim, é possível analisar o desempenho de cada candidato e tirar algumas conclusões que podem orientar nossa perspectiva para as próximas semanas.

Lula teve um desempenho muito abaixo daquele apresentado na entrevista. Tive a impressão de que sua estratégia, sabendo da posição de líder nas pesquisas e, consequentemente, alvo preferencial dos demais candidatos, seria baseada em respostas evasivas quanto ao tema da corrupção (como de fato foi) e centrada nos tempos áureos do PT. Foi uma participação protocolar, positiva para quem está na liderança. O petista ainda foi capaz de gerar os citados memes, a exemplo de quando perguntou a Ciro se ele iria para Paris este ano. Mas essas lacrações não rendem votos, apenas animam o caráter futebolesco das eleições. No geral, Lula deixou de aproveitar uma oportunidade a mais de conquistar votos indecisos.

Bolsonaro, por sua vez, deixou o difícil trabalho de conquistar votos do eleitorado feminino ainda mais difícil. Sem conseguir esconder sua real essência por muito tempo, o atual presidente atacou, de forma bastante grosseira, a jornalista da TV Cultura, Vera Magalhães, e a concorrente Simone Tebet. Mais uma vez, Bolsonaro expõe, em rede nacional, toda sua misoginia e masculinidade tóxica. O próprio presidente sabota a principal estratégia de sua campanha apenas sendo ele mesmo. Para mim, o cenário eleitoral fica ainda mais difícil para ele (pensando em segundo turno), pois forneceu mais munição aos adversários e reforçou a antipatia das mulheres.

Ciro Gomes e Simone Tebet tiveram as atuações mais positivas. Foram capazes de articular ideias programáticas e críticas contundentes ao atual governo. O resultado prático disso, entretanto, não deve ser relevante, pois o percentual de eleitores indecisos é muito restrito. A grande maioria gravita em torno dos dois primeiros postulantes. Dito isso, é preciso valorizar a presença de Ciro e Simone, na medida em que demonstram que há, na política brasileira, pessoas qualificadas capazes de elevar o nível da discussão.

Soraya Thronicke somente corrobora minha expectativa de falas lacradoras e memes. Pouco acrescentou ao conteúdo do debate, contribuindo tão somente para o espetáculo do entretenimento (lembro aqui do momento em que ela evocou o “Tchutchuca/Tigrão” para Bolsonaro e se comparou à personagem Juma, da novela Pantanal).  Já Luiz Felipe d’Avila é tão fraco que tive saudade de João Amoedo. Como é possível um sujeito repetir, de forma incessante, que a saída para todos os problemas do Brasil seja privatizar estatais? 

No fim das contas, o debate foi um bom entretenimento para o final do domingo. Nada mais que isso.

É preciso, contudo, pensar um pouco além… Recordo, então, do refrão da canção “panis et circenses”, de Caetano, Gil e cia: 

“Mas as pessoas da sala de jantar / São ocupadas em nascer e morrer”. 

O Brasil está mais alienado e passivo, em 2022, do que estava quando o Álbum-Manifesto da Tropicália foi lançado, em 1968, o mesmo ano em que a ditadura lançou o AI-5! As coisas absurdas e chocantes constantemente repetidas pelo atual presidente não chocam muitos brasileiros como deveriam chocar. 

É preciso sair da sala de jantar.

É preciso pensar o Brasil, a começar pelo voto.

A fome não espera!