Dia 22 (6 de setembro) - Independência para quem?
0
0

Dia 22 (6 de setembro) - Independência para quem?

“A nossa independência de Portugal não é mais do que aquela de um filho que se emancipa”, assim reportou o periódico O Volantim, em 10 de setembro de 1822. 

Diogo Machado
4 min
0
0
Tribo Pataxó - Prado (BA)
Tribo Pataxó - Prado (BA)

“A nossa independência de Portugal não é mais do que aquela de um filho que se emancipa”, assim reportou o periódico O Volantim, em 10 de setembro de 1822. 

O processo político que levou à Independência do Brasil manteve o controle do novo país nas mãos da dinastia Bragança. Foi uma verdadeira negociata palaciana que, apesar da resistência de tropas portuguesas em províncias distantes - Cisplatina, Bahia, Maranhão, Piauí e Pará -, permitiu relativa tranquilidade para as elites do Rio de Janeiro.

A outorga da Constituição de 1824, dois anos após o 7 de setembro, deu ao país que nascia uma Carta bastante liberal para os padrões da época. Nascia um novo país, com promessas de um futuro próspero e repleto de oportunidades.

No entanto, esse liberalismo era anacrônico. Junto com muitos direitos civis, a Constituição manteve o instituto da escravidão e não reconheceu a cidadania de milhões de negros e índios. As bases do Império brasileiro foram, portanto, sustentadas com o sangue de africanos escravizados e de índios que perdiam suas terras em nome do progresso do novo país.

Hoje, 200 anos mais tarde, a realidade mudou muito pouco.

Em pleno Sul da Bahia, na Costa do Descobrimento, um garoto de 14 anos, do povo Pataxó, foi morto por pistoleiros. O motivo? Disputa pela terra. 

Em 2015, os Pataxó obtiveram da Funai o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (RCID), que concedeu aos índios o direito de posse e a retirada dos não indígenas de uma área de 28 mil hectares. Esse relatório, contudo, até hoje não foi homologado.

Os índios têm recuperado sua terra de direito por conta própria. É o contexto perfeito para a violência. Fazendeiros que haviam empossado ilegalmente as terras fazem justiça com as próprias mãos e, segundo relatos, lançam mão de milicianos, armados com fuzis, granadas de efeito moral e outros equipamentos exclusivos das polícias.

Nada novo em um país comandado por Bolsonaro, o presidente que facilitou o acesso às armas, incitou a violência contra índios e quilombolas, e constantemente questiona a política de demarcação de terras indígenas.

Se, em uma região turística e de relevância histórica como a Costa do Descobrimento essas coisas acontecem sem pudor, imaginem o que ocorre na nossa distante região amazônica? A morte diária de índios, de Bruno Pereira, de Dom Phillips e de incontáveis ribeirinhos é apenas uma amostra de uma realidade que está ganhando força, a cada 7 de setembro sequestrado pelo bolsonarismo odiento.

Sejamos sinceros, após 200 anos de existência, o Brasil ainda está dividido: existe um país livre para fazer o que bem entender e outro que ainda é refém do homem branco, detentor do direito de explorar, escravizar e matar, às vezes até de fome, parte da população.

Comemorar o bicentenário da independência será um evento agridoce. Para os minions do atual presidente, que demandam autoritarismo e violência contra as instituições, será um dia de regozijo. Para a maioria esmagadora do país, entretanto, será um dia de reflexão, no qual iremos acumular um pouco mais de força para resistirmos aos últimos meses deste governo de exploração e morte.

PS: Minion é um termo do idioma inglês e que pode ser traduzido para a língua portuguesa como “capanga”, “criado”, “servo” ou “lacaio”.

PPS: Segue o último trecho do comunicado da liderança Pataxó emitido nesta semana:

“Que sejam identificados e criminalizados os assassinos de nosso(s) parente(s), os agentes locais que operam na propagação de mentiras e fakenews para dar suporte e justificar as violências. Que a polícia federal assuma o comando para desintrusão e retirada das milícias e pistoleiros contratados para espalhar a morte e o terror no nosso território, ao longo das estradas de servidão e acessos vicinais. Que a nossa Terra Indígena Barra Velha e Comexatiba seja, finalmente, demarcada!”