Dia 65 (18 de outubro) - Estamos banalizando o autoritarismo e a ignorância
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Dia 65 (18 de outubro) - Estamos banalizando o autoritarismo e a ignorância

A sociedade brasileira tem apresentado, em vários aspectos da vida na coletividade, certos distúrbios de conduta que vão além do bolsonarismo.

Diogo Machado
4 min
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Friedrich Nietzsche
Friedrich Nietzsche

A sociedade brasileira tem apresentado, em vários aspectos da vida na coletividade, certos distúrbios de conduta que vão além do bolsonarismo.

Sim, nós sempre fomos uma sociedade bastante violenta. Nosso país foi construído sobre as vidas de povos nativos e africanos sequestrados de seu continente. Nossa elite, branca, sempre ostentou uma imaginada superioridade perante cidadãos de segunda classe, em sua maioria negros.

Nos últimos dias, tenho refletido a respeito de três lastimáveis episódios, que exemplificam a extrema ignorância e o autoritarismo da sociedade brasileira, mas que não chocam (como deveria) grande parte da população. 

Nós, literalmente, banalizamos certos padrões de comportamento que deveriam ser motivo de vergonha para seus perpetradores.

O primeiro deles ocorreu no Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Imagino que todos aqui já sabem da baixaria que foi a visita do atual presidente ao templo maior da Igreja Católica no Brasil. Seus seguidores, embriagados de ódio, desrespeitaram fiéis que ali estavam para professar sua fé e buscar conforto espiritual para quaisquer inquietações existentes em suas vidas.

Na sequência deste chocante dia 12 de outubro, padres e bispos têm sido repreendidos e confrontados dentro das igrejas por estarem simplesmente defendendo mandamentos cristãos. Vejam só, quanto absurdo e incoerência daqueles que não se cansam de repetir o tosco lema “Deus, Pátria e Família”! É razoável criticar sacerdotes que pedem o fim da violência política e o combate à fome e à miséria?

Essas pessoas que hoje se sentem no direito de invadir templos religiosos, quaisquer que sejam, para contestar e constranger pessoas, podem, no futuro, ser responsáveis pela criação de uma cultura fundamentalista cristã no Brasil. Estamos mais próximos da distopia do que queremos acreditar.

É preciso que os eleitores do Bolsonaro que tenham o mínimo de decência tenham cuidado para não seguir o Deus errado para casa.

O segundo episódio que me provoca inquietação é o crescente número de denúncias no Ministério Público do Trabalho a respeito de assédio eleitoral por parte de “empreendedores”. Os episódios demonstram uma vergonhosa covardia autoritária dessas pessoas, que utilizam de sua posição de poder e da vulnerabilidade de seus funcionários, para ditar o que essas pessoas devem ou não fazer com seu voto.

Sorte a nossa é que não estamos na Primeira República, momento no qual o voto era aberto, o que possibilitava aos coronéis o controle sobre os votos de cabresto. Nós temos um sistema eleitoral que, desde 1932, quando se instituiu o voto secreto e concedeu às mulheres o direito de votar, vem evoluindo (apesar dos ataques autoritários do Estado Novo e da Ditadura Militar). Hoje, nós temos uma Justiça Eleitoral atuante e que recebe apoio da Justiça do Trabalho e do MPT.      

É grave, contudo, constatar que a visão estratificada continua fortemente presente em nossa sociedade. Patrões se acham no direito de comandar o voto de seus empregados, assim como “sudestinos” se vêem em um pedestal de riqueza e intelectualidade superior aos nordestinos. 

Como eu gostaria de um comentário inédito de Ariano Suassuna neste momento!

Finalmente, o terceiro episódio consiste no autoritarismo dentro da Câmara dos Deputados (e olha que nem chegou o reforço da corja de lunáticos eleita no dia 2 de outubro). Ontem, Arthur Lira, presidente da Casa, conseguiu aprovar o regime de urgência para votar uma lei que, na prática, criminaliza erros em pesquisas eleitorais.

Segundo o texto do projeto, os responsáveis pelos institutos de pesquisa que errarem as previsões acima da margem de erro, nos últimos quinze dias do pleito, podem sofrer penas de 4 a 10 anos de reclusão.

Trata-se de uma escandalosa medida autoritária que, antes de tudo, reflete a ignorância da ressurgência da extrema direita, pois as pesquisas nada mais são que ciência. Ora, é preciso ser um completo imbecil para não compreender que pesquisa eleitoral é baseada em dados estatísticos, metodologia científica e análise dos dados coletados. 

Não se trata de um processo de adivinhação do futuro!

Esse mesmo tipo de raciocínio nega a eficácia de vacinas e causa a morte de milhares de pessoas. A COVID-19 escancarou essa triste realidade, mas o processo tem ocorrido há algum tempo e com certa substância. Hoje, estamos testemunhando o retorno da pólio, que havia sido erradicada no Brasil.

Esses exemplos deveriam gerar escândalo e revolta. No entanto, são apenas parte de uma quarta-feira qualquer no Brasil de 2022.

No fim das contas, os problemas da nossa sociedade vão muito além de quem vencerá este segundo turno. Precisamos de um trabalho constante, de formiguinha mesmo, para combater a escalada do autoritarismo e da ignorância. 

Aos eleitores deste presidente, seja lá por qual motivo estão votando nele, um recado retirado de Além do Bem e do Mal: “quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”.