A sociedade brasileira tem apresentado, em vários aspectos da vida na coletividade, certos distúrbios de conduta que vão além do bolsonarismo.
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A sociedade brasileira tem apresentado, em vários aspectos da vida na coletividade, certos distúrbios de conduta que vão além do bolsonarismo. | ||
Sim, nós sempre fomos uma sociedade bastante violenta. Nosso país foi construído sobre as vidas de povos nativos e africanos sequestrados de seu continente. Nossa elite, branca, sempre ostentou uma imaginada superioridade perante cidadãos de segunda classe, em sua maioria negros. | ||
Nos últimos dias, tenho refletido a respeito de três lastimáveis episódios, que exemplificam a extrema ignorância e o autoritarismo da sociedade brasileira, mas que não chocam (como deveria) grande parte da população. | ||
Nós, literalmente, banalizamos certos padrões de comportamento que deveriam ser motivo de vergonha para seus perpetradores. | ||
O primeiro deles ocorreu no Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Imagino que todos aqui já sabem da baixaria que foi a visita do atual presidente ao templo maior da Igreja Católica no Brasil. Seus seguidores, embriagados de ódio, desrespeitaram fiéis que ali estavam para professar sua fé e buscar conforto espiritual para quaisquer inquietações existentes em suas vidas. | ||
Na sequência deste chocante dia 12 de outubro, padres e bispos têm sido repreendidos e confrontados dentro das igrejas por estarem simplesmente defendendo mandamentos cristãos. Vejam só, quanto absurdo e incoerência daqueles que não se cansam de repetir o tosco lema “Deus, Pátria e Família”! É razoável criticar sacerdotes que pedem o fim da violência política e o combate à fome e à miséria? | ||
Essas pessoas que hoje se sentem no direito de invadir templos religiosos, quaisquer que sejam, para contestar e constranger pessoas, podem, no futuro, ser responsáveis pela criação de uma cultura fundamentalista cristã no Brasil. Estamos mais próximos da distopia do que queremos acreditar. | ||
É preciso que os eleitores do Bolsonaro que tenham o mínimo de decência tenham cuidado para não seguir o Deus errado para casa. | ||
O segundo episódio que me provoca inquietação é o crescente número de denúncias no Ministério Público do Trabalho a respeito de assédio eleitoral por parte de “empreendedores”. Os episódios demonstram uma vergonhosa covardia autoritária dessas pessoas, que utilizam de sua posição de poder e da vulnerabilidade de seus funcionários, para ditar o que essas pessoas devem ou não fazer com seu voto. | ||
Sorte a nossa é que não estamos na Primeira República, momento no qual o voto era aberto, o que possibilitava aos coronéis o controle sobre os votos de cabresto. Nós temos um sistema eleitoral que, desde 1932, quando se instituiu o voto secreto e concedeu às mulheres o direito de votar, vem evoluindo (apesar dos ataques autoritários do Estado Novo e da Ditadura Militar). Hoje, nós temos uma Justiça Eleitoral atuante e que recebe apoio da Justiça do Trabalho e do MPT. | ||
É grave, contudo, constatar que a visão estratificada continua fortemente presente em nossa sociedade. Patrões se acham no direito de comandar o voto de seus empregados, assim como “sudestinos” se vêem em um pedestal de riqueza e intelectualidade superior aos nordestinos. | ||
Como eu gostaria de um comentário inédito de Ariano Suassuna neste momento! | ||
Finalmente, o terceiro episódio consiste no autoritarismo dentro da Câmara dos Deputados (e olha que nem chegou o reforço da corja de lunáticos eleita no dia 2 de outubro). Ontem, Arthur Lira, presidente da Casa, conseguiu aprovar o regime de urgência para votar uma lei que, na prática, criminaliza erros em pesquisas eleitorais. | ||
Segundo o texto do projeto, os responsáveis pelos institutos de pesquisa que errarem as previsões acima da margem de erro, nos últimos quinze dias do pleito, podem sofrer penas de 4 a 10 anos de reclusão. | ||
Trata-se de uma escandalosa medida autoritária que, antes de tudo, reflete a ignorância da ressurgência da extrema direita, pois as pesquisas nada mais são que ciência. Ora, é preciso ser um completo imbecil para não compreender que pesquisa eleitoral é baseada em dados estatísticos, metodologia científica e análise dos dados coletados. | ||
Não se trata de um processo de adivinhação do futuro! | ||
Esse mesmo tipo de raciocínio nega a eficácia de vacinas e causa a morte de milhares de pessoas. A COVID-19 escancarou essa triste realidade, mas o processo tem ocorrido há algum tempo e com certa substância. Hoje, estamos testemunhando o retorno da pólio, que havia sido erradicada no Brasil. | ||
Esses exemplos deveriam gerar escândalo e revolta. No entanto, são apenas parte de uma quarta-feira qualquer no Brasil de 2022. | ||
No fim das contas, os problemas da nossa sociedade vão muito além de quem vencerá este segundo turno. Precisamos de um trabalho constante, de formiguinha mesmo, para combater a escalada do autoritarismo e da ignorância. | ||
Aos eleitores deste presidente, seja lá por qual motivo estão votando nele, um recado retirado de Além do Bem e do Mal: “quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”. |