Dia 67 (20 de outubro) - Afinal, é ou não é censura? - parte 2
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Dia 67 (20 de outubro) - Afinal, é ou não é censura? - parte 2

Quando os políticos brasileiros se juntaram para redigir o texto da Constituição de 1988, eles sabiam que seriam necessárias amplas normas destinadas a proteger os cidadãos nacionais, afinal, nosso povo havia sido reprimido por mais de duas d...

Diogo Machado
5 min
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Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes

Quando os políticos brasileiros se juntaram para redigir o texto da Constituição de 1988, eles sabiam que seriam necessárias amplas normas destinadas a proteger os cidadãos nacionais, afinal, nosso povo havia sido reprimido por mais de duas décadas pelo regime ditatorial militar.

Além das restrições a direitos fundamentais, como o direito à vida (não nos esqueçamos, muitos brasileiros morreram por defender nossa democracia), nosso direito de escolher representantes eleitos foi severamente atacado. Em primeiro lugar, o Presidente era escolhido pelo Congresso Nacional (após a cassação de opositores notórios e a extinção dos partidos que vigoraram entre 1945 e 1965, claro). Além disso, o Ato Institucional número 3 determinou eleições indiretas para governadores, que tinham o poder de nomear os prefeitos das capitais de seus respectivos estados.

Nesse contexto autoritário, era de se esperar que nossa nova Carta Magna tivesse um amplo rol de direitos e garantias, que fossem capazes de proteger o cidadão brasileiro de quaisquer investidas autoritárias do governo.

Os direitos e garantias fundamentais encontram-se entre os artigos 5o e o 17, mas não se engane: não existe o direito de espalhar notícias falsas contra candidatos que se opõem a você! 

Sim, o direito à liberdade de expressão não é absoluto!

Os direitos presentes em nossa Constituição são universais, ou seja, protegem todos os brasileiros e estrangeiros presentes no território nacional; irrenunciáveis (você não pode abrir mão de um direito); imprescritíveis (você não perderá seus direitos em decorrência da passagem do tempo); indivisíveis (todos os direitos devem ser igualmente protegidos); e relativos (afinal, não existe nenhum direito fundamental absoluto).

Até mesmo o direito à liberdade de expressão não se sobrepõe aos demais direitos. Ora, a liberdade de expressão (artigo 5o) não pode se sobrepor, em pleno período eleitoral, ao direito que todo brasileiro tem ao sufrágio universal e ao voto direto e secreto (artigo 14). Assim, quando um boçal qualquer divulga um vídeo nas redes sociais e tenta coagir funcionárias a filmarem seu voto, com os celulares presos ao sutiã, além de estar cometendo crime de assédio eleitoral, ele também viola um direito básico de todos nós.

Mas a Constituição Federal, especialmente no título referente aos direitos e garantias fundamentais, é ampla demais. Por isso, leis complementares e ordinárias foram criadas e incorporadas ao nosso ordenamento jurídico para regular o processo eleitoral. Era preciso, pois, não só evitar os abusos da ditadura, mas também tentar combater males da nossa política, como a compra de votos, a coerção eleitoral, a fraude nas urnas e, claro, a desinformação. 

Aqui, caro leitor, se seu amigo bolsominion começar a espernear, não perca a paciência. Converse com ele, leia junto, em voz alta. É preciso cultivar a resiliência!  

Voltando ao assunto, nossa Justiça Eleitoral… vou parar mais uma vez. É preciso enfatizar uma coisa: o Brasil tem um braço do Poder Judiciário especializado no Direito Eleitoral, munido de poderes concedidos pela Constituição, para agir na defesa de nossa Democracia. Se você, leitor bolsonarista, não gosta dessa estrutura normativa, que vá para o Cazaquistão, país do simpático Borat. Lá, muitas das suas demandas já estão sendo atendidas há décadas!

Findada a digressão, exponho duas leis importantes para entendermos toda a polêmica envolvendo a censura nestas eleições: a lei 4.737 (Código Eleitoral) e a lei 9.504 (Lei das Eleições).

São essas duas leis que listam direitos e impõem limites às candidaturas, desde a formação de coligações, passando pelo financiamento de campanhas e prestação de contas, até a propaganda de internet. Perceba, caro leitor, que, para exercermos nosso direito a eleições justas e livres, é preciso relativizar, durante o período eleitoral, o direito à liberdade de expressão.

É com base nessa premissa (simples, convenhamos) que o TSE atua para fazer valer a letra da lei. Não se trata aqui de impor as vontades dos juízes do tribunal, com base em seu julgamento pessoal, mas da aplicação da legislação eleitoral, tendo a Constituição de 1988 como baliza maior.

O artigo 45, da lei 9.504 (Lei das Eleições), por exemplo, diz o seguinte: “Encerrado o prazo para a realização das convenções no ano das eleições, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e em seu noticiário: III - veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes;”   

Com base nessas normas, as representações dos candidatos podem provocar o TSE e demandar direito de resposta, obter liminar para retirar conteúdo falso ou para proibir a repetição de fatos comprovadamente falsos.

Enfim, nosso país, ao longo de sua história, tem construído e aperfeiçoado todo um arcabouço normativo e instituições responsáveis por aplicar as leis eleitorais, respeitando a Constituição e mantendo a lisura do processo. Somos exemplo para o mundo nesse sentido.

É preciso evitar a tentação de querer obter explicações simplórias sobre uma realidade complexa, como tem sido as acusações levianas de censura por parte do TSE.

A luta contra as fake news e as estratégias utilizadas para burlar a atuação do TSE têm colocado um desafio a mais para nossa Justiça Eleitoral e, por isso, o tribunal tem sido tão efusivo. Mas, para criticar, é preciso antes entender os fatos… Ficar gritando palavras de ordem ou compartilhando vídeos postados por bilionários (um salve para Salim Mattar) não adianta nada!

PS: No próximo texto farei uma exposição dos trechos mais importantes das decisões do TSE contra Carlos Bolsonaro, o Brasil Paralelo e outros canais do YouTube, além da Jovem Pan. Após a leitura, vocês verão que é possível discordar da decisão do tribunal, claro. Mas acusá-lo de censor é apenas um exercício raso de estupidez e intransigência intelectual.