Dia 68 (22 de outubro) - Afinal, é ou não é censura? - parte 3
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Dia 68 (22 de outubro) - Afinal, é ou não é censura? - parte 3

Este é o último texto da série, caro leitor. Agora que sabemos a pertinência normativa constitucional e as leis eleitorais utilizadas pelo TSE para embasar suas decisões, é preciso conhecer o mecanismo na prática.

Diogo Machado
4 min
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Este é o último texto da série, caro leitor. Agora que sabemos a pertinência normativa constitucional e as leis eleitorais utilizadas pelo TSE para embasar suas decisões, é preciso conhecer o mecanismo na prática.

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), prevista na Lei de Inelegibilidade, tem como finalidade impedir e apurar a prática de atos que possam afetar a igualdade de candidaturas em uma eleição nos casos de abusos de poder econômico, de poder político ou de autoridade e a utilização indevida dos meios de comunicação social.

É com base na AIJE que o Tribunal Superior Eleitoral tem agido, de forma tempestiva, para evitar certas práticas que disseminam fake news e comprometem a lisura do processo eleitoral.

Na decisão do ministro Benedito Gonçalves, com base no AIJE contra o Brasil Paralelo e outros canais de comunicação em redes sociais, enfatizou-se a importância do mecanismo como medida preventiva, ou seja, o AIJE se presta a evitar que atos continuados que prejudicam a igualdade de condições no processo eleitoral sejam temporariamente suspensos. Mantém-se, pois, a legitimidade do pleito eleitoral.

A argumentação dos representantes da campanha de Lula apresenta dados preocupantes, que corroboram a tese de que as ações do Brasil Paralelo nas redes fazem parte de uma estrutura organizada para a disseminação de notícias falsas, com o fim de gerar vantagem para a campanha de Jair Bolsonaro.

O canal inclusive desrespeita decisões já julgadas contra ele em relação à disseminação de notícias falsas. Isso quer dizer que são reincidentes.

Além disso, foi demonstrado que materiais já reputados ilícitos seguem armazenados em canais do Telegram, para serem acessados a qualquer tempo e novamente compartilhados, criando um ciclo de perpetuação de fake news.

É como se fosse uma perseguição contínua, na qual a Justiça age nos limites de suas possibilidades e os criminosos vão criando novos meios de burlar a lei. E os danos são enormes!

Exemplo disso é o alarmante dado coletado do Google trends, que demonstra que o interesse de internautas pelos termos “marcola voto lula” e “marcola lula” atingiu aumento repentino justamente entre os dias 01 e 02 de outubro. Nesse contexto, foram removidas 340 publicações. Mas esses posts já haviam gerado mais de 180 milhões de interações nas redes sociais.

É uma disputa desigual.

Nessa mesma AIJE, está explicitada a ação coordenada de Carlos Bolsonaro e demais políticos e influenciadores da extrema direita para disseminar notícias falsas e dar a aparência de organicidade para as ações, que se dividem em vários eixos temáticos, quais sejam: “violência e criminalidade”; “religião e costumes”; “descredibilização do sistema eleitoral brasileiro”; e “agenda socioeconômica”.

O ministro Benedito Gonçalves destaca, ainda, a criação de um verdadeira “‘ecossistema da desinformação’ em torno de Carlos Bolsonaro, para produzir, veicular, financiar e estimular o compartilhamento de conteúdos desinformativos (sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados) voltados para atacar Lula e favorecer Bolsonaro”.

Assim, a ação preventiva com base na AIJE não se trata, de forma alguma, em censura, pois age na suspensão de conteúdos e da monetização de canais, com base em evidências de práticas criminosas. Além disso, não consiste em uma decisão final, garantindo aos réus o direito à ampla defesa e ao contraditório.

O “caos informacional” que tomou lugar das redes sociais brasileiras não será extirpado apenas com as recentes ações da Justiça Eleitoral. Essa nova cultura já incutida em nossa sociedade precisa ser combatida sobretudo por meio da educação cívica. É preciso trazer a população para o jogo político, tão descreditado nos últimos anos. 

Sem a interação da sociedade com as regras de conduta do processo eleitoral, de nada adianta medidas tempestivas como as praticadas nos últimos dias… Sem novas normas que obriguem as grandes plataformas a agir de forma célere, de nada adianta decisões judiciais após o dano da circulação indiscriminada de inverdades que, no limite, podem decidir o futuro da nossa democracia.

É preciso questionar o autoritarismo e a intransigência das instituições, mas com o amplo conhecimento dos fatos. Bravatas são nada mais que mimetização da ignorância alheia.

PS: esse texto foi particularmente difícil, pois esclarecer pontos técnicos como uma decisão judicial eleitoral é muito complicado. Além disso, entrar no mérito da decisão poderia deixar o texto bastante cansativo para vocês. Por isso, se algum leitor quiser se aprofundar, pode me pedir o arquivo em pdf com a decisão do ministro Benedito Gonçalves. Quanto à decisão sobre a Jovem Pan, a premissa é a mesma: ação preventiva para suspender a veiculação de notícias notadamente falsas (como a vinculação de Lula com Marcola e o fechamento de igrejas, além da reiterada qualificação do candidato como “ladrão” - conforme a lei, Lula é inocente até que se prove o contrário). Perceba, se você é bolsonarista, que uma rede de televisão não é uma mesa de boteco…