Dia 79 (2 de novembro) - É mais do que histeria coletiva
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Dia 79 (2 de novembro) - É mais do que histeria coletiva

No dia de finados, uma horda de golpistas tomou as ruas de várias cidades do Brasil. 

Diogo Machado
6 min
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No dia de finados, uma horda de golpistas tomou as ruas de várias cidades do Brasil. 

Movidos pelo ódio irracional ao Presidente eleito e pela tradição da direita brasileira de não aceitar os resultados das urnas (que remonta à contestação da eleição do ex-presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1945, pela derrotada UDN), criminosos manifestantes foram às portas de quarteis demandando (até suplicando) uma tal “intervenção federal”.

Eu não tive estômago para ficar mais do que alguns minutos em uma dessas manifestações golpistas. Aliás, só fui porque infelizmente uma delas se passava na esquina da minha casa. Por isso, reproduzirei um “fio” do Twitter do repórter do UOL, Igor Mello, e tecerei alguns comentários. 

“O ato golpista de hoje marca, na minha opinião, um novo momento na estratégia de mobilização bolsonarista, que se tornou um grande problema para a democracia brasileira.”

“Eu já cobri muitos atos bolsonaristas desde 2018, mas a de hoje teve aspectos inéditos. Pela 1ª vez, não foi preciso nenhuma convocação de figuras públicas do bolsonarismo. Nem Bolsonaro, nem os filhos, nem os deputados e senadores estavam pautando publicamente isso.”

( Bolsonaro e seus aliados sabem que podem ser presos caso liderem uma tentativa de ruptura democrática)

“A mobilização para os atos ocorreu quase exclusivamente por meio de correntes de WhatsApp e Telegram. Guarde essa informação porque é importante. E elas eram bem específicas.”

“Dezenas de milhares de pessoas foram para as portas de quarteis. E não foram só os radicais, alguns nazistas, como em SC. Tinha muita gente ‘normal’ (aspas minhas) no Rio. O perfil esteve bem distante dos atos de Copacabana: gente velha, rica e abertamente fascista.

“Em comum, essas pessoas foram completamente capturadas pelo sistema de comunicação fechado do bolsonarista. Articulam apps de mensagem, YouTube e etc. Não pode ler jornal, nem ver TV. Até a Jovem Pan tinha ‘se rendido ao sistema’ por causa das demissões desta semana.

(Aqui chamo a atenção para o fato de que o Bolsonarismo é, de fato, maior que o antipetismo, o lava-jatismo e o próprio Bolsonaro)

“Essa rede não só se vende como suficiente para o público ficar ‘bem informado’, como demoniza qualquer informação que venha de fora - imprensa, influencers não alinhados. Tudo. Vemos nos grupos que qualquer pensamento independente é reprimido, muitas vezes até com expulsão.”

“É um comportamento típico de seita: os participantes fazem um pacto de silêncio e são compelidos a se fechar para o mundo. Ao mesmo tempo, é claramente um movimento articulado e com comando central. Não fosse assim, as mensagens não seriam tão coerentes entre si.”

(Por haver um comando hierárquico, é preciso que as autoridades judiciais e policiais investiguem e punam exemplarmente essa rede, sob o risco de que a atual instabilidade política brasileira seja mantida e, em um futuro próximo, possa haver a ruptura democrática que conseguimos evitar com a eleição de Lula)

“As mensagens de convocação tinham instruções bem diretas: nada de menções a Bolsonaro, só chamar o golpe de "intervenção federal", não manifestar pautas abertamente golpistas, como fechamento do STF.”

(Aqui a gente já pode perceber a influência da falta de foro privilegiado a partir de 2023. Bolsonaro teme, com razão, ser preso por seus crimes)

“E as pessoas atenderam. As camisas e bandeiras do ‘mito’ sumiram, os ataques ao STF baixaram de tom e o canto ‘intervenção federal’ era constante. Não houve ênfase em ataques à imprensa. Não ouvi nenhuma vez cantarem ‘Globo lixo’, algo que era regra nos protestos até aqui.”

“Muitos presentes eram evangélicos, por exemplo. Gente humilde e totalmente capturada por essa rede. Estão desesperados porque foi vendido que a derrota de Bolsonaro era, literalmente, a vitória do diabo. No vídeo abaixo, mulheres rezam e falam em línguas em frente ao CML.”

(Isso pode explicar, em parte, a presença de gente preta entoando o lema fascista “Deus, pátria e família” que vi na avenida Raja Gabaglia)

“Como não podia entrevistar ninguém para não ser exposto, fiquei bem atento às conversas nas rodinhas. Acreditam no fechamento de igrejas, satanismo e etc. Como sabemos, isso foi dito à exaustão por pastores e padres que fizeram campanha aberta nos templos religiosos.”

“O ambiente de desinformação é terreno fértil para teorias da conspiração. Muitas pessoas estavam convictas de que ‘eles’ tinham cortado a internet. A realidade: tinha muita gente e, como todo mundo sabe, nessas ocasiões fica quase impossível usar a internet do celular.”

“Nos grupos de famílias e amigos, notei que sempre havia uma espécie de competição para mostrar que estava ‘mais bem informado’ que os demais. Na prática, isso consiste em repetir mais campanhas de desinformação e com base nesse caldo de cultura, formular suas próprias teorias.”

“A mobilização e coesão do movimento de hoje não dependeu de Bolsonaro, seus filhos e aliados publicamente falarem dele, inclusive usando a mídia tradicional. Dessa vez, as pessoas cobriram ou rasparam o nome de Bolsonaro do material que levaram porque a orientação era essa.”

“São atos menores do que já vimos o bolsonarismo realizar? Sem dúvida, mas as pessoas realmente acreditam que vão conseguir um golpe de Estado. Há até a crença, com base nas correntes, que se a mobilização durar 72 horas haverá respaldo legal para o Exército agir.”

“Como disputar a arena democrática com quem está completamente apartado dela? Não sei a resposta, mas hoje vi gente chorar festejando um golpe que não passava de ficção. Esse é o desafio que a democracia brasileira vai precisar enfrentar.”

Na minha opinião, começa-se pelo cumprimento rigoroso da lei. O Poder Judiciário deve agir de forma exemplar sobre esses bandidos. Estamos vivendo as consequências nefastas da Lei de Anistia que, em 1979, varreu para debaixo do tapete as atrocidades cometidas pelos militares.

A imprensa, também ela, deve comunicar as coisas com menos eufemismo. Chamemos essas pessoas daquilo que elas são: criminosos golpistas!

Há um perigo enorme para a estabilidade social, política e econômica brasileira, em um momento da história de instabilidade internacional sem precedentes. Não há espaço para tolerância contra aqueles que, não aceitando o resultado das urnas, cometem crimes contra o Estado Democrático de Direito.

É simples assim.