Banco Central e sua independência
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Banco Central e sua independência

A alguns meses escrevi aqui neste canal sobre a importância de um Banco Central independente, e porque deveríamos cada vez mais buscar essa evolução institucional para nosso país. Hoje, infelizmente, sou obrigado a, novamente, escrever em def...

João Vitor Vasconcelos de Araujo
6 min
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Presidente do BCB, Roberto de Oliveira Campos Neto
Presidente do BCB, Roberto de Oliveira Campos Neto

A alguns meses escrevi aqui neste canal sobre a importância de um Banco Central autônomo, e também quais eram as mudanças efetivas que ele traria para nossa economia. Hoje, infelizmente, sou obrigado a, novamente, escrever em defesa dessa instituição, e desta vez tentarei demonstrar aqui o beneficio desta mudança.

A autonomia efetiva

Relembrando o ultimo texto, vou trazer novamente o que a autonomia trouxe em matéria de mudança institucional ao Bacen e trazer as consequências que essas mudanças podem ter no futuro de nossa política monetária. 

Mandatos Definidos

A partir da aprovação da autonomia, foram definidos mandatos fixos para o presidente e seus diretores, algo que não existia anteriormente. Apesar de serem mandatos menores que o costume dos Bancos Centrais ao redor do mundo, a definição destes combate uma incerteza ligada a ingerência política dessas instituições, que podem interferir diretamente no crescimento e no resultado geral da economia. Os mandatos do presidente se iniciam em descompasso ao do presidente da republica, mitigando os problemas de interferência direta e permitindo trabalho independente da instituição. 

A definição dos mandatos ao Banco Central garante maior liberdade a seus dirigentes, que agora assumem de maneira escalonada, permitindo que apliquem as melhores politicas em resposta aos diferentes momentos da economia. Ela também impede a completa gerência por parte do presidente do Banco Central que não pode simplesmente desligar um diretor que discorde dele,  dessa maneira favorecendo o debate interno e  fortalecendo a instituição monetária como um todo. 

Definição dos objetivos institucionais

Conforme o artigo primeiro da lei complementar nº 179:

“O Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços. (…) Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.”

Dessa maneira  fica definida em lei a hierarquia de objetivos do Banco Central, não restando dúvida quanto a o que uma diretoria deve buscar durante sua gestão. Além disso, essa definição reforça a importância do combate a inflação, um dos maiores males que uma economia pode enfrentar, mesmo que em detrimento de outras variáveis da economia. 

Questionamentos Sem Sal

Um ponto relevante, que inclusive foi comentado por Roberto Campos Neto no Roda Viva, trata do perfil dos questionamentos feitos pelo governo quanto a sua independência. Focando principalmente em questões da vida pessoal do Presidente ao invés de analisar a atuação efetiva do Banco Central nesse período. Enquanto muitos reclamaram do presidente votar usando uma camisa da seleção, poucos deram atenção ao fato de que o Banco Central realizou a sua maior alta de juros em um ano eleitoral desde 2001. Feito inédito que seria impossível em um cenário onde fossem permitidas ingerências por parte do Presidente da República, afinal, nenhum eleitor gosta de ver os juros subindo, né?

O caráter eleitoreiro dos interesses do executivo em um cenário como esse, reforça a importância da independência da instituição para que as decisões sobre política monetária sejam tomadas de forma concisa a fim de alcançar os objetivos do Banco Central e não com objetivos políticos ou eleitoreiros. Do contrário enfrentamos graves consequências…

Turquia: o que NÃO fazer em política monetária

A Turquia passou uma situação similar a nossa no ano de 2019. Em meio a tensões com o presidente Recep Erdogan, o então presidente do Banco Central turco, Murat Cetinkaya, acabou demitido após consecutivas recusas em abaixar os juros no país, segundo Erdogan eles seriam os responsáveis por agravar a inflação e, para combatê-la, era necessário fomentar o crescimento, um discurso que, para qualquer economista minimamente razoável, não faz o menor sentido.

Apesar da troca de presidentes, pouco mudou na política do Banco Central. Após a demissão de Cetinkaya, seu substituto, Murat Uysal, voltaria a subir os juros, de 16 para 24%,  a fim de compensar os crescentes prêmios de risco da Turquia. Assim como seu antecessor, 1 ano depois ele foi desligado de sua posição por não cumprir as exigências de Erdogan. O substituto de Uysal, por sua vez, duraria menos ainda na posição. O economista Naci Agbal durou apenas 6 meses como presidente do Banco Central Turco. Em um período de 2 anos, horizonte bem curto para um Banco Central, Erdogan ja havia demitido 3 presidentes.

Nesse “tira e põe”, Erdogan não conseguiu controlar a inflação, mas deixou clara sua mensagem: aquele que não seguir minha vontade na política monetária não terá chance no Banco Central. Dessa maneira, os juros caíram, chegando a 9%. Entretanto, os efeitos dessa medida foram sentidos. Em 2019, ano da demissão do primeiro presidente, 1 Lira turca valia 16 centavos de dolar, hoje ela vale cerca de 5 centavos. Efeito direto da falta de confiança dos agentes internacionais nas instituições turcas.

Trajetória da Lira Turca (Branco) X Real (Laranja) quando comparadas ao dolar. Ambas moedas seguiram juntas até meados de 2017.
Trajetória da Lira Turca (Branco) X Real (Laranja) quando comparadas ao dolar. Ambas moedas seguiram juntas até meados de 2017.

O caso turco é um exemplo extremo do que pode acontecer em caso de omissão das autoridades monetárias, entretanto não precisamos ir longe para demonstrar isso. Dilma Roussef operou algo similar no ano de 2012, ao baixar,  no período de um ano, a taxa de juros de 11 para 7%, como um trunfo eleitoral para mostrar que ela combatia os banqueiros. Para sua infelicidade, essa taxa voltaria para 11% ainda em 2014 e atingiria 14,25% no ano seguinte.

Lições

A parte boa de situações como estas, talvez a única parte boa, é podermos observá-las e aprender com elas. A taxa de juros não é uma decisão somente do presidente do Banco Central, muito menos um número escolhido aleatoriamente. Ela é um reflexo de diversos fatores de nossa economia, que no fim do dia resultam na taxa aplicada efetivamente, decidida em voto colegiado na reunião do Copom. Contrariar as decisões técnicas do comitê usando como justificativa objetivos ou vontades políticas não resultará em nada além de inflação e desconfiança quanto às instituições brasileiras. Por esse motivo, reforço meu apoio ao Banco Central e à sua autonomia, fator essencial para a estabilização econômica e a melhor forma de evitar repetir os erros que nos aleijaram no passado. Ainda diria que deveríamos buscar a independência da instituição, diminuindo ainda mais qualquer ingerência política oriunda do governo. Como disse Dom Pedro I:

“Independência ou morte!”

A independência institucional é crucial no trabalho do banqueiro central. Sem ela, ele se vê de mãos atadas, incapaz de tomar as decisões necessárias para alcançar suas metas e trazer o maior ganho à sociedade e ao país.