A definição de tributo é bastante explicativa por si só. De acordo com o nosso dicionário, tributo é a contribuição monetária imposta pelo Estado ao povo, sobre mercadorias etc.
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A definição de tributo é bastante explicativa por si só. De acordo com o nosso dicionário, tributo é a contribuição monetária imposta pelo Estado ao povo, sobre mercadorias etc. | ||
Outra definição também diz que o tributo é: o valor que se deve ao Estado, ao poder público; taxa obrigatória paga pelos cidadãos ao Estado; imposto. | ||
Juridicamente a definição é ainda mais pomposa. Nosso Código Tributário Nacional define no artigo terceiro: | ||
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. | ||
Bom, não faltam definições. O fato é que o tributo é o que mantém essa grande estrutura que chamamos de Estado. Na antiguidade ele era uma imposição real, o pagamento da plebe à Coroa pelo exercício do controle e da ordem outorgados pelo próprio Deus. Nos tempos do Estado Democrático de Direito ele é a forma de dar ao Estado as condições para que ele entregue o mínimo existencial de volta para a sociedade, ou seja, o Estado é o tutor de parte dos nossos ganhos para devolver para nós mesmos através de serviços. | ||
Todo esse preâmbulo serve para dizer o seguinte: Não há como escapar. Se você está vivendo dentro desta bolinha azul que chamamos de Terra e de alguma forma produz alguma coisa, presta algum serviço, exerce alguma atividade minimamente impactante para a sociedade, você será agraciado pela dádiva da tributação. | ||
Bom ou ruim, fique para seu próprio julgamento. O fato é que está aí. | ||
Agora nada o impede de ser crítico, de apontar abusos ou formas incoerentes de cobrança. Afinal, na teoria você sabe (ou deveria saber) como dar valor aquilo que você tanto trabalhou para ganhar. Então, ao entregar seus ganhos nas mãos de outrem, é cabível imaginar que você tenha o direito de exigir um mínimo de prudência e de retorno significativo. | ||
E assim, chegamos ao meu ponto central. É prudente a forma como pagamos e como são recolhidos nossos impostos? | ||
Calma! | ||
A ânsia de condenar o tamanho da mordida do leão vai te fazer gritar mentalmente um alto e sonoro NÃO! | ||
Tanto é verdade que a sua revolta, como de outras tantas pessoas e empresas, já é debatida a mais de 30 anos pelo poder público. Pois é, reforma tributária é um assunto quase tão velho quanto a própria constituição, se já não for mais velho. O resultado desse debate? 419.387 normas tributárias editadas no Brasil desde a Constituição e nenhum consenso ou bom senso. | ||
Mas vamos nos aprofundar sobre isso, tendo como ponto de partida de que não vamos nos livrar do Estado nem da sua gerência. Pensando assim, o imposto é fundamental seguindo o seguinte raciocínio: | ||
Se temos que pagar, que seja pago por todos que possam pagar; | ||
Se todos que podem pagar efetivamente pagam, que seja bem recolhido; | ||
Se é bem recolhido que seja guardado com segurança; | ||
E se está seguro, que seja bem aplicado ou reinvestido para que todos que pagaram possam ver que não foi à toa. | ||
Na teoria é uma lógica bem simples, na prática nem tanto. A prudência na qual anteriormente me referi dever ser observada em todas as fases desta cadeia, mas aqui quero me ater a duas em especial: a em que todos pagam e a forma que isso é recolhido. | ||
Voltando brevemente a parte jurídica, nosso Código define que para cobrar um tributo você precisa de uma lei que o defina, isso dá a chamada segurança jurídica para que impostos não sejam criados e alterados de acordo com interesses políticos espontâneos. | ||
Na mesma lei que justificará a aplicação e existência desse imposto ficará definido em que casos ele será pago, ou seja, quem vai pagar e por quê. O IPVA, por exemplo, está definido em lei estadual e significa Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores, ou seja, é um imposto pago por proprietários de carros, motos etc. Em outro exemplo temos o IPI, que significa Imposto sobre Produtos Industrializados, previsto no Código Tributário Nacional. Trata-se de um imposto federal que incide sobre os produtos da indústria nacional ou na importação de produtos estrangeiros. Pagam este imposto, principalmente, os importadores e as indústrias nacionais. Observe que em ambos os casos é bastante evidente a existência de um fato gerador ou um porquê (propriedade de veículo e criação ou importação de produto), uma obrigação de pagar do envolvido que gerou esse fato, (dono do carro / indústria ou importador), e um recolhedor desse imposto (IPVA para o Estado / IPI para a União). Essa tríade é a base para entender a razão de existir de qualquer tributo. | ||
Considerando novamente o IPI, imagine que se ele for majorado excessivamente ocorrerá o óbvio: o aumento do tributo incide em aumento do custo de produção; o aumento do custo de produção incide em aumento do preço do produto ao consumidor final; que eventualmente para de consumir ou consome menos, o que por fim leva a indústria a diminuir de tamanho e produzir menos, fazendo a economia retrair. | ||
Esse raciocínio nos faz entender um velho conceito de que quanto mais sobrecarregada a sociedade ficar de impostos, menos a economia se desenvolve, porque simplesmente as pessoas não se sentem à vontade de ver tanto dinheiro ser entregue ao Estado e não ter isso retornado em melhorias para suas vidas (sejamos sinceros, é um desconforto justificado, principalmente aqui no Brasil). | ||
Fato é que prefeririam elas, provavelmente, ter o controle do montante que pagam de impostos e assumirem as melhorias de suas vidas individualmente. | ||
Ademais, quando o valor para entrar na brincadeira costuma ficar muito alto, você passa a limitar o número de participantes, sendo a brincadeira o mercado e os participantes aqueles que produzem. É mais um problema que entendemos como criação de monopólios ou oligopólios, situação em que poucos conseguem suportar a carga tributária e os custos agregados e passam a eliminar a concorrência e a estabelecer os preços que bem entendem. Outra derrota para quem mais gera emprego e renda no país, os pequenos empreendedores. Sim, os micros e pequenos negócios dão conta de mais de 70% dos empregos formais no Brasil, e são eles que constantemente são escanteados por conta dessa tributação desproporcional. | ||
Bom, chegamos até aqui para concluir, a priori, o seguinte: ao reduzir expressivamente quem consegue efetivamente pagar aquele determinado tributo, você cria um tributo setorizado. Com o passar do tempo se estabelece uma reserva de mercado e na tentativa de fazer com que essa reserva seja “suavizada ou responsabilizada”, o Estado aumenta o valor desses impostos, pois considera ser contrapartida razoável por permitir a perpetuação desses oligopólios que controlam uma fatia imensa de mercado. O tributo ganha mais conotação social do que nunca. Na ânsia por regras tributárias que se vinculem a questões sociais cada vez mais latentes, as regras começam a se tornar tão abrangentes que até aquele dono de banca de jornal precisa contribuir com o mesmo imposto que o grande supermercado contribui. | ||
Perde-se o propósito. | ||
Onera-se excessivamente um grupo que ao mesmo tempo não tem interesse em concorrência, ele se acostuma a ser vítima do próprio tributo para não ser ameaçado (ele inclusive se prepara juridicamente para reverter algumas cobranças). Quem paga mais é quem está na ponta da cadeia, quem produz em pequena escala e quem consome. | ||
Vamos analisar um pequeno caso fictício com um imposto que é real, usando a banca de jornal e o supermercado mencionados acima. No processo de tributação pago pelas empresas para contratar um funcionário, existe um tributo pago ao INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, que é a contribuição previdenciária patronal devida por empresas no valor de 20% calculados sobre a folha de pagamento. Se o dono da banca de jornal e do supermercado resolverem contratar um funcionário, ambos terão que calcular o mesmo imposto com base no salário desse funcionário. Ocorre que um imposto de 20% pesa de maneira bem diferente para um supermercado e para uma banca de jornal. Sem contar que, em uma eventual demissão desse funcionário ainda existe um risco de se gerar um processo trabalhista, o qual o supermercado provavelmente tem um escritório de assessoramento ou departamento jurídico, já a banca de jornal... | ||
O gancho para a desoneração da folha de pagamento não é mera coincidência. Este é um dos melhores exemplos de imposto que retém a geração de empregos na sociedade, pois nem todos tem condições de contratar formalmente e quando tem contratam menos do que gostariam (quem nunca ouviu falar que um funcionário custa o preço de dois). | ||
Além disso, a contribuição patronal é um imposto que, por estar diretamente ligado a uma relação entre partes (pessoas físicas e jurídicas), acarreta diretamente em conflitos que só podem ser solucionados judicialmente. Isso tem custo não apenas para as partes, mas para a sociedade que precisa manter o sistema judiciário para este fim. | ||
Ainda assim, da mesma forma que a natureza, a sociedade encontra meios de sobreviver e driblar as onerações tributárias. A figura do MEI (Microempreendedor Individual) tem sido a mais comum. Na tentativa de fugir da tributação sobre a folha de pagamento, muitas empresas começaram a contratar essas pessoas jurídicas individuais, que pagam seus próprios impostos em um regime específico e bastante modesto. | ||
Todo drible gera uma distorção. | ||
Hoje já temos que quase 70% das empresas em atividade no Brasil são formadas por microempreendedores individuais (MEI), um total de 13.489.017 MEI no país, de um total de 19.373.257 empresas ativas.[1] | ||
A distorção reside no fato de que tanto os trabalhadores celetistas quanto os MEI’s um dia irão se aposentar, sem contar ainda inativos e incapazes, também englobados pela nossa previdência social, sendo que apenas uma modalidade (celetista) contribui de maneira realmente proporcional para tal fim. No caso do MEI, por exemplo, o imposto funciona assim: A partir do registro no Simples Nacional, o microempreendedor individual passa a contribuir para o INSS/Previdência Social no montante de 5% sobre o valor do salário-mínimo vigente. | ||
Como seremos capazes de manter uma Previdência Social se isso se perpetuar? | ||
Para resumir, temos que ter em mente uma cadeia de cinco pontos vitais: | ||
1. Grandes empresas conseguem pagar e manter os custos jurídicos e contábeis agregados dos elevados impostos de contratação; | ||
2. Pequenas Empresas não conseguem e passam a recorrer para um novo meio de contratação; | ||
3. O novo meio de contratação passa a crescer vertiginosamente e se tornar uma das principais formas de contratação; | ||
4. O novo meio de contratação não contribui de maneira proporcional com os tributos; | ||
5. Os tributos se tornam insuficientes para manter as necessidades básicas da sociedade. | ||
Bom, com isso acho que já é possível dizer com mais tranquilidade que um imposto justo e inteligente é aquele capaz de: ser amplo e geral; não identifica partes, interesses e não gera conflitos (especialmente litigiosos); não cria monopólios e oligopólios; atinge a economia subterrânea (aquela que sonega e subsiste na marginalidade) e é proporcional àquilo que se produz. | ||
Existe este imposto hoje no Brasil? | ||
A conclusão tributária para tudo isso recebeu uma pecha que não merece e seu nome virou um símbolo pejorativo da ganância de políticos com interesses transitórios, mas a verdadeira inteligência de seu conceito nunca foi aplicada como substituição aos impostos “burros” e desproporcionais. | ||
Sim, você chegou até aqui para entender que a CPMF não é esse monstro que te venderam a vida inteira. | ||
Vamos para um breve histórico? | ||
A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi uma cobrança que incidiu sobre todas as movimentações bancárias — exceto nas negociações de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma titularidade — e vigorou no Brasil por 11 anos. | ||
A base de cálculo consistia no valor da movimentação bancária, tendo a alíquota oscilado entre 0,20% e 0,38% no período em que o tributo foi recolhido. E ao contrário da contribuição previdenciária patronal, apenas parcela da arrecadação da CPMF era destinada ao custeio da Previdência Social. | ||
A contribuição tinha caráter transitório, por isso foi prorrogada diversas vezes. Em outubro de 2007, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar uma proposta que estendia a cobrança da CPMF até 2011, mas a iniciativa foi derrotada no Senado dois meses depois. À época, o governo alegou que o fim da CPMF resultaria numa perda de arrecadação de cerca de R$ 40 bilhões em 2008.[2] | ||
Mas por que a CPMF? Não há outra solução mais moderna? | ||
Perfeitamente. A ideia de rememorar a CPMF é apenas para tratar de sua essência. Na teoria, a intenção é essa mesma, um imposto sobre transações financeiras. Mas o mundo mudou de 2007 pra cá e, na prática, algumas mudanças importantes entrariam em cena. | ||
Esse debate começo a ser requentado quando em 2020 o governo entregou ao Congresso a primeira parte da proposta do governo para a reforma tributária, que previa a unificação de dois impostos federais sobre o consumo, o PIS e a Cofins, em um único tributo e a Contribuição sobre Bens e Serviços, nos moldes do IVA. | ||
Em uma etapa posterior, o governo havia prometido tratar do Imposto de Renda de pessoa física e jurídica e da desoneração da folha de pagamento das empresas. E aí a "nova CPMF" encontraria seu espaço no orçamento federal: seria uma substituição da tributação sobre salários e alguns estudos estimavam que com a implementação de uma alíquota de 0,2% seria possível desonerar rendimentos de até um salário-mínimo no país. | ||
Mas a proposta não foi cozinhada nos salões do planalto e nem dos gabinetes dos ministérios. Essa demanda insurgiu do setor produtivo. | ||
Na visão de grandes nomes e empresas do setor, o número da alíquota sobre transações financeiras necessário para uma desoneração da folha irrestrita para todos os setores seria na ordem de 0,1%, menos da metade do número que já chegou a ser no passado. | ||
Hoje a desoneração consiste numa substituição, numa realocação de como a empresa paga a contribuição patronal. Ao invés da contribuição previdenciária ser calculada sobre a folha de pagamento, ela é calculada sobre a receita bruta da empresa. | ||
Para entender melhor, veja um exemplo: | ||
Imagine que determinada folha de pagamento de uma empresa custa R$ 30 mil reais, o pagamento da contribuição previdenciária ficaria em 20% deste valor, no caso R$ 6 mil reais. | ||
Entretanto, caso ela se aplique nos critérios da desoneração ela passa a recolher o percentual de 1 até 4,5 % sobre o seu faturamento, o que geralmente representa um valor menor de recolhimento do que da maneira tradicional. | ||
Mas observe que hoje apenas 17 setores se beneficiam da possibilidade dessa substituição. | ||
A intenção de um imposto digital com a essência (apenas o conceito) do que era a CPMF recai exatamente aqui. Todos pagarem por tudo! | ||
A ideia não passa só por uma questão de desonerar a folha para repassar custos para a sociedade como um todo, pois como dito, há um custo previdenciário gigantesco a caminho (vale lembrar que nossa população tem envelhecido a medida que as pessoas também tem cada vez menos filhos). Mas claro, esse é um dos elementos mais democráticos de uma medida como essa. Fazer a sociedade pagar por aquilo que ela quer se beneficiar no futuro parece óbvio na prática, mas uma grande ofensa para as narrativas. | ||
Para que o mercado inteiro, do pequeno ao grande, conseguisse entender como paga e maneja seus pagamentos de acordo com seu tamanho, seria muito mais fácil acabar com essa contribuição patronal e até mesmo com esse sistema de substituição que hoje é aplicado para esses 17 setores, substituindo por um pequeno montante global e indiferente. Ou será que é certo o MEI utilizar de uma previdência com a qual ele mal contribuiu? | ||
Mas ainda que isso não te convença, pense o seguinte: o dinheiro se movimenta exatamente da mesma forma que há 15 anos atrás? | ||
Faço essa pergunta pois de 15 anos pra cá é notório o avanço do digital para absolutamente tudo. Se você acha que não há tanta diferença, vou te fazer uma pergunta que vai te dar mais clareza ainda: Quantos bancos totalmente digitais nós tínhamos em 2007? Te digo: NENHUM! Os primeiros começaram a aparecer em 2010. | ||
E como as pessoas transferiam dinheiro naquela época? Preciso lembrar ou basta dizer que hoje nós temos o PIX? | ||
Em uma recente entrevista, Flavio Rocha, presidente do conselho de administração da Riachuelo e membro do Instituto Unidos Brasil, disse algo que é extremamente preciso para exemplificar essa mudança, veja: | ||
"Há dois ou três séculos era mais fácil rastrear o milho do que o ouro, daí a cobrança do tributo ser sobre o deslocamento da mercadoria. Mas hoje a lógica se inverteu: como é possível rastrear livros e músicas digitais, por exemplo? Como rastrear a comida produzida por uma 'dark kitchen', que não tem razão social ou CNPJ, e é entregue por um aplicativo, que não fornece nota fiscal? São mercados que só podem ser taxados via operação de débito ou crédito."[3] | ||
A fala de Flavio Rocha ainda nos remete a outro importante ponto que é a marginalidade da tributação, aquela que os impostos não conseguem alcançar. Essa marginalidade chamamos de economia subterrânea. | ||
Essa economia afeta exatamente na igualdade e no equilíbrio da tributação. É a economia que encontra formas de não ser encontrada, seja pela sonegação ou pela criminalidade. | ||
Será que poderíamos encontrar esse capital escondido tributando as movimentações financeiras também? Como disse, hoje está tudo no digital, até o que é errado. Com certeza você ou alguém que você conhece já foi vítima de uma tentativa de golpe do WhatsApp ou do PIX. | ||
Ousando dar uma resposta ao raciocínio do início deste artigo, posso com alguma segurança dizer que os impostos não são pagos por todos que podem pagar, são recolhidos de maneira bastante complexa, são guardados e assegurados de forma duvidosa (visto que sempre temos impressão de que algo se perde para má gestão ou corrupção) e definitivamente não são bem aplicados, pois o que não falta são muitos tributos e pouco retorno em melhorias sociais e de infraestrutura. | ||
Tributar golpistas, sonegadores e marginais. Esse é um assunto que podemos aprofundar em outro artigo. Mas será que já vale a pena sonhar? | ||
[1] Números da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia | ||
[2] Agência Senado | ||
[3] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53491820 |