Em um relacionamento sério sem o Tinder
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Em um relacionamento sério sem o Tinder

Sandra Peres
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Para ler ouvindo: Hoje eu acordei feliz e Sino Dourado essas músicas sempre fizeram sentido juntas, me lembro muito de dirigir por São Bernardo ouvindo esse CD do Charlie Brown, que eu ganhei de aniversário da minha mãe.

Começou o ano novo astrológico, sol e lua estão em áries, eu não sei bem o que isso quer dizer, fora que o ódio está no ar, mas eu acordei com uma vontade enorme de fazer tudo diferente. 

Pela décima oitava vez na vida eu me livrei do Tinder na semana passada e dessa vez pra sempre, não, não estou em nenhum relacionamento sério a não ser com o trabalho que está me consumindo boas horas do dia, ainda bem. 

Quanto menos tempo disponível, menos tempo pra eu me enfiar em confusão, quem me conhece sabe que eu sou boa nisso. 

Depois de desinstalar o Tinder fiz questão de enviar uma mensagem para o último contatinho significante, só pra dizer pra ele o quanto ele foi significante, a gente passa uma vida querendo ser melhor, sair por cima, mas engolindo o choro e jogando a sujeira pra debaixo do tapete. 

Fui lá e falei, você venceu, você é melhor que eu e não me envergonho disso e também não tem nenhum Plot Twist, mesmo eu amando muito uma reviravolta, nesse caso nem uma ex machina resolve. 

Também não decretei minha aposentadoria, não é pra tanto, só sei que pro Tinder eu não volto mais, vou viver como se não houvesse apps de relacionamentos, pois se não houvesse esses aplicativos o mundo seria muito melhor. 

Me senti fazendo a redação de férias da terceira série agora, quanta ingenuidade!

Mas pensa comigo, por melhor que seja a intenção, nunca é, quando entramos no app estamos buscando diversão, prazer e tanto faz a outra pessoa, eu não sei como funciona pros homens, mas nós mulheres só queremos encontrar alguém pra brincar de chapeuzinho vermelho e voltar vivas pra casa. 

Não estamos nem aí se vocês homens gostam de lingeries e unhas pretas, da larissinha depilada ou peludinha, de peitos grandes, ou de mulheres mais velhas de atitudes, a gente só finge que se importa, se coincidir com o que a gente tem em casa, beleza, se não, fica pra próxima. 

Quanto aos homens, não preciso nem dizer nada, né? Nunca se preocuparam com as mulheres, não é agora com um app cheio de opções que eles iriam se preocupar. 

Junta tudo isso com a falta de comunicação mais o medo de ser feito de trouxa, pronto, tá feita a bagaceira. 

Ninguém se apega a ninguém e quando se apega sofre até não poder mais pra não falar, fica todo mundo mal comido, aceitando migalhas só pra ter uma companhia meia boca no fim de semana. 

Ninguém conversa direito pra não criar intimidade, fica todo mundo parecendo um município, cheio dos limites, a gente já se viu pelado em posições inenarráveis, mas não pode fazer um cafuné. 

Se a amizade sair do Tinder e for pro Instagram aí já era, dá um like nos stories pra ver? É block na hora, tá stalkeando? Tá emocionada? Vai curtir todas as minhas fotos? 

E se não curtir nada? Pior, então não gostou de me conhecer? Ah, mas você me cobra demais, você não é nada minha. Só posta indireta. 

É sufocante!

Bom mesmo era no meu tempo, atestado de velha, na segunda feira eu já estava investigando que amiga ia sair no fim de semana e pra onde a gente ia. O que significa que hoje, terça-feira eu já estou atrasada, não encontrei ninguém pra sair no fim de semana, nem amigas solteiras eu tenho, porque será, né? 

Eu que lute, agora não tem mais minha mãe controlando a verba e meus horários, posso ir pra onde eu quiser e voltar quando e se eu quiser. 

Minha verba de 20 dinheiros vai me ajudar muito, posso chamar um uber pra dar a volta no quarteirão e torcer pra ele ser solteiro. 

Concentra, tem que dar um jeito, os incas faziam isso e olha o mundo aí, cheio de gente, as pessoas existem e procriam muito antes de existir o dinheiro e o Tinder, não é possível que eu não consiga resolver essa situação. 

Tem um barzinho aqui perto com entrada livre pra mulher e música dos anos 80 que eu posso ir e ficar reclamando que só tem velho mesmo sendo todo mundo da minha idade, eu sei, eu já fiz isso. 

Tem a adega também, posso ir até lá, comprar meu gin, ou uma caipirinha e ficar bebendo por lá, ou um açaí, super minha cara de saudável, fora que todo o público tem no máximo 24 anos e faz muito tempo que eu não faço nada com mucilon. 

Posso ir no parque fazer caminhada. Não, todo mundo caminha com fones de ouvido, como vou puxar uma conversa? 

Acho que eu passei tempo demais na internet, como que conhece gente sem ser comentando em posts alheios? 

Como da match?

Onde tem fila?

Já sei, vou na Paulista domingo! Excelente, vou pra Paulista e vou ficar lá super mau humorada com o calor, enfiada em alguma livraria, tomando café até ter certeza que eu não vou conseguir dormir por umas 3 noites. 

Acho que mais do que me livrar do Tinder é preciso me livrar também da falsa necessidade de estar sempre com alguém, eu já passei tanto tempo sozinha que nem me dei conta que não é tão ruim assim. 

Não vou ser hipócrita de falar que não faz falta alguém pra dar uns beijinhos e dormir junto as vezes, mas faz mais falta a amizade, o companheirismo, o relacionamento, do que essa loucura de pegação. 

Sexo por sexo, ainda tenho vários no WhatsApp que podem me salvar na hora da necessidade e eu não preciso nem saber do sobrenome deles. 

Mas alguém pra conversar, dividir a cerveja e o brigadeiro, se está no Tinder, ou eu já conheci, ou vou conhecer fora dele. Dou minha palavra, pode printar essa parada!


Ah, só pra registrar: o nome do primeiro e do último contatinho do Tinder é o mesmo e coincidência ou não, o primeiro acabou de me mandar mensagem, ooooh universo, dá uma força aí, tá indo na pessoa errada. 


Adianta ter contatinho de A a Z se eu cheguei no meio do alfabeto e parei?