Sobre Artistas adormecidos, ideias sepultadas e Despertadores
17
3

Sobre Artistas adormecidos, ideias sepultadas e Despertadores

Dentro de cada criança mora um Artista. O Artista, esse com A maiúsculo, desenha, canta, dança, pinta e constrói. Mais tarde, escreve. A arte flui naturalmente e o orgulho das criações é sempre o mesmo: "Olha o que eu fiz, mamãe". Os olhos brilham.

Lucas Leal
0 min
17
3

Dentro de cada criança mora um Artista. 

O Artista, esse com A maiúsculo, desenha, canta, dança, pinta e constrói. Mais tarde, escreve. A arte flui naturalmente e o orgulho das criações é sempre o mesmo: "Olha o que eu fiz, mamãe". Os olhos brilham.

Até que a criança cresce e o artista vai ficando cansado. A escola vem feito um tsunami de ensinamentos (muitos deles que nunca serão úteis, mas isso é assunto para outra hora). Os compromissos são muitos e o tempo é curto. Os lápis são deixados de lado. O desenho colorido pela metade fica dobrado em alguma gaveta. As poesias ficam sem rima, os mistérios sem solução. As letras de música e a coreografia não combinam mais. 

Aos poucos, o Artista vai ficando sonolento. Por fim, dorme.

Com ele, vão-se as ideias.

Eu sempre imaginei que, dentro do nosso cérebro, existe um cemitério de ideias. É para lá que, todos os dias, nós mandamos dezenas de boas ideias, talvez até algumas ideias milionárias. Por medo, preguiça, falta de tempo ou pela ausência do Artista, que dorme, lá se vão elas. Sepultadas no cemitério de ideias, que fica bem nos fundos da casa em que descansa o imperturbável Artista adormecido.

E a vida segue seu curso normal.

Segue até que, um dia, talvez, um Despertador cruze o seu caminho.  

O Despertador é uma situação, um acontecimento ou, em raros casos, uma pessoa. A verdade é que Despertadores, sejam eles o que forem, são raros. 

E o Despertador vem, de repente ou devagar, e tira o artista não-mais-adormecido do sono profundo. As palavras voltam a fluir, a música tem outro efeito, os livros têm outro cheiro (até mesmo os e-books, veja você). Os olhos brilham.

E depois de muitos anos, você volta a escrever, a desenhar... até a dançar, quem diria! O Artista coloca a casa em ordem, ressuscita algumas ideias há muito sepultadas no fundo de casa e começa uma criação de borboletas dentro do seu estômago. 

E a vida? Ah, ela continua seguindo seu curso.

A diferença é que ela tem outra cor, agora que o Artista não dorme mais.

Os olhos brilham.

Sorte de quem esbarra com um Despertador no curso da vida.