Dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor.
0
1

Dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor.

Fico pensando se em algum outro país é necessário especificar que uma caneta que não foi comprada por mim não pode ser levada pelo "mesmo mim". Esses dias uma amiga me contou sobre uma das várias tragédias que acometem o Estado do Rio de jane...

Fabiano Abrahão
6 min
0
1
A etiqueta não foi ameaçadora o suficiente.
A etiqueta não foi ameaçadora o suficiente.

Fico pensando se em algum outro país é necessário especificar que uma caneta que não foi comprada por mim não pode ser levada pelo "mesmo mim".

Vou tentar contar-lhes, mal e porcamente, uma experiência real contada por uma amiga sobre uma das várias tragédias que acometem o Estado do Rio de janeiro. É importante que neste momento o leitor me dê um voto de confiança sobre o que estou descrevendo, que é um relato verdadeiro contado por ela. Mas essa em específico aconteceu nas chuvas de 5 e 6 de abril estendendo-se até o dia 7 dia do deslizamento no Morro do Bumba em Niterói, lembra? Muitas cidades no Rio de janeiro estavam como num cenário pós apocalíptico, pós-guerra mesmo. Carros parados sobre locais inusitados, restos de casas em meio as ruas, pessoas desnorteadas, sujas de barro e com roupa de dormir. Tinha árvore para todos os lados, no meio das ruas, nas valas, sobre outras árvores, sobre os carros, enfim, era difícil acreditar que tudo aquilo havia sido feito pela chuva. Num momento desse você imagina que o altruísmo, a compaixão, a caridade vai florescer no coração mesmo daquele cidadão mais individualista ou egoísta. 

O Rio de janeiro é uma janela para o Brasil e tudo de bom, e principalmente de ruim, dá uma passada no Rio antes para conferir o seu potencial encontrando aqui casa permanente.

Imaginem uma montanha de barro, pedra, vegetação descendo morro abaixo e arrombando as paredes das casas penduradas no morro trazendo para baixo não só os escombros das construções, mas também as ruínas das vidas dos moradores (da vida, alegria, esperança e o moral) e isso tudo no meio da noite. Uma tragédia inesquecível e com perdas irreparáveis (como os 

Nesses momentos, surgem aquelas pessoas que esquecem de suas próprias necessidades e muito mais do que se colocarem no lugar do outro, assumem o dever da caridade (que no cristianismo é o amor sem interesses) ainda que nem saibam o que é caridade. Essas pessoas se desprendem instantaneamente dos apegos materiais e se doam para tentar amenizar o sofrimento do desconhecido movidos por um senso de dever que está acima deles mesmo.

Voltando a história contada pela minha amiga... Após o conhecimento do desastre, seu pai se dirige ao local onde uma de suas filhas morava, próximo ao Morro da Caixa D'água, também em Niterói (que coisa, não?). Uma montanha de barro desceu a encosta e se escorou na casa dela de forma que impedia um número considerável de pessoas descerem de parte do morro. Querendo ajudar essas pessoas que já haviam perdido tudo e sequer conseguiam sair do local, ele decidiu quebrar parte da parede da casa para que aquelas pessoas pudessem ter uma rota de fuga. Sua filha também havia tido prejuízos, mas o interior da casa e seus pertences estava a salvo... por enquanto. Após quebrada a parede, permitindo que o barro e as pessoas conseguissem descer, aquilo que o brasileiro talvez faça de "melhor", levar vantagem sobre quem quer que seja, não importando a situação, apenas a vantagem adquirida. 

Aliviado por ter conseguido ajudá-los, o esposo da filha do pai da minha amiga (não se perca nos parentescos) foi perguntado se o fogão que uma certa pessoa carregava não era o dele e - "...ei! Esse fogão é meu... Meu Deus, levaram a geladeira também... Cadê meu eletrodoméstico..." - para surpresa do leitor, que até aqui estava acreditando ser uma história de superação, talvez, cada um que descia do barro e passava por dentro de sua casa, levava uma lembrancinha. Um ato de vingança contra a natureza que não destruiu a casa daqueles que os ajudaram a descer do morro? Um lapso de mau-caratismo diante do vazio (literalmente) que aquelas pessoas estavam sentindo? Machado de Assis, que no século 19 usava sua tinta e pena descrevendo personagens dúbios, de caráter duvidoso,  amantes de suas próprias misérias já tinha percebido um traço relevante da alma do brasileiro. Dito por alguns como um autor que não tratou de questões universais e que se dedicou aos personagens com alma de malandro, dos hoje famosos anti-heróis passando por problemas e questões que parecem ser tipicamente brasileiro - Como se dar bem não importa o mal que se faça, amém! - "Dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor."

O que será que move a gente, brasileiro, à fazer coisas tão bizarras nos momentos mais sofridos (lembram-se da reunião dos políticos locais logo após as chuvas de janeiro de 2011 em Petrópolis fabulando esquemas de corrupção com o dinheiro que seria enviado como ajuda?)? Herança portuguesa, vai gritar um! Desonestos, picaretas e vagabundos não são privilégio do Brasil e existem ao redor do mundo inteiro, mas aqui parece que faz parte da alma, da nossa construção de cidadão brasileiro. Não só tentamos tirar vantagem do sofrimento ou inocência alheia como temos inveja dos que tentam agir minimamente de forma respeitosa ou ao menos não trapaceira com o outro. De 2 em 2 anos o que vemos são pessoas defendendo seus políticos porque este, seja verdade ou não, se comprometem a assegurar um direito, um benefício em prol de si mesmo. Mas todos são movidos por interesses já grita o diabinho no ombro esquerdo do leitor! Ainda que num primeiro momento seja isso que nos passe pela cabeça, ainda que enxerguemos os benefícios que conseguiremos mesmo que o caos seja instalado, a pergunta que se deve fazer à própria inteligência é - "Isso é correto? É justo?". 

O brasileiro é movido primordialmente pela sua vontade, sem qualquer critério de avaliação. Sua inteligência tornou-se escrava dessas vontades que, cegando a razão e não tendo um aferidor de medida para ao menos intuir o que é certo e errado, executa sua ação num ato puramente emocional, focado no agora, no que ele ganha com isso de forma instantânea e visível (carpe diem, parceiro!). A desordem é tamanha que hierarquizamos nossos sentimentos de forma a atender primeiro o eu, depois o eu também e só depois o meu amigo, mas só se trouxer benefício para mim também, o contrário disso é uma atitude abobalhada, dissimulada, alheia a realidade como os pais/mães de pet (comprei briga).

E olha Niterói aí de novo! Nada pessoal.
E olha Niterói aí de novo! Nada pessoal.

Se Machado de Assis tivesse escrito literatura tipo aqueles soft porns de dona de casa estilo Bianca: Caminhos do prazer - ia ser um tal de rua Machado de Assis, Escola Machado de Assis, Praça Machado de Assis, cruzamento (sem trocadilhos com o livro Bianca) Machado de Assis.

De forma alguma se trata de moralismo ou de dizer as pessoas o que devem fazer de suas vidas. Nem ganho nada com isso!  Bora levar essa caneta logo! Se eu não pegar outro vai pegar mesmo! E eu estou precisando! A última que "peguei" me roubaram.

O péssimo autor aqui não se exime de nenhuma culpa, mas ninguém viu nada, então tá suave!