Crítica - "Faroeste Caboclo"
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Crítica - "Faroeste Caboclo"

"Um insulto à obra de Renato Russo. Faroeste Caboclo desconstrói a história, exibe um final covarde e agridoce."

FÁBIO LINS
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"Um insulto à obra de Renato Russo. Faroeste Caboclo desconstrói a história, exibe um final covarde e agridoce."

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Se a intenção da adaptação de Faroeste Caboclo foi exibir um filme ok para pessoas que não conhecem a letra da música (existe?), conseguiram. Mas não era isso que ninguém queria, principalmente fãs da Legião. Queríamos lembrar da música e assimilá-la ao filme. Queríamos que o filme fosse uma ilustração para qual imaginamos durante anos, mas infelizmente isso não poderá ser feito. Ao ouvimos agora o nome Faroeste Caboclo virá sempre a letra e música de Renato e esse filme deverá ser apagado de nossa mente.

Claro que teriam que incrementar algo que fizesse sentido à história e o filme incrementou bem em alguns momentos. Duvido que Renato Russo pensaria da forma dos roteiristas, mas enfim. Momentos surpreendentes foram exibidos e enriqueceu o filme, porém o que mais causou descontentamento foi o atropelamento na história, inversão e desconstrução.

Primeiramente queria falar dos pontos positivos do filme. O cinema nacional vem melhorando freneticamente. O Brasil sempre teve excelentes atores, mas eram mal dirigidos, roteiros pífios e com exageros de palavrões. Sexo gratuito e sem nexo. Felizmente, apesar de que isso ainda acontece, estão mudando. Faroeste Caboclo foi muito bem produzido, nota-se claramente através do cenário, transições de imagens, efeitos visuais, câmera única bem filmada, trilha sonora bem inserida, enfim. Elenco principal muito bom, competente, com destaques, claro, para os protagonistas Fabrício Boliveira e Ísis Valverde. Antônio Calloni deu um show e Felipe Abib esteve bem.

As transições entre o passado e presente de João foi o principal ponto positivo do filme. Ao invés de contarem a história linearmente, voltavam sempre ao passado quando o roteiro pedia, ilustrando muito bem os motivos pelo qual João tornou-se o homem que é, aproveitando para mostrar diversos aspectos que a música demonstrou, com referências bem colocadas, sem forçação de barra.

Mas paro por aqui com os elogios. Focaram com um certo exagero no romance entre João e Maria Lúcia, mas em síntese foi bem ilustrado, porém não honrado em seu final.

Final. Que merda de final (desculpe o termo). Covardes.

A música diz claramente que o evento final foi "o maiúsculo evento". Jeremias e Santo Cristo duelaram em evento público, com a presença da imprensa, enfim. Uma espécie de "luta de Gladiadores". João é acertado pelas costas por Jeremias, Maria Lúcia corre para consolá-lo e entrega propositalmente a famosa winchester 22, arma que João dispara cinco vezes para matar Jeremias. João acaba morrendo devido o tiro levado pelas costas, nos braços de Maria Lúcia, quando a jovem se desespera de culpa e se suicida.

Não foi isso, nem de perto, o que o filme mostrou.

Na versão, Jeremias não leva a fama de covarde e encara João de peito aberto. Um duelo vencido por Jeremias, devido o perspicaz João ter sua atenção tirada bisonhamente por Maria Lúcia. Ela, como na música, vai consolá-lo, mas a arma não é entregue por ela e sim, pega por João. Isso faz toda diferença. Jeremias assassina Maria Lúcia por estar consolando seu amor, um dos maiores insultos à obra de Renato. João executa Jereminas com cinco tiros e o filme acaba com os dois mortos.

É um final pra ser esquecido. Mas temos que esquecer muitas outras coisas do filme para que a essência de Faroeste não seja denegrida. O personagem Maria Lúcia também foi desconstruído. Tentaram dar-lhe-a um ar de inocente, salvadora, mas a letra não diz isso. Maria Lúcia sofreu uma espécie de estupro e casou-se obrigada com Jeremias, na visão de Renato, consequentemente a gravidez. No filme acompanhamos Maria Lúcia viver meses com Jeremias para salvar a pele de João. A Maria Lúcia de Renato nunca viveria tanto tempo assim com um crápula daqueles. Sem falar que João descobriu a gravidez na prisão, dois fatos terrivelmente acrescentados à história de Faroeste.

Enfim, talvez quem não conhecesse a história ou quem não sente a letra de Faroeste Caboclo tenha achado um filme até bom, mas uma adaptação não pode ser tratada dessa forma. Deveriam ser fiéis ao núcleo da letra, principalmente no seu final. É como se quisessem adaptar a Bíblia mas desconstruindo a morte de Jesus. Legião Urbana para os fãs é uma espécie de religião, e uma blasfêmia dessas não é aceitável.

PS: Em tempo, notável a grande semelhança de João de Santo Cristo à Heisenberg. Só quem assiste Breaking Bad sabe do que estou falando.