A infindável política dos governadores
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A infindável política dos governadores

Não voltamos à República Velha, mas conseguimos criar uma máquina muito mais complexa.

federalismo brasileiro
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Não voltamos à República Velha, mas conseguimos criar uma máquina muito mais complexa.

É indispensável em uma república federalista, como a nossa, a ação dos chefes de governos locais, especialmente das unidades federativas. Portanto, em momentos de tensão política entre o presidente da república, o legislativo e o judiciário, é de se esperar que os governadores ganhem maior atuação, afinal, eles possuem uma posição estratégica na estrutura política, na qual observamos abaixo, entre o alto escalão, presidente e seus ministérios, e a base do executivo, prefeito e secretarias.

Mapa 1
Mapa 1

No entanto, se trata de uma conjunta mais próxima do ideal o próximo mapa, no qual está inserido ações e funções de demais poderes que agregam as atuações dos governadores. É fácil recordar que a política dos governadores do presidente Campos Sales (1898-1902) é um dos maiores símbolos do federalismo brasileiro da república velha, na qual, sem dúvidas, afirmo se tratar do maior experimento federalista que o Brasil já viveu.

A política de Campos Sales era simples, o poder federal (presidente) apoiava o estadual (governadores) que em contrapartida faziam o congresso (deputados federais e senadores) apoiarem o presidente, gerando um ciclo vicioso de poder no qual repassava cada vez mais poderes aos estados, especialmente São Paulo e Minas Gerais, nos quais já eram mais ricos e populosos que a capital Rio de Janeiro. Não à toa, o governo Sales é considerado como o ponto de partida oficial da República do Café com Leite.

Embora desde esse período o Brasil já tenha enfrentado duas ditaduras, passado por mais cinco constituições e mais 34 presidentes, os governadores continuam com plenos poderes dentro da engenhosa e maquiavélica máquina política brasileira, como está exposto abaixo.

Mapa 2. Obviamente há inúmeras outras funções dos demais cargos, mas o objetivo aqui é de esclarecer detalhes do alcance dos governadores
Mapa 2. Obviamente há inúmeras outras funções dos demais cargos, mas o objetivo aqui é de esclarecer detalhes do alcance dos governadores

Os governadores estão ao lado dos senadores, que geralmente são ex-governadores, e representam seus estados, de forma igual (3 por estado) em Brasília. Sendo assim, o senado se torna a matriz do federalismo, já que coloca os estados, independentemente da população ou recursos, em pé de igualdade.

Dessa forma, é comum o senado ser tratado como menos “ideológico” e os governos tendo menos barreiras para manter uma boa taxa de governismo, no entanto, ao reduzir essa governabilidade, a recuperação se dá justamente com os governadores, já que são os “pares” dos senadores, mas no poder executivo.

Além disso, há os deputados federais que votam o orçamento, algo primordial para os governadores formularem projetos custeados pela União, além de que os deputados são os que mais recebem emendas parlamentares, que são recursos financeiros destinados pelo governo federal aos congressistas, a fim de investirem em suas bases eleitorais, basicamente uma compra de voto constitucional, e cara.

Dessa forma, assim como o presidente repassa aos deputados federais, os governadores repassam aos deputados estaduais, e aos federais também, assim como prefeitos e vereadores recebem parte desse “bolo”.

Isto é, os governadores atuam de forma indireta no meio legislativo, já que são a ponte entre os deputados estaduais e federais, além de serem pares dos senadores, o que os coloca ao lado do presidente, não à toa, na atual tensão entre Bolsonaro e o Congresso, o presidente do senado, Rodrigo Pacheco, tem feito maiores movimentos e articulado encontro e comitês com os governadores.

Por fim, há ainda os prefeitos e vereadores, embora em minha visão seja um erro os governadores e prefeitos serem eleitos em anos diferentes, o atual formato traz alguns benefícios.

Segundo Antonio Lavareda e Helcimara Telles, em seu livro A lógica das eleições municipais, o governador tem mais influência nas eleições de prefeitos do que o contrário, pode parecer algo óbvio, mas o fato de governadores terem que recorrer à votos em todo o estado, enquanto executa uma campanha junto com deputados e senadores, faz pensar que são os prefeitos, eleitos dois anos antes, que exercem a influência ao chefe da unidade federativa, não à toa, é comum em vários estados brasileiros o partido com o maior número de prefeitos ser o mesmo do governador, eleito dois anos antes, ou o contrário.

Um exemplo prático disso é o Amazonas, onde o governador Wilson Lima, do PSC, assumiu o estado com seu partido tendo nenhum prefeito, e em 2020 viu 13 prefeitos serem eleitos.

Em São Paulo isso se tornou uma monstruosa máquina eleitoral tucana que se vicia. Em 2020 o PSDB elegeu 172 prefeitos, enquanto em âmbito estadual o partido domina há quase 30 anos. Certamente a única região onde isso se destoa é no nordeste, onde o peso maior é o apoio do presidenciável, no caso, a referência é ao domínio regional petista.

Dessa forma, é primordial compreender a relação prefeito-governador, no qual parte para casas legislativas estaduais e federal, agrupando-se com o senado e, por fim, com o presidente. Tal estrutura se alinha com outras características do sistema político brasileiro e constrói essa pseudofederação na qual vivemos.

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Recomendação de leitura:

Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro. Autor: Sérgio Henrique Abranches

A lógica das eleições municipais. Autores: Antonio Lavareda e Helcimara de Souza Telles

Dinheiro, eleições e poder: As engrenagens do sistema político brasileiro. Autor: Bruno Carazza

A batalha dos poderes: Da transição democrática ao mal-estar constitucional. Autor: Oscar Vieira