Eles (quase) sempre voltam: a manutenção do poder de ex-presidentes
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Eles (quase) sempre voltam: a manutenção do poder de ex-presidentes

Ao deixar o cargo político com altos níveis de aprovação, é comum imaginar e até fácil de concordar que voltar ao poder não é algo descartável, principalmente quando este cargo se trata de presidente da república. Em 132 anos de república, a ...

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Ao deixar o cargo político com altos níveis de aprovação, é comum imaginar e até fácil de concordar que voltar ao poder não é algo descartável, principalmente quando este cargo se trata de presidente da república. Em 132 anos de república, a serem completados amanhã, houve alguns casos de tentativas de retomar ao poder executivo e só uma foi bem-colocada, como foi dito em De Rodrigues Alves a Lula, o retorno de presidentes .

Em sentido horário: Juscelino Kubitschek, Itamar Franco, Collor, Sarney, Rodrigues Alves. Alguns dos presidentes que voltaram aos palcos da política brasileira.
Em sentido horário: Juscelino Kubitschek, Itamar Franco, Collor, Sarney, Rodrigues Alves. Alguns dos presidentes que voltaram aos palcos da política brasileira.

No entanto, nem sempre retomar ao cargo de presidente é algo provável, alguns sequer conseguiram disputar outra eleição presidencial como foi o caso de Juscelino Kubitschek, no qual tinha clara disposição e vontade de concorrer ao pleito de 1965, o que foi impedido pela AI 2 , publicado semanas antes das eleições e que as suspendia.

Contudo, após a saída dos militares do poder, em março de 1985, representada na posse de José Sarney, e o início da redemocratização e os planos de realizar eleição direta ao cargo de presidente em 1989, o Brasil teve em um intervalo de 34 anos ( 1985-2019), oito presidentes, destes, três foram eleitos como vice (José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer).

Todavia, o que mais chama atenção é a continuação no poder, ou tentativa, mesmo após a saída do cargo de presidente. Dos oito presidentes pós-1985, somente quatro não voltaram a exercer um cargo político eletivo (FHC, Lula, Dilma e Temer), a conta cai para três se considerar a tentativa de Dilma Rousseff em assumir uma das cadeiras do senado por Minas Gerais em 2018, e pode reduzir ainda mais ainda com Lula confirmando sua candidatura à eleição presidencial de 2022, além disso, o atual presidente Jair Bolsonaro, em um cenário desfavorável nas eleições de 2022 e uma possível derrota, dificilmente seria um nome descartado em outra eleição.

Dessa forma, ficam fora da esfera somente Fernando Henrique e Michel Temer, embora este último tenha atuado bastante nos bastidores do governo atual, enquanto FHC se concentra mais em períodos eleitorais e conflitos dentro do PSDB.

Dos que retornaram ao poder em cargas eletivos (Sarney, Collor e Itamar) todos optaram em assumir um assento no senado, além da tentativa de Dilma (ao que parece aquela repugnância em conceder um assento vitalício no senado a ex-presidentes não algo tal irreal).

José Sarney possui a carreira mais emblemática dos três. Após construir quase que uma dinastia na política maranhense ao longo de três décadas, deixou a presidência para concorrer a uma vaga no senado do Amapá, um estado no qual participou da criação como Unidade Federativa, tendo em vista que já existia como território federal desde 1943. Sua opção em mudar de domicílio eleitoral se dava em muitas questões, a principal delas era sua baixa aprovação presidencial (em torno de 7% no ano de 1989) além de conflitos dentro do PMDB no Maranhão. Sendo assim, migrar para um jovem estado lhe pareceu uma ótima opção, e mesmo sendo marcado pelas suas poucas visitas ao estado, se manteve no poder ao longo de 24 anos, sendo eleito em 1990, 1998 e 2006, ficando até 2014 quando se aposentou. Nesse período foi presidente do senado federal por quatro vezes, a primeira de 1995 a 1997, depois entre 2003 e 2005 e por fim entre 2009 e 2013, nessas duas últimas vezes foi sucedido por Renan Calheiros, também do PMDB, período no qual refletiu o baile do atual MDB no congresso, onde chegava a presidir as duas casas legislativas de forma simultânea.

Depois de Sarney deixar o poder em 1990, o mais jovem presidente eleito assumiu, Fernando Collor, no qual trazia as visões de um mundo jovem, liberal e collorido, todavia tudo se baseou em um verdadeiro desastre e deixou o poder em 1992. Fora das corridas eleitorais por 8 anos, tentou voltar as urnas em 2000, disputando a prefeitura de ... São Paulo. Notavelmente esse episódio é tão ridículo que sequer é relembrado, não pela sua candidatura ter sido barrada na justiça, mas principalmente pela declaração do juiz Percival Júnior, no qual afirmou que a candidatura de Collor "causa repulsa da coletividade cidadã, o que transforma o inabilitado num verdadeiro "pária político", um "desqualificado funcional", que deve permanecer banido da vida pública ". Obviamente Collor jamais tentou disputar outra eleição fora de  Alagoas, nem mesmo em seu estado natal, Rio de Janeiro. Após perder como eleição ao governo de Alagoas em 2002, venceu as eleições ao senado em 2006 e se reelegeu em 2014 e certamente tentará se manter no cargo em 2022.

Por fim, o sucessor de Collor, Itamar Franco, registrado em Salvador após ter nascido em alto mar, embora construísse toda sua carreira política em Minas Gerais, portanto não seria um erro dizer que é o único mineiro digno de um estilo litorâneo. Após deixar a presidência e passar a faixa para FHC em 1994, voltou às urnas em 1998 e se elegeu governador de Minas Gerais, onde fez um governo com bons índices de aprovação, mesmo assim optou por não se reeleger, deixando o cargo em 2002. Só voltaria a disputar eleição em 2010 (antes disso tinha sido escolhido pelo presidente Lula como embaixador na Itália) sendo eleito senador por Minas Gerais, cargo no qual havia ocupado antes da presidência. No entanto, em sua segunda passagem, pouco fez, falecendo em 2011.

Em países com verdadeiras oligarquias políticas como o Brasil, essa manutenção de poder é comum, principalmente com o mecanismo que mudou o cenário político nos últimos 30 anos: a reeleição. Como foi dito no artigo De Rodrigues Alves a Lula, o retorno de presidentes, a reeleição é  algo novo no país, sendo que se formalizou somente com FHC em 1994, pois era vetada tanto na república velha de 1894 a 1930, quanto na república liberal entre 1946 e 1964. No entanto, era comum que presidentes voltassem a algum cargo político, exemplos são Campos Sales, Nilo Peçanha, Epitácio Pessoa, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros.

Certamente em 2022 o cenário eleitoral  terá como protagonismo o embate entre Bolsonaro e Lula, tendo o petista com amplo favoritismo, enquanto o atual irá usar os mecanismos da máquina pública para reverter sua situação desvantajosa. Um possível retorno de Lula pode trazer ganhos de estabilidade política e econômica, como foi em seu segundo governo (2007-2010), no entanto, com Bolsonaro tendo uma base, em redução, mas firme em apoio, não é improvável que busque um retorno ao poder, mas em menor vantagem, em um futuro próximo. Presidentes que retornam ao cargo máximo possuem vantagem de ter um apoio popular mais sólido que estreantes, por exemplo de Rodrigues Alves que era aclamado antes de falecer sem assumir o segundo mandato e Getúlio Vargas em 1951, além da previsível vitória que JK teria em 1965. . 

No entanto, rixas políticas podem se agravar, principalmente pela necessidade de impor seus projetos em prática o quanto antes, afinal, presidentes são reeleitos de volta ao cargo mais para normalizar e centrar a política, do que por uma nostalgia, embora este último se torne um elemento fundamental na corrida eleitoral, algo muito relacionado (em geral pela oposição) com populismo.

Por Federalismo Brasileiro

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Link da anulação da candidatura de Collor em 2000:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0508200030.htm