Operação 30 horas: um tour em Montevidéu e a geopolítica uruguaia
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Operação 30 horas: um tour em Montevidéu e a geopolítica uruguaia

Certamente quando um país que se orgulha de sua soberania, influência e poder, tanto militar quanto econômico e social, e se sente ameaçado ou compreende que alguns de seus interesses estão em riscos, sendo que tal ameaça está do outro lado d...

federalismo brasileiro
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Certamente quando um país que se orgulha de sua soberania, influência e poder, tanto militar quanto econômico e social, e se sente ameaçado ou compreende que alguns de seus interesses estão em risco, sendo que tal ameaça está do outro lado de suas fronteiras, obviamente o correto a se fazer é mobilizar as tropas, invadir e ocupar o pária que os ameaça. Pois bem, o Brasil por pouco não fez isso em 1971, quando a Operação 30 Horas foi elaborada para que as tropas brasileiras ocupassem Montevidéu, no Uruguai, em cerca de 30 horas, partindo dos batalhões do Rio Grande do Sul e, posteriormente, Rio de Janeiro.

Tal operação pode ser considerada como uma das últimas que envolva uma intervenção brasileira na soberania de outro país a ser, pelo menos, projetada. No entanto, o motivo da não implementação se deveu aos eventos que ocorreram no Uruguai, no qual será dito posteriormente. No entanto, primeiro veremos a relevância da geopolítica uruguaia para o Brasil.

O pequeno país na fronteira do sul do Brasil ganhou sua independência em meio a um impasse entre forças argentinas, brasileiras e revoltosos locais contra o domínio brasileiro na região, os chamados trinta e três orientais. Após intensos confrontos, foi assinado em 1828 o documento que garantia a independência da então província da Cisplatina, o tratado foi assinado entre o Império do Brasil e a República das Províncias Unidas do Prata (atual Argentina), nos quais em meio a um impasse, concordaram com a criação da República Oriental do Uruguai (oriental em relação à margem do Rio da Prata).

Portanto, considera-se que o Uruguai foi constituído como um estado-tampão, isto é, em meio ao impasse entre argentinos e brasileiros em uma guerra que vinha se desenrolando desde o século XVII entre espanhóis e portugueses pela região do Prata, ambas as nações optaram pela criação de um estado, no qual contou com a intermediação do Império Britânico, de modo a funcionar como uma mola (pesos e contra-pesos) entre Argentina e Brasil, ou seja, o Uruguai teria duas funções geopolíticas primordiais: evitar que argentinos ou brasileiros bloqueiam as saídas ao mar da região do Prata e inibir conflitos entre ambas potências regionais.

Mapa da Colônia do Sacramento, atual cidade uruguaia, na qual foi campo de guerras entre Espanha e Portugal. Assim como Montevidéu, Colônia do Sacramento foi fundada por portugueses
Mapa da Colônia do Sacramento, atual cidade uruguaia, na qual foi campo de guerras entre Espanha e Portugal. Assim como Montevidéu, Colônia do Sacramento foi fundada por portugueses

Pode parecer um cenário improvável atualmente, ou já há algumas décadas, mas no século XIX e até meados do século XX as tensões entre Buenos Aires e Rio de Janeiro/Brasília não eram raras, principalmente quando nossa diplomacia estava sob os cuidados do gigante Barão do Rio Branco, enquanto na argentina o diplomata de maior peso era Estanislao Zeballos, um dos políticos mais anti-Brasil da história da argentina.

Tensões envolta da expansão do poder brasileiro diante da Argentina, bem como a relação próxima aos Estados Unidos e Chile (tradicional rival argentino) faziam do Uruguai um campo neutro onde essas disputas eram travadas, embora tanto brasileiros quanto os argentinos tentassem impor seus interesses nos governos uruguaios, sendo esse um dos motivos que incentivou a Guerra do Paraguai em 1864. Esses momentos com chances de conflitos só vieram se apaziguar a partir da década de 1970 com uma sequência de tratados bilaterais, desde a cooperação hidroelétrica a um acordo do uso de energia nuclear. 

Portanto, após esse longo parênteses, há de se compreender a importância geopolítica que os uruguaios representam não só ao Brasil, mas a toda região do Cone Sul.

Em 1971, dos quatro países que compõem hoje o MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) somente o Uruguai não vivia uma ditadura, mas uma série de ataques urbanos promovidos pela guerrilha Movimento de Libertação Nacional, os Tupamaros, e o crescente apoio aos movimentos mais ligados à esquerda, como o partido Frente Ampla, faziam com que Brasília, Buenos Aires e claro, Washington, ficassem de olho no que ocorreria nas eleições uruguaias em novembro de 1971.

Os tradicionais partidos Blanco e Colorado viviam cenários de elevada polarização. Enquanto o Colorado tinha como candidato à presidência o conservador  Juan Bordaberry, os Blancos (também chamados de Nacional) tinham Wilson Ferreira como candidato. As eleições foram extremamente conturbadas e uma vitória de Ferreira, que contaria com o apoio do partido Frente Ampla (que no século XXI elegeu notáveis ​​presidentes como Tabaré Vázquez e José Mujica) fazia com que o Uruguai entrasse na rota de colisão da política externa americana anticomunista de Richard Nixon.

Encontro entre Emílio Garrastazu Médici e Richard Nixon em 1971, dias depois das eleições uruguaias
Encontro entre Emílio Garrastazu Médici e Richard Nixon em 1971, dias depois das eleições uruguaias

No entanto, por uma vantagem inferior a 20 mil votos e com uma avalanche de acusações de fraudes, o candidato Bordaberry acabou sendo eleito, tornando desnecessária uma aventura brasileira em terras, outrora, cisplatinas. Vale lembrar que intervenções internacionais eram algo planejado no geral pelo regime militar, fazendo parte de sua política de vizinhança, já que eram parte da Doutrina de Segurança Nacional as barreiras ideológicas, isto é, o combate à ameaça comunista não se limitava dentro das fronteiras brasileiras, permitindo incursões como foi na República Dominicana em 1965.

Cartaz com o resultado final do pleito onde Bordaberry venceu por 1%
Cartaz com o resultado final do pleito onde Bordaberry venceu por 1%

Em 1973, sob a liderança do próprio Bordaberry, o Uruguai deixou de ser última democracia do cone sul e se juntou aos regimes autoritários, o que duraria até 1985 quando, no mesmo ano que o Brasil, voltou a ter um civil no poder e colocar um fim aos ventos sombrios da ditadura. Em 1983 a Argentina já tinha transitado ao regime democrático e o Paraguai só viria a fazer isso em 1989, após 35 anos sob o poder de um único ditador, Alfredo Stroessner.

Com os principais países sul-americanos sob regimes autoritários, os Estados Unidos e seus aliados deram início a Operação Condor em em 1975 para perseguir opositores
Com os principais países sul-americanos sob regimes autoritários, os Estados Unidos e seus aliados deram início a Operação Condor em em 1975 para perseguir opositores

O Paraguai assim como o Uruguai possui uma relevância extraordinária do ponto de vista geopolítico da América do Sul, portanto haverá um texto somente sobre eles em relação ao Brasil.

Por fim, após a transição democrática os quatro países iniciaram as rodadas de financiamento que acabaram por formalizar a criação do MERCOSUL em 1991, de modo a integrar as economias, fluxo social,   cooperação política e claro, democrática, como foi firmado no Protocolo de Ushuaia de 1998, no qual veta regimes não democráticos de serem membros do bloco sul-americano.

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