As startups acontecem na velocidade da confiança
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As startups acontecem na velocidade da confiança

Filipe Alvarenga
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Eu diria que qualquer empresa acontece na velocidade da confiança, mas com certeza em uma startup é um fator que impacta muito mais.

Claro que existem outros requisitos fundamentais para que uma empresa tenha um desenvolvimento acelerado e êxito em suas atividades. Minha experiência empreendendo full-time por aproximadamente dois anos na Planejei.com me mostrou que confiança é um dos mais complexos e principais desses requisitos.

Por que é tão importante?

Você já deve ter ouvido falar de alguma grande empresa que sofre com o seguinte problema: contratam grandes talentos, depois de um curto período de tempo esses talentos se sentem subestimados e sem o poder de exercer todo o seu potencial.

Isso tende a gerar os seguintes problemas:

  • A empresa não consegue reter talentos;
  • Quando retém, a produtividade e os níveis de satisfação são abaixo do esperado.

Uma das razões para que isso aconteça é o fato de que conforme as empresas crescem elas optam por uma gestão baseada em processos e burocracias ao invés de autonomia e confiança.

A intenção é boa: garantir que tudo aconteça conforme o planejado conforme a empresa cresce. E isto funcionou por muito tempo. Mas nos dias de hoje um ambiente com baixos níveis de autonomia e confiança faz com que as pessoas trabalhem acuadas, com medo de que ao aplicar seus conhecimentos e habilidades para tentar novos caminhos venham a infringir algum processo ou regra.

Isto não é exceção das grandes empresas. Se você não pensar sobre a cultura da sua startup logo no início pode acabar sofrendo com os mesmos problemas.

Um ambiente de alta confiança gera flexibilidade. As pessoas se sentem à vontade para tomar riscos e explorar completamente seu potencial. Elas sabem que vão ser reconhecidas pelos resultados de seus experimentos e não penalizadas quando algum deles falhar.

Ross Smith, um diretor da Microsoft, fez um experimento com seu time e comprovou exatamente isto. Recomendo a leitura deste artigo que explora o experimento.

Não só internamente…

Apesar de ter citado um exemplo de colaboradores em uma grande empresa, os impactos de um ambiente de baixa confiança existem em qualquer relação.

Por exemplo: quando for a hora de escolher investidores para a sua startup a confiança entre as partes é mais do que essencial. De nada adianta um investidor escolher uma startup para o seu portfolio sem confiar que os empreendedores que estão por trás do projeto tem as habilidades e a integridade necessária para executar o negócio.

Pude ouvir e presenciar algumas histórias onde para mitigar a falta de confiança os investidores acabaram fazendo exigências desproporcionais. Em alguns casos as negociações foram encerradas por este motivo.

O problema é que por mais rígido que seja um contrato ele não cria uma relação de confiança entre as partes. No pior dos casos essa falta de confiança pode causar insegurança e deixar os fundadores acuados, com medo de realizar experimentos, falhar e tentar novamente. Sem esse ciclo não existe inovação.

Nesses casos o investimento que deveria servir para acelerar o desenvolvimento do produto e crescimento da startup acaba por exercer papel contrário, inibindo a flexibilidade e agilidade que uma startup precisa ter.

É claro que também existem os casos onde a startup não confia no investidor e cria as mesmas situações de problema. Usei o caso acima apenas a título de exemplo. A confiança precisa sempre ser mútua.

Como a tão necessária confiança é gerada?

Ok, já entendemos a importância da confiança e que não são processos ou contratos rígidos que vão criar relações de confiança entre as pessoas e/ou organizações. Vamos sair do contexto startup/corporação e pensar sobre como as pessoas se relacionam.

Então como a confiança é gerada?

Trust is subjective, situational, and very individual.

No artigo citado antes, que explora o experimento feito por Ross Smith sobre a relação da confiança com a inovação, retenção de talentos e satisfação no trabalho, Ross chegou a conclusão de que a confiança é algo subjetivo, situacional e muito individual. Eu concordo, mas vamos nos permitir olhar para o processo de construção de confiança por um ponto de vista mais amplo: o cultural.

Quando o assunto é construção de confiança podemos separar as pessoas em dois grupos culturais: as culturas mais afetivas e as culturas mais cognitivas.

No ambiente dos negócios as culturas mais afetivas tendem a criar confiança baseando-se em relações afetivas. Preferem fazer negócios com pessoas que são próximas e/ou estão no seu ciclo de amizade. Já as culturas mais cognitivas tendem a criar confiança baseando-se na capacidade da outra pessoa ou organização de executar a tarefa em questão ou executar com maior êxito o objetivo da relação.

Aqui no Brasil nós somos muito mais afetivos do que cognitivos, o que tem muitos benefícios, porém traz algumas consequências também. Uma das consequências é a baixa produtividade: o ciclo de fechamento dos negócios tende a ser mais longo.

O processo de criação de confiança cognitiva acaba por ser muito mais ágil. É mais fácil avaliar a capacidade da outra parte de executar alguma tarefa. Temos muitos recursos para avaliar isto. Podemos conversar com antigos clientes ou parceiros da pessoa/organização em questão, validar as informações fornecidas, pedir recomendações formais, avaliar o histórico profissional entre diversas outras maneiras.

Para construir confiança afetiva as coisas naturalmente fluem mais devagar. Não é incomum que na primeira reunião entre as partes sejam abordados poucos assuntos referentes ao negócio em questão e de forma objetiva, e mais assuntos introdutórios e pessoais para que seja construída alguma relação antes de ir direto ao ponto.

O fato é que em uma cultura baseada em confiança cognitiva, como os EUA, negócios frequentemente são fechados com uma ou duas reuniões (de 30 minutos). Enquanto que em uma cultura baseada em afetividade isso pode levar algumas reuniões e ainda requerer uma indicação de alguém com quem tenha uma relação afetiva já estabelecida para que o negócio seja fechado.

Talvez uma mudança cultural seja necessária para que nos tornemos mais produtivos. Ou talvez focando em nos tornarmos mais produtivos vamos mudar nossa cultura para melhor.

Culturas baseadas em relacionamento x Corrupção

Chegamos em um ponto muito importante. O mapa abaixo traz os países com índices mais altos de corrupção em tons de vermelho e os países com índices mais baixos em tons de amarelo.

Mapa mundial da corrupção (2011):&nbsp;<a href="https://medium.com/r/?url=http%3A%2F%2Fwww.targetmap.com%2Fviewer.aspx%3FreportId%3D19270" target="_blank">http://www.targetmap.com/viewer.aspx?reportId=19270</a>.
Mapa mundial da corrupção (2011): http://www.targetmap.com/viewer.aspx?reportId=19270.

Já a imagem abaixo, extraída de um video do Harvard Business Review que eu recomendo que você veja, mostra como alguns países estão posicionados em uma escala de confiança cognitiva e confiança afetiva (culturas baseadas em relacionamento).

Confiança cognitiva x Confiança afetiva. Fonte:&nbsp;<a href="https://medium.com/r/?url=https%3A%2F%2Fhbr.org%2Fvideo%2Fembed%2F4631884629001" target="_blank">https://hbr.org/video/embed/4631884629001</a>.
Confiança cognitiva x Confiança afetiva. Fonte: https://hbr.org/video/embed/4631884629001.

Analisando estas informações conseguimos perceber uma relação: os países com culturas baseadas em afetividade costumam ter índices mais altos de corrupção. Esta imagem é apenas uma amostragem, e apesar de não trazer o Brasil, estamos posicionados como uma cultura que valoriza confiança afetiva.

Veja bem, não estou dizendo que isto é um dado estatístico. É claro que seria necessário um estudo muito mais aprofundado para que uma conclusão como esta fosse considerada como verdade. Apenas estou trazendo essa relação para que possamos refletir e debater sobre o assunto.

No meu ponto de vista, o fato de que nas culturas baseadas em relacionamento é preferível ter uma relação de negócios com alguém mais próximo do que com alguém mais eficiente faz com que corrupção sirva como um meio para burlar qualquer sistema que tente garantir que a relação mais eficiente seja sempre a opção escolhida. As licitações fraudadas beneficiando organizações e pessoas próximas aos governantes, como as que (infelizmente) estamos acostumados a ver nos noticiários, são um bom exemplo disto.

Para complementar, deixo um trecho de uma entrevista do economista Ricardo Amorim onde ele explica uma entre as várias situações onde é melhor estar próximo do "Rei" do que ser eficiente em nossa cultura.

Capitalismo Tupiniquim: É melhor estar próximo do "rei" do que ser eficiente.

Concluindo

Se quisermos ter um ambiente realmente fértil para a inovação talvez tenhamos que repensar algumas coisas que são fundamentais, que nós aprendemos ao longo da vida sem nem nos dar conta. Temos que aprender com os bons exemplos que estão surgindo. Temos que nos manter alerta e perceber quando alguma herança cultural está fazendo as coisas andarem mais devagar.

“Pay attention to those people who are 30 years old, because those are the internet generation. They will change the world, they are the builders of the world.” — Jack Ma.

Jack Ma do Alibaba disse este mês: "Pay attention to those people who are 30 years old, because those are the internet generation. They will change the world, they are the builders of the world.". Talvez ele tenha sido exageradamente categórico citando uma idade específica, mas eu concordo com ele e acredito que nós como a "geração da internet" somos os construtores do mundo.

Vamos aproveitar que podemos (re)construir o mundo e fazer diferente. Como vimos ao longo do post, repensando a maneira como nós nos relacionamos podemos fazer com que nossos negócios andem mais rápido, que sejamos mais produtivo, que trabalhemos mais satisfeitos e isso é essencial para que a inovação aconteça. De quebra poderemos estar contribuindo índices mais baixos de corrupção no futuro e evitar que existam essas relações estranhas como andamos vendo por aí.

A inspiração para escrever este post apareceu durante o FINNOSUMMIT 2016, onde pude conversar com outros empreendedores e VCs sobre os desafios e barreiras de empreender/investir na América Latina. Principalmente depois de ver a palestra de abertura onde Paul Ahlstrom da Alta Ventures fala sobre os tópicos que abordei aqui e muitos outros.

E você, o que acha? Comenta aí!

Esse assunto que é recorrente para mim desde que eu pude ver a palestra acima. Resolvi escrever sobre como forma de compartilhar a reflexão e ouvir a opinião de mais pessoas. Concorda comigo? Deixa uns pings, comenta e compartilha pra que essa reflexão chegue a ainda mais pessoas.