A pandemia do novo coronavírus trouxe consigo uma tempestade perfeita para que o pensamento da extrema direita se consolidasse. A crise sanitária na era da pós-verdade se desenvolveu juntamente com uma outra pandemia, a de desinformação. E is...
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A pandemia do novo coronavírus trouxe consigo uma tempestade perfeita para que o pensamento da extrema direita se consolidasse. A crise sanitária na era da pós-verdade se desenvolveu juntamente com uma outra pandemia, a de desinformação. E isso se deu num momento em que, para conter o vírus, as pessoas precisaram se isolar em suas casas, passando ainda mais tempo na internet. | ||
Temos, assim, um cenário de medo, incerteza e ansiedade, em que cidadãos no mundo todo, não podendo se reunir presencialmente, acabaram buscando conforto em comunidades nas redes sociais. | ||
Trata-se de uma equação delicada: milhões de pessoas fisicamente isoladas, amedrontadas com uma nova doença altamente contagiosa, sobre a qual pesquisadores e até mesmo a Organização Mundial de Saúde (OMS) sabiam muito pouco. Patinando em suas diretrizes e recomendações, precisando fazer pequenos ajustes e declarações constantes, as instituições oficiais e os governos dos países se tornaram um alvo ainda maior de desconfiança. | ||
Somando-se à falta de respostas generalizada, há o fato de que o vírus foi descoberto na China e dela se espalhou para o mundo – ou seja, um vírus desconhecido vindo de um país pouco transparente, sob o título de comunista, que vem despontando como grande potência e que não esconde suas ambições. | ||
Havia alguma dúvida de que teorias da conspiração iriam prosperar e se multiplicar paralelamente às fake news pontuais? | ||
A jornalista Eva Wiseman, em coluna para o Guardian, chamou a atenção para um fenômeno que, embora não tenha se iniciado com a pandemia, parece estar se beneficiando bastante com ela: a “conspiritualidade”. O termo, cunhado pelos sociólogos Charlotte Ward e David Voas, aponta para como o pensamento espiritualista contemporâneo serve de porta de entrada para a crença conspiracionista. | ||
Nas redes sociais, esses espiritualistas vêm na forma de influenciadores/as voltados/as para promover o bem-estar, a evolução mental e métodos alternativos de tratamento calcados em pseudociências diversas – no Brasil, seria a comunidade que chamamos de “gratiluz”. | ||
São figuras que atraem um público numeroso, formado especialmente por mulheres que buscam um estilo de vida supostamente mais saudável, e que normalmente vendem um conteúdo que promete, além da melhora física, uma evolução mental e espiritual. | ||
Observando o discurso desses indivíduos, é comum encontrar críticas ao modo como as pessoas têm consumido medicamentos sintéticos em excesso e se tornaram dependentes de substâncias produzidas pela indústria farmacêutica, que trabalha ao lado da medicina tradicional para fomentar e manter essa dependência. | ||
Por um lado, é fato que grandes laboratórios têm interesses mercadológicos, aliando-se a empresas e a profissionais da medicina a fim de venderem seus produtos a pacientes que não necessariamente precisam deles – ou que obteriam o mesmo benefício de produtos mais baratos ou com menos efeitos colaterais, por exemplo. Por outro lado, há uma linha aparentemente tênue entre uma percepção crítica razoável sobre como operam as gigantes farmacêuticas – uma vez que existe um histórico considerável de pesquisas eticamente duvidosas e com efeitos desastrosos no passado – e a crença em teorias conspiratórias de controle da humanidade através de substâncias químicas. | ||
Dessa forma, com uma ajudinha dos algoritmos, basta um clique para que a pessoa, após assistir a um vídeo com receitas naturais para aumentar a imunidade, tenha a oportunidade de conhecer os perigos das vacinas. | ||
Ora, tirar proveito de medos e inseguranças de um determinado segmento do público como forma de obter lucro é uma estratégia publicitária comum e nada recente. O que temos de novo, aqui, é o modo como os algoritmos têm facilitado o uso dessa tática nas redes sociais e plataformas digitais como um todo. | ||
E como já discutimos, teorias da conspiração se proliferam mais em cenários nos quais predomina a incerteza, a ansiedade diante do desconhecido. Além disso, por mais que a ciência se esforce para trazer informações precisas sobre a Covid-19, sabemos que discursos com apelo emocional se espalham muito mais rapidamente que comunicações científicas racionais. | ||
Outra questão delicada está no fato de o público em geral ter um conhecimento bastante superficial sobre os processos de uma pesquisa científica. Normalmente, as pessoas conhecem muito pouco ou nada do funcionamento de vacinas e de medicamentos, ou de como são desenvolvidos. | ||
Sob uma premissa distorcida e/ou equivocada de que a liberdade de expressão seria um direito absoluto, ativistas antivacina, por exemplo, tiraram proveito da regulamentação falha das redes sociais para exporem suas crenças e convencer a um número cada vez maior de indivíduos desconfiados. E, obviamente, políticos populistas como Trump e Bolsonaro, mais uma vez, capitalizaram esse discurso para reforçar seu posicionamento supostamente contrário ao establishment. | ||
Toda essa onda de valorização de pesudociências tem sido benéfica ao QAnon, essa mega teoria conspiratória que se alimenta de racismo, xenofobia, antissemitismo, LGBTfobia, anticomunismo e de uma rejeição generalizada às autoridades políticas e científicas. | ||
Para além dos interesses políticos, não podemos nos esquecer que o mercado da pseudociência e suas terapias alternativas movimentam cifras astronômicas nessa esteira negacionista. A propaganda de medicamentos sem eficácia comprovada, de suplementos milagrosos e até de pulseiras ou colares magnéticos que protegeriam as pessoas do vírus está por todos os lugares. | ||
Então, ao nos perguntarmos porque teorias conspiratórias continuam circulando na sociedade, devemos também pensar numa resposta um tanto quanto comum: onde está o dinheiro? |