Por que teorias da conspiração prosperam?
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Por que teorias da conspiração prosperam?

Inicialmente, precisamos entender que há aspectos de nosso cérebro que se explicam pela evolução, pela necessidade de maior eficiência ou de maior proteção do indivíduo. A psicóloga e pesquisadora Cordelia Fine, no livro Ideias próprias: como...

Francine Oliveira
7 min
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Há algo em comum em todas as teorias conspiratórias. E a culpa talvez seja nossa, mesmo.
Há algo em comum em todas as teorias conspiratórias. E a culpa talvez seja nossa, mesmo.

Inicialmente, precisamos entender que há aspectos de nosso cérebro que se explicam pela evolução, pela necessidade de maior eficiência ou de maior proteção do indivíduo. A psicóloga e pesquisadora Cordelia Fine, no livro Ideias próprias: como seu cérebro distorce a realidade e o engana (2008), aborda essas características, trazendo elementos importantes para pensarmos sobre a consolidação das crenças na mente.

Segundo a autora, nosso cérebro é naturalmente teimoso e enviesado. Além de resistir a aceitar o acaso e sempre buscar ligações entre eventos, mesmo que sejam aleatórios, ele faz com que sejamos extremamente leais às nossas crenças, por vezes de modo irracional.

Claro, a biologia e o instinto não devem ser considerados os únicos responsáveis pela intransigência de uma pessoa. Mas ter em mente essa predisposição a visões de mundo enviesadas, preconceituosas (sim, tendemos a enxergar tudo a partir de preconceitos), bem como à teimosia, será útil para compreendermos como teorias conspiratórias se mantêm e continuam a ser compartilhadas ao longo da História.

Outra característica do nosso cérebro é a de buscar a economia de energia. Para evitar que nossos recursos mentais se esgotem, estamos sempre utilizando estratégias de organização, buscando meios de relacionar, conectar, ordenar e classificar as coisas. Estabelecer padrões é uma forma eficaz de reconhecer com maior facilidade e rapidez aquilo que vemos, garantindo consistência e certa estabilidade em nossas vidas.

Desordem, bagunça, ambivalência, dubiedade, emoções conflitantes, instabilidade, tudo isso nos causa desconforto e, consequentemente, leva ao cansaço mental. Cordelia Fine (2008) explica ainda que a exaustão mental prejudica nossa capacidade de racionalização, tornando mais difícil a realização de tarefas como fazer escolhas ou até interagir com pessoas – você já reparou que, numa situação de extremo cansaço mental, fica meio impaciente e sem muita vontade de conversar?!

Aqui, vale a pena apontar que teorias conspiratórias normalmente oferecem explicações objetivas para eventos muito complexos. Em geral, são narrativas simplificadas, que se beneficiam da lógica de confrontação maniqueísta, entre o bem e o mal, conforme aponta o jornalista Rob Brotherton, na obra Suspicious Minds: Why We Believe Conspiracy Theories (2016), sem tradução para o português. Elas são especialmente atraentes em ocasiões extremamente caóticas e que causam grande impacto, a exemplo de atentados terroristas. Em situações para as quais não conseguimos encontrar uma razão, ou que se mostram estranhamente aleatórias, nossa reação costuma ser a de buscar padrões.

Essa inclinação nos faz, por exemplo, falar em “destino” ou em “vontade divina” quando experienciamos coincidências – que, estatisticamente, acontecem aos montes durante nossa vida. Bruce Hood, em Supersentido: Porque acreditamos no inacreditável (2010), aponta ainda que todos temos um certo nível de superstição, uma inclinação a acreditar no sobrenatural, em especial quando passamos por eventos “estranhos”.

Em outras palavras, quando nossa mente não encontra nenhum padrão capaz de oferecer explicações plausíveis sobre um acontecimento, ela os cria. E, sabemos, um grande número de pessoas se interessa por temas envolvendo ocultismo, paranormalidade e mistérios em geral – não à toa, o sobrenatural está bastante presente em teorias conspiratórias.

Além de não ser muito afeito a aleatoriedades, nosso cérebro tem um aspecto questionador, uma tendência à suspeição, que funciona como estratégia de defesa. Temos um leve grau de paranoia que nos leva a exercer a prudência. Acontece que, segundo Brotherton (2016), a linha entre a moderação e o exagero é tênue. O cérebro pode facilmente se exceder enquanto procuramos por intenções ocultas por trás de declarações e comportamentos.

Outro aspecto a ser mencionado tem a ver com ilusões cognitivas que vão se formando enquanto empreendemos essa incansável busca pelos padrões. Nossa mente tem um repertório gigantesco de atalhos e regras preferenciais que vão se consolidando ao longo de nossa vida. Esse repertório é ativado e lançado quando nos deparamos com informações ou imagens incompletas, ambíguas, caóticas, difíceis de serem discernidas... É um recurso para preencher lacunas e fazer com que certas coisas tenham mais sentido quando olhamos para elas.

Brotherton (2016) destaca, nesse sentido, que somos altamente suscetíveis não apenas a ilusões visuais, mas também a ilusões mentais, que acometem nossos pensamentos. Uma vez que nosso cérebro evoluiu a fim de interpretar os padrões com rapidez e de maneira incisiva, prestamos atenção a cada possível conexão como se fosse importante – mesmo quando se trata de algo irrelevante. A consequência disso é que nossa intuição acaba fazendo com que observemos os pontos como se estivessem ligados, ainda que os fatos não tenham qualquer relação entre si.

As teorias da conspiração, aliás, são um excelente exemplo desse nosso apego inerente ao exercício de ligar os pontos.

Não apenas nos rendemos à desconfiança com frequência, mas temos um apreço ao exercício de nossas faculdades morais – que são resultado do nosso condicionamento ético, constantemente reiterado. Por isso, odiamos apaixonadamente vilões em geral. Certas narrativas arquetípicas são extremamente populares porque trazem histórias que nos permitem rapidamente identificar o vilão e julgá-lo.

Esses vilões essencialmente maus e perversos reforçam nossa crença na existência de uma maldade pura. A diferenciação entre o bem e o mal, entre o herói e o vilão, é algo que também se faz presente em nosso dia a dia, em maior ou menor grau. A todo momento lançamos mão dessa lógica dualista. Basta pensar no sucesso de programas sensacionalistas que veiculam notícias policiais, sempre sob a ótica de criminosos que atacam inocentes. Aliás, a expressão “cidadão de bem” para se referir a uma suposta vítima de “marginais” é sintomática disso.

Rob Brotherton (2016) chama a atenção para como o discurso político também se utiliza dessa estratégia dualista, aproximando-se da lógica conspiracionista. O que observamos, em grande parte – se não em todos – dos embates políticos, é o emprego de narrativas intensas, assertivas, sem nuances ou meios-termos. Daí a permanência dessa polarização que desperta tantos afetos – lembrando que o ódio também é um afeto.

No caso de teorias da conspiração, as mais populares são justamente aquelas que delimitam explicitamente um inimigo, ou seja, um vilão, que estaria empenhado em prejudicar ou mesmo em destruir pessoas inocentes, que não suspeitam de nada, por pura maldade.

Ainda dentro dessa perspectiva da chamada “jornada do herói” que aparece em todas as narrativas clássicas ao longo da História da humanidade, Rob Brotherton (2016) destaca o apelo do underdog, o herói injustiçado, que tem de superar as adversidades e vencer um inimigo poderoso. Segundo o jornalista, as desvantagens aparentemente injustas que tornam a jornada desse indivíduo ainda mais difícil alimentam nosso desejo por justiça. Mais uma vez, estamos exercendo a moralidade e por esse motivo encaramos com mais simpatia esses sujeitos que parecem estar sozinhos, excluídos, isolados, lutando contra um poderoso inimigo corrupto.

É inevitável, neste ponto, pensar em como Jair Bolsonaro construiu sua campanha presidencial em torno de sua posição como deputado do “baixo clero”. A narrativa focava na ideia de que Bolsonaro permanecia sendo um outsider na política, sem destaque, por não se aliar aos poderosos corruptos que comandavam o sistema.

Ao delimitar seus inimigos como “esquerdistas”, “comunistas” e “petistas”, Bolsonaro deixa explícito quem seriam os vilões conspiradores. E o episódio da facada em Juiz de Fora (MG) foi usado como uma prova irrefutável de que haveria mesmo uma conspiração para tirá-lo da disputa presidencial, por ele ser incorruptível e representar uma suposta ameaça ao sistema.

Quanto à “ideologia de gênero”, há também uma fórmula semelhante na construção da narrativa. Segundo essa conspiração, os “globalistas” da ONU, em aliança com “feministas abortistas” e o “lobby homossexual” seriam os grandes vilões que trabalham para a imposição da “cultura da morte”. Assim, cristãos conservadores têm a missão heroica de salvar a sociedade ocidental que tem na tradicional família patriarcal, heterossexual e monogâmica a sua base.

As teorias conspiratórias mais atraentes costumam ter exatamente esses mesmos contornos. Os inimigos são os detentores do poder e precisam ser combatidos pelos menores, os tais underdogs. A motivação para a batalha é nobre, pois os conspiradores ameaçam a liberdade e o bem-estar da população.

Não é coincidência que os protestos contra as medidas de contenção da pandemia de Covid-19 evoquem também essas questões. Isso também vai permear todas as narrativas bizarras que compõem as crenças do QAnon.

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