Quem conspira contra os conspiradores?
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Quem conspira contra os conspiradores?

No cenário político atual, chega a ser cansativo o quanto conservadores usam a noção de que existe uma conspiração da esquerda para a dominação mundial como justificativa para suas crenças, ações e apoio a medidas antidemocráticas. O caso de ...

Francine Oliveira
5 min
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Evento em Charlottesville organizado por supremacistas brancos em 2017.
Evento em Charlottesville organizado por supremacistas brancos em 2017.

No cenário político atual, chega a ser cansativo o quanto conservadores usam a noção de que existe uma conspiração da esquerda para a dominação mundial como justificativa para suas crenças, ações e apoio a medidas antidemocráticas. O caso de Jair Bolsonaro e seus apoiadores é exemplar nesse âmbito.

Em 2011, os pesquisadores Karen Douglas e Robbie Sutton, em dois estudos voltados para entender as relações entre traços de personalidade individual e crença em teorias da conspiração, descobriram que a projeção opera como uma ferramenta importante de julgamento: indivíduos pessoalmente dispostos a participar de uma conspiração projetam essa disposição nos outros. A lógica é, basicamente, a de que, se eu faria, os outros também fariam.

Algumas características também foram observadas em pessoas dispostas a conspirar, como a anomia (que seria a ausência de normas de conduta, de ética), uma falta de confiança crônica nos outros e maiores níveis de maquiavelismo (uma tendência a manipular ou a tirar proveito das pessoas em benefício próprio).

Por fim, Douglas e Sutton (2011) notaram que, quando estimulam os preceitos morais dos indivíduos – por exemplo, pedindo que se lembrem e escrevam sobre uma ocasião em que agiram de forma positiva, ajudando alguém –, esses se mostram menos dispostos a crer em teorias da conspiração – muito provavelmente porque o estímulo moral faz com que estejam também menos dispostos a consentir com uma conspiração.

Há diversos casos históricos que ilustram as descobertas desses pesquisadores em Psicologia Social. Um deles, conforme lembra Rob Brotherton, em Suspicious Minds (2016), foi o da fundação do segundo grupo da Ku Klux Klan, em meados dos anos 1910.

A título de curiosidade, o primeiro movimento Ku Klux Klan foi criado no século XIX. Ele atuava especificamente para derrubar os governos estaduais republicanos moderados durante o período de Reconstrução dos Estados Unidos, após a Guerra de Secessão. Esse primeiro grupo, no entanto, foi suprimido em 1871.

O segundo grupo, por sua vez, foi criado em 1915, a partir da crença em uma grande trama conspiratória. Os membros acreditavam que o Papa, e a Igreja Católica como um todo, planejavam declarar guerra contra o Protestantismo, tomar o governo federal estadunidense e mudar a sede do Vaticano para o estado de Indiana. Havia até mesmo rumores de que católicos estariam estocando armamento nas igrejas, cujas construções, com altas torres, tinham o objetivo de servir como pontos estratégicos para atiradores. Assim, além de racista e antissemita, esse movimento se destacou pelo anticatolicismo.

Foram eles que também adotaram um caráter mais ritualístico para a KKK, incluindo o traje branco padrão, as queimas de cruzes e a realização de desfiles públicos. Tornaram-se uma espécie de sociedade (não tão) secreta, marcada por estratégias planejadas de ação, tal qual acusavam seus inimigos de fazer.

De modo bastante semelhante, os supremacistas da atual Alt-Right – incluindo uma terceira onda da KKK – acreditam em uma outra teoria da conspiração, à qual dão o nome de “genocídio branco”. Segundo esses indivíduos, a imigração em massa e as políticas progressistas, visando à igualdade de gênero, à reparação histórica de pessoas escravizadas, oferecendo oportunidades à população negra, bem como a concessão de direitos LGBT+, entre outras, estariam minando os direitos dos brancos e os levando a se tornarem uma minoria social.

Essa noção de que os brancos estariam sendo preteridos pelo sistema está por trás das manifestações organizadas em Charlottesville, na Virgínia, em 2017, bem como perpassa as crenças dos Proud Boys e de diversos manifestantes envolvidos na invasão do Capitólio após a vitória de Joe Biden à presidência.  Em outras palavras, a crença em uma conspiração faz com que supremacistas brancos se reúnam a fim de promover sua própria conspiração.

No Brasil, é evidente o desejo de apoiadores de Bolsonaro de que se instaure um regime militar que conspire a favor do presidente. Ele mesmo, juntamente com seus filhos, colocou em curso uma trama contra as instituições e seus supostos inimigos, acreditando numa conspiração esquerdista pelo poder.

Estamos à beira de um golpe gradativamente orquestrado e justificado com outra conspiração, a de que as eleições passadas foram fraudadas e estaria para haver – sim, no futuro – mais uma fraude nas urnas eletrônicas em 2022. Além disso, os traços de personalidade de Jair Bolsonaro parecem estar em consonância com as descobertas do estudo de Douglas e Sutton (2011).

Outro exemplo dessa projeção está na articulação de ultracatólicos na política, como revelou um recente vazamento no portal WikiLeaks sob o título de "The Intolerance Network".

Pretendo falar sobre isso mais a fundo em outro artigo, por ser algo bastante complexo, mas parte da questão aparece em um texto anterior, no qual abordei a “ideologia de gênero”, que é parte de um conjunto de conspirações que a Igreja Católica e seus ativistas têm chamado de “cultura da morte”. Para combater essa ameaça ficcional, é notável como esses ativistas passaram a conspirar ativamente contra – mais uma vez – as políticas de cunho progressista.

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