Por que o mundo está do jeito que está? - I
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Por que o mundo está do jeito que está? - I

Edward Younkins • Le Québécois Libre

Free Brasil01/07/2021
8 min
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Edward Younkins Le Québécois Libre

<b><i>Estátua de Wilston Churchill, primeiro-ministro que liderou o Reino Unido no combate à Alemanha Nazista durante a Segunda-Guerra Mundial, é pichada durante protestos na cidade de Londres.</i></b>
Estátua de Wilston Churchill, primeiro-ministro que liderou o Reino Unido no combate à Alemanha Nazista durante a Segunda-Guerra Mundial, é pichada durante protestos na cidade de Londres.

Nesta série de textos traduzidos pela Free, Edward Younkins apresenta uma análise sobre o relativismo cultural, sua evolução teórica ao longo do tempo e suas consequências.

Younkins também demonstra como os descendentes intelectuais dessa corrente contribuem para a fragmentação dos princípios que permitiram o desenvolvimento da razão científica, da ética e de sociedades mais livres no Ocidente e ao redor do mundo.

Capítulo I - Relativismo cultural

Relativismo, a ideia de que a verdade é uma noção condicionada historicamente e que não transcende divisas culturais, existe desde a Grécia antiga há 2400 anos atrás. O Relativismo implica que toda verdade é relativa exceto a afirmação de que "a verdade é relativa".

O relativismo cultural falsamente afirma que cada cultura tem seus próprios e distintos modos de percepção, pensamento e escolha, e de estes são igualmente válidos. Este é o oposto da ideia de que a verdade moral é universal e objetiva, no relativismo cultural não há algo como um certo ou errado.

Como não existe uma verdade moral objetiva que pertence a todas as pessoas de todas as eras, um código moral não pode ser melhor que outro, portanto, não deveríamos impor nossos valores a outras sociedades. A partir disso, de acordo com o relativismo cultural, nós não poderíamos fazer objeção a Hitler e ao Nazismo, ao sacrifício infantil dos Maias, ao massacre estudantil na praça de Tiananmen praticado pela China, ao Apartheid da África do Sul, à mutilação genital de garotas na Somália, por assim em diante, pois cada uma destas práticas é justificada pela visão de mundo de onde é praticada. Nem poderíamos afirmar que tais fenômenos culturais são inferiores a outros. Em adição a isso, nós também devemos nos privar da crítica às nossas próprias práticas culturais.

Indo além, dentro desta perspectiva não há espaço para a pergunta "Em direção a qual progresso deveríamos progredir?" pois não existe nenhuma necessidade ou argumento a favor do progresso social.

"Sem a possibilidade de um diálogo racional entre os grupos, as únicas alternativas são o isolacionismo ou a guerra através da qual o poder político é utilizado para disputar diferenças entre grupos." - Edward Younkins

A racionalidade que ajudou a construir a civilização ocidental e suas grandes conquistas – a democracia, os direitos humanos, a ideia de dignidade da vida humana – é substituída pelo sentimento – e pelo ressentimento. Multiculturalismo, pós-modernismo, desconstrutivismo, politicamente correto e a engenharia social estão entre os descendentes "intelectuais" desta corrente.

- O desenvolvimento e as raízes filosóficas do relativismo cultural

Relativismo, a visão de que a verdade é diferente para cada indivíduo, grupo social ou período histórico, teve seu início na Grécia Antiga. Entretanto, foi David Hume (1711-1766) e sua formulação sobre essa visão de mundo que a tornou uma ideia importante no período Moderno.

Hume argumentava em favor do relativismo porque para ele ninguém poderia saber nada com absoluta certeza. O ceticismo de Hume implicava que nem a razão nem os sentidos podem oferecer um conhecimento confiável, e que consequentemente, o homem é um ser indefeso em um Universo ininteligível.

Hume procurou eliminar o conceito de causalidade objetiva no mundo. Ele argumentava que devido a todo conhecimento vir da experiência, nós não poderíamos ter nenhum conhecimento sobre a causalidade pois nós não experienciamos ela. O que nós nos referimos como causalidade, simplesmente é o nosso hábito de associar eventos quando experienciamos eles juntos, mas isso não significaria que existe uma conexão entre eles. Em resumo, experiências de contiguidade, prioridade e conjunção não implicariam necessariamente em uma conexão entre objetos.

Immaniel Kant (1724-1804) concordava com Hume em relação à inabilidade de se ver ou provar casualidade no mundo objetivo, mas dizia que as pessoas sempre irão experienciar o mundo por redes de causalidade pois a causalidade é uma característica do mundo subjetivo. Kant acreditava que o homem está separado do mundo objetivo e nunca poderia conhecer o mundo como ele é. Entretanto, a mente humana tem conceitos, categorias ou filtros fundamentais construídos nela pelos quais o homem entende o mundo. O homem estrutura o mundo que ele experiência para que este se conforme à sua mente, portanto ele nunca conheceria as coisas como elas são, apenas como elas aparentam sob a operação cognitiva do homem. A realidade percebida pela mente humana é distorcida de acordo com a natureza da faculdade conceitual do homem.

Os conceitos básicos do homem (causalidade, tempo, espaço, entidade, qualidade, quantidade,etc.) não provém da experiência ou realidade mas de um sistema automático de conceitos, categorias e filtros em sua consciência que impõe o design de suas percepções da realidade externa e o deixam incapaz de perceber o mundo de qualquer outro modo senão este.

Imagine que todo humano é nascido com lentes orgânicas vermelhas em seus olhos pelas quais ele vê o mundo. O mundo pareceria vermelho mesmo que esta cor não estivesse no mundo objetivamente. Vermelho seria uma característica do mundo subjetivo. As funções dos filtros mentais são análogas a das lentes.

Kant dizia que nós vemos o mundo em termos de entidades porque nós temos uma categoria de entidades construída em nossa mente. Por esta razão, nós experienciamos o mundo em termos de um sistema de redes causais. Não podemos saber o que realmente existe no mundo objetivamente. O dualismo epistemológico de Kant afirma que um objeto existe como ele é e existe de acordo como o interpretamos (de acordo como é filtrado pelo nosso aparato epistemológico). Kant mantém a posição de que a mente é indefesa, a respeito de conhecer o mundo objetivo, mas poderosamente criativa em criar interpretações sociais. A realidade se torna social pois as pessoas criam a realidade.

De acordo com Kant, existe apenas um tipo de mente humana e esta é universalmente a mesma, cada pessoa tem as mesmas categorias portanto constrói o mundo da mesma forma. Como membros da mesma espécie, cada um de nós tem o mesmo aparato de processamento. A realidade (na medida que nós a conhecemos) depende da função cognitiva da mente humana como um todo. A sociedade estabelece as normas de verdade e falsidade e de certo e errado. Esta é a essência da teoria da primazia social da consciência na metafísica de Kant. As ideias do homem são essencialmente uma ilusão coletiva da qual nenhuma pessoa tem a possibilidade de escapar. Se um homem enxerga as coisas de forma diferente da maioria, então ele deve estar errado devido a algum defeito em seu próprio mecanismo de processamento. Desta concepção, nasceu a noção de que a "objetividade" significa geralmente um subjetivismo coletivo. Kant acreditava que as categorias do homem são imutáveis, ao contrário de Hegel (1770-1831) que afirmava que elas evoluem e que tal mudança é essencial para se entender a consciência, a história e a humanidade.

Marx (1818-1883) afirmava que estas categorias se diferenciavam de acordo com os aspecto econômico de subgrupos. Essa fragmentação ou pluralização do subjetivismo social de Kant se desenvolveu ao ponto em que o multiculturalismo atual afirma que subgrupos criam sua própria realidade baseada em raça, etnicidade, sexo, preferência sexual, etc. Cada grupo multicultural teria sua própria realidade, em sua própria lógica, sua própria verdade e falsidade, e seu próprio certo e errado. Ou seja, seria impossível se discutir, argumentar ou julgar a verdade de qualquer grupo, ou afirmar que uma seja mais objetiva do que qualquer outra.

Rosseau (1712-1778) mantinha a posição de que  a razão teve sua oportunidade mas falhou, que o ato de reflexão é contrário à natureza. A bondade do homem foi depravada pelo progresso que ele produziu e o conhecimento que adquiriu. Rosseau atacou a Era da Razão através da ênfase no sentimento, o oposto da razão, como a chave para a realidade e para o futuro. Seu pensamento estabeleceu o prefácio e deu ímpeto ao movimento do romantismo.

Seguindo Kant e Rosseau, os romancistas acreditavam que a razão era limitada à superfície do mundo das aparências, e que as verdadeiras fontes de conhecimento do homem seriam o sentimento, a intuição, a paixão ou a fé. Nesta visão, o homem essencialmente era um homem emocional e portanto deve buscar a verdade e agir de acordo. A virtude individual seria um "homem de sentimento" que seria sensitivo ao sofrimento dos outros e que exibiria espontaneamente simpatia, piedade e benevolência a eles.

Godwin (1756-1836) tinha um profundo senso de igualitarismo. Ele acreditava que isto era desejável e justo para sociedade, todos contribuírem de alguma forma e isto ser compartilhado entre todos de forma igual. Ele via a diferença entre os indivíduos como um produto de circunstâncias sociais diferentes, não haveria como entrarem nesta equação diferenças inerentes nas habilidades das pessoas. Embora ele entendia que algumas diferenças eram resultado de heranças, ele acreditava firmemente que uma estruturação ambiental adequada poderia superar qualquer desigualdade inerente.

Nietzsche (1844-1900) argumentava que o sentimento e a intuição são na verdade formas de razão e enxergava o universo como um plano de intenções em conflito. Ele também tinha a visão de que alguns humanos superiores estariam "além do mal e do bem" e teriam o direito de comandar as massas de acordo com seus próprios elevados propósitos. Estes indivíduos excepcionais, possuindo um alto nível de desenvolvimento intelectual, físico e força emocional, teriam a coragem necessária para avaliar todos os valores e agir com liberdade de acordo com sua força de vontade interna. Como resultado, os níveis mais baixos da sociedade iriam acreditar estarem sendo explorados e oprimidos e iriam experienciar um ressentimento profundamente enraizado. O resultado seria uma atitude física negativa, um desejo de evitar a vida e de vingança, que traduz as virtudes dos humanos superiores em vícios.

Kierkegaard (1813-1855) dizia que a verdade é subjetividade e que a existência autêntica é uma questão de fé e compromisso. Heidegger (1899-1976) mantinha a posição de que o homem é "jogado ao mundo", a existência é ininteligível, a razão é inválida, o homem é a criatura com medo do fato primário de sua mortalidade e está destinado por sua natureza à angústia, alienação e futilidade. Os escritos muitas vezes ininteligíveis de Heidegger podem ser descritos como equivalentes intelectuais da arte moderna.

- Em resumo

Esta breve revisão da filosofia descrita neste capítulo identificou as raízes de muitos dos conceitos prevalecentes hoje em dia, incluindo o relativismo, o subjetivismo social, o coletivismo, o determinismo, o pluralismo, o igualitarismo econômico, o irracionalismo, o elitismo e a disposição ao ressentimento e à vitimização histórica.

Estes são conceitos que sustentam, em diferentes proporções, os vários descendentes intelectuais do relativismo cultural.

Edward Younkins é professor de filosofia política e economia na Wheeling University e autor de obras como "Champions of Free Society" e "Flourishing and Happiness in a Free Society".


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