A melhor apresentação televisiva de Bob Dylan
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A melhor apresentação televisiva de Bob Dylan

Depois do lançamento de Infidels, Dylan chamou uma banda punk mexicana-texana pra ensaiar algumas canções. Charlie Quintana, Tony Marisco e J.J.Holiday chegaram de fusquinha na mansão de Dylan em Point Dume, com vista pro mar. Ensaiaram músic...

Gab Piumbato
3 min
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Depois do lançamento de Infidels, Dylan chamou uma banda punk mexicana-texana pra ensaiar algumas canções. Charlie Quintana, Tony Marisco e J.J.Holiday chegaram de fusquinha na mansão de Dylan em Point Dume, com vista pro mar. Ensaiaram músicas que os garotos nem sabiam o nome (e nem Bob fazia questão de dizer) até o vizinho chamar a polícia por causa do barulho.

Letterman não entendeu nada
Letterman não entendeu nada

Eles se entendiam apesar das ordens enigmáticas: Dylan dizia querer tocar algo como "se Buddy Boy Hawkins estivesse em uma sessão de striptease". A ideia era excursionar pela América do Sul no ano seguinte. Segundo o guitarrista Holiday algumas novas canções também estavam sendo criadas a partir dessas jams. O vigor dos moleques parecia ter energizado Dylan.

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É possível ver o que teria saído dessa reunião, uma das mais inusitadas de sua carreira, na apresentação que fizeram no Letterman em 1984, o único registro dele com The Plugz. Na véspera ensaiaram 50 canções e faltando 5 minutos pra entrarem no ar Dylan ainda não tinha certeza do que queria tocar. Era uma de suas raras promoções de disco num programa televisivo e Mr. Zimmerman tentou sabotar ao máximo. A abertura foi com um cover de Sonny Boy Williamson, que não tinha sido ensaiada. A sorte de The Plugz foi que esse era um clássico na versão punk do New York Dolls, presente no repertório de qualquer banda punk digna do gênero. No meio, Bob sai do alcance das câmeras e só resta filmar o guitarrista com bottleneck e fitinha no cabelo e dar close no baixista.

A segunda canção foi "Jokerman". Se o balanço do take original não existe, a energia dessa apresentação é contagiante. Dylan canta com paixão irada. Em certo momento Dylan começa a procurar uma gaita e fica insatisfeito com o tom de todas que encontra. A banda continua tocando por quase um minuto, em dúvida. Para o baterista Quintana esse momento "durou dez anos". Mas vale a espera: é uma daquelas performances inspiradas ainda que breve. E também um caos, a banda desacelera e volta com tudo a cada compasso, sem saber se deve continuar ou interromper abruptamente (Jim Keltner, baterista que participaria da NET, a Never Ending Tour, diria dez anos depois que Dylan não sabia quando terminar ou começar uma canção, e foi só no meio dos anos 1990 que ele descobriu como deveria liderar uma banda em cima do palco).

"License to kill" repete o roteiro: perto do fim Dylan arranca a guitarra e quase sai do palco. A banda diminui o ritmo, como se estivesse encerrando, mas Dylan volta com uma gaita. 

No último ano, uma alma caridosa postou um esclarecimento a respeito do "harmonica-gate":

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Essa apresentação no Letterman é a melhor das poucas que Dylan já fez na TV. É divertida, é uma zorra, é uma autossabotagem, é brilhante, é dylanesca até dizer chega. 

Poderia ser um enorme comeback, o pontapé inicial de uma turnê cheia de som e fúria. Mas Bob Dylan, em mais uma de suas escolhas de Bob Dylan, recrutou os medalhões Carlos Santana e Mick Taylor pra excursionar pela Europa. Chegava ao fim a chance de se reinventar novamente, o que só iria acontecer em disco no fim da década, graças ao produtor Daniel Lanois, em Oh Mercy, de 1989. 

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