Quem cuida da médica?
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Quem cuida da médica?

E lá está ela, de cama, os pais longe e os amigos em um jantar abrindo a terceira garrafa de bordeaux enquanto ela abria a garrafinha de xarope, pois a tosse estava muito desconfortável.

Christian Gurtner
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E lá está ela, de cama, os pais longe e os amigos em um jantar abrindo a terceira garrafa de bordeaux enquanto ela abria a garrafinha de xarope, pois a tosse estava muito desconfortável.

Era só uma gripe. Na verdade é muito fácil imaginar que, para ela, não era uma gripe, e sim uma "infecção pelo vírus influenza". A médica não vai usar em sua cabeça esses termos leigos. 

E ela também não vai receber ajuda, pois já sabe como se tratar, do que precisa, quais remédios e até mesmo o que comer para se recuperar. Como irão os demais, reles mortais, oferecer um chá, uma receita de vó ou "uma aspirina"? Passariam vergonha. Nem recomendações como "beba bastante água, viu" ou "deita, se cubra num aconchego, ligue a TV e descanse" sentiriam vontade de dizer com receio de estar ofendendo a inteligência da médica que passou anos estudando o corpo humano e suas doenças.

"É claro que ela sabe que tem que se hidratar e ficar de repouso" - mas quem cuida da médica?

Por saberem que ela tudo sabe, não cuidam dela. Ela queria ouvir "beba água", "descanse quentinha", "vou fazer um chá para você". Não porque ela não sabe disso, mas porque saber que tem alguém cuidando dela, a deixa feliz, acolhida - mesmo também sabendo que o chá não vai ajudar medicinalmente em nada.

Esse é a derradeira solidão dos fortes, dos líderes, dos bravos e grandes. Não são amparados. Nunca ninguém pensa que eles precisam de ajuda, orientação. Eles precisam. Mas ninguém os ajuda, pois são fortes, bravos, grandes... são médicos gripados.