Juristocracia à Brasileira
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Juristocracia à Brasileira

A intensificação do debate sobre a implementação do voto auditável ampliou a polarização entre o Presidente Jair Bolsonaro e os ministros do Supremo Tribunal Federal. Acusações dos ministros do STF, de que Bolsonaro atenta contra a democracia...

Gustavo Wakil
3 min
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A intensificação do debate sobre a implementação do voto auditável ampliou a polarização entre o Presidente Jair Bolsonaro e os ministros do Supremo Tribunal Federal. Acusações dos ministros do STF, de que Bolsonaro atenta contra a democracia, ganharam as redações dos principais jornais do país. De fato, não é de hoje, nossa democracia realmente está sob ataque. Mas quem efetivamente a ameaça?

Paulo Figueiredo, há bastante tempo, vem denunciando o ganho de espaço do que ele chama de juristocracia, fenômeno que não é somente brasileiro, mas ocorre em diversos países, inclusive nos EUA. A juristocracia seria a redefinição dos direitos constitucionais e do próprio Estado de Direito em benefício das elites, levada a cabo pelo poder judiciário. Figueiredo acrescenta que esse fenômeno abrange muito mais do que as decisões da Suprema Corte e já está arraigado no poder judiciário como um todo. De fato, a pandemia serviu para desnudar esse ativismo judicial, a julgar pelas inúmeras decisões judiciais que impediram os executivos estaduais e municipais de agir conforme julgavam adequado. Nos limitaremos, nesse artigo, no entanto, a analisar a juristocracia no âmbito da nossa corte suprema.

Desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, decisões flagrantemente inconstitucionais visando a beneficiar uma elite política são tomadas uma atrás da outra. No mencionado processo de impedimento, o Senado Federal, presidido pelo então presidente do STF Ricardo Lewandowski, em violação clara ao artigo 52 da Constituição Federal e com a anuência de quem deveria defendê-la, manteve os direitos políticos da petista. O referido artigo preconiza que o impeachment acarreta “perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”. Há como interpretá-lo de mais do que uma maneira? 

Considerando apenas o passado recente, desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República, o Supremo Tribunal Federal já tomou inúmeras decisões esdrúxulas. Para os juristas Antonio Jorge Pereira Júnior e Milton Vasconcelos Barbosa, organizadores da coletânea “Supremos Erros: decisões inconstitucionais do STF”, a exorbitância da competência dos ministros do STF já passou do ativismo judicial para um autoritarismo judicial. Os ministros atuais já instauraram um inquérito flagrantemente ilegal, atuando como vítimas, acusadores e julgadores, já prenderam arbitrariamente jornalistas e mesmo um deputado no exercício do mandato e já censuraram revistas, como a Crusoé (cujos jornalistas hoje, inacreditavelmente, fazem coro aos juristocratas!). Os exotismos mais recentes incluem a habilitação de um bandido julgado por mais de 30 juízes para concorrer novamente à Presidência da República, por meio da declaração de parcialidade (será que os ministros do Supremo não se veem diante de um espelho?) do juiz Sérgio Moro e a articulação junto a presidentes de partidos políticos pela rejeição da proposta de emenda constitucional que trata da implementação do voto auditável. Todos esses episódios demonstram a deturpação da constituição com objetivos puramente políticos. Se membros do judiciário querem fazer política, devem abdicar da toga e se candidatar! Eles não podem, em nenhuma hipótese, utilizar-se da prerrogativa de julgadores dos integrantes do legislativo para pressionar tais integrantes a tomarem decisões de acordo com o que consideram mais adequado, muito menos ignorar o que diz a Carta Magna a depender de quem é o beneficiário ou o prejudicado pela decisão em questão! Mais grave ainda é quando isso ocorre no âmbito de uma matéria que visa conferir transparência ao pilar fundamental da ordem democrática: o processo eleitoral.

O pior de tudo isso, o que mostra claramente o quanto nossas instituições estão realmente doentes, é como a imprensa não questiona essa atuação e chancela as acusações dos ministros sobre suposta ameaça à democracia por parte do chefe do Poder Executivo. Qualquer pessoa intelectualmente honesta percebe de onde vem tal ameaça! A deturpação do termo democracia chegou a tal ponto que os protestos ditos “em defesa da democracia” são aqueles nos quais o mais comum são as depredações de bens públicos e privados, enquanto os “atos antidemocráticos” são aqueles onde só se vê famílias e os quais ocorrem sem que uma única vidraça seja quebrada. Nunca foi tão fácil escolher um lado e perceber qual deles ameaça a democracia e o estado de direito. A não ser que se considere que democracia e juristocracia são sinônimos.

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